São Paulo, quarta-feira, 18 de agosto de 2010

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ANÁLISE

Prejuízo do narcotráfico à democracia não é inesperado

Claudia Daut -16.ago.2010/Reuters
Policiais fazem patrulha nas ruas da violenta cidade de Ciudad Juárez, foco da guerra entre os narcocartéis no México

HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

A narcocensura não é um fenômeno inesperado.
A venda ilegal de drogas é um negócio que fatura globalmente US$ 320 bilhões ao ano (dado de 2003) -cerca de 1% do comércio mundial. Os cartéis de drogas têm, como toda megacorporação, interesses a defender.
A diferença entre os traficantes e executivos de grandes empresas é que os primeiros não precisam nem parecer que cumprem as leis. Enquanto uma multinacional contrata firmas de lobby e assessorias de imprensa na esperança de influenciar políticos e jornalistas, os cartéis simplesmente os corrompem. Quem recusar a oferta pode ser eliminado.
O risco que o narcotráfico traz para a democracia foi uma das razões que levaram o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e seus colegas César Gaviria (Colômbia) e Ernesto Zedillo (México) a fundar a Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia.
A ideia do grupo é que a abordagem puramente repressiva fracassou e precisa ser repensada.
Em certos lugares como o México, os cartéis ficaram tão poderosos por conta do imposto da ilegalidade (o alto preço que as drogas alcançam no varejo pelo fato de serem proibidas) que conseguiram infiltrar-se nas estruturas de Estado, convertendo-se numa ameaça às instituições. Não é por espírito festeiro que o presidente mexicano, o conservador Felipe Calderón, andou flertando com a ideia de legalização.
É claro que é muito mais fácil criar esse tipo de problema do que solucioná-lo. Mesmo que os entorpecentes fossem legalizados amanhã, os efeitos de lesa-democracia do tráfico permaneceriam. Ninguém deve pensar que, com a legalização, os chefões vestiriam uma gravata e virariam respeitáveis homens de negócios. É mais verossímil imaginá-los dedicando-se a outros tipos de crime, eventualmente mais violentos.


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