São Paulo, domingo, 18 de setembro de 2005

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MISSÃO NO CARIBE

Para general Bacellar, novo líder das forças da ONU no país, sem presença estrangeira haveria guerra civil

Haiti cobra uso da força, diz chefe militar

CAROLINA VILA-NOVA
DA REDAÇÃO

O governo interino haitiano pressiona a Missão de Estabilização da ONU no Haiti (Minustah) por um uso contundente de força para controlar a situação de segurança. A afirmação é do general Urano Teixeira da Matta Bacellar, 58, de Bagé (RS), que assumiu em 31 de agosto o comando militar da Minustah, com 6.250 "capacetes azuis", em substituição ao general Augusto Heleno Ribeiro Pereira.
"Mas não podemos esquecer que essa é uma missão de paz e o emprego da força tem de ser de acordo com o que está previsto", disse. O militar avalia que a missão tem sido bem-sucedida em estabilizar o Haiti, contrariando o que sustentam relatórios de organizações de direitos humanos e setores da sociedade haitiana.
Na entrevista concedida à Folha, de Porto Príncipe, ele não quis responder se a decisão do Brasil de enviar tropas ao Haiti é um erro de política externa, se essa presença cumpre a agenda americana na região e quanto tempo a missão ficará no país.

 


Folha - O sr. chegou há pouco ao Haiti para assumir a Minustah. Em que situação encontrou o país?
General Urano Teixeira da Matta Bacellar
- Encontrei uma situação calma no interior no país, equilibrada e controlada, sem maiores problemas de violência, embora episódios de criminalidade ainda persistam, particularmente em regiões da capital, Porto Príncipe. A situação é equilibrada na maior parte da cidade, mas ainda problemática em áreas mais características de violência e criminalidade. No geral, o país vive situação de certa calma, com alguns pontos críticos, como Cité Soleil e Cité Militaire [favelas da capital], embora já tenha melhorado muito.

Folha - Mas há críticas de que houve a deterioração na situação de segurança, como indica a recente onda de seqüestros na capital.
Bacellar
- Na maior parte da cidade, a situação é de normalidade. Agora, existem as áreas-problema, onde a criminalidade é maior e a violência persiste. Houve uma redução acentuada de seqüestros em agosto. Agora, em setembro, estamos observando um pouquinho de aumento nos seqüestros e assaltos, mas circunscrito àqueles bairros que já citei.

Folha - Quais são os principais desafios que a missão vai enfrentar?
Bacellar
- O principal desafio do terceiro contingente brasileiro é prosseguir mantendo o controle das áreas onde já se obteve um grau elevado de controle, que é a região de Bel Air [favela de Porto Príncipe]. A situação lá há alguns meses era difícil, era uma região conflitiva onde predominava o banditismo. Hoje, graças à presença do batalhão brasileiro, Bel Air mudou sensivelmente. Já existem postos de saúde funcionando, as escolas estão funcionando, os microônibus estão circulando, embora de vez em quando ocorram atitudes de violência, seja contra elementos da nossa tropa, seja contra a própria população.

Folha - Seu antecessor, o general Heleno, diz que o problema do Haiti não é militar e critica a falta de investimentos sociais pela comunidade internacional. Como justificar a presença militar nesse contexto?
Bacellar
- A presença da missão decorre de um mandato da ONU. Na situação de crise naquele momento, para tentar estabilizar o país, realmente forças militares tinham de ser empregadas. A crise social existe, o general Heleno está certo sobre a necessidade de investimentos sociais. São coisas que caminham juntas, mas são diferentes. A presença militar se justifica pelo mandato do Conselho de Segurança da ONU, que permite a existência de uma força que atue contra elementos desestabilizadores visando buscar o mínimo de segurança para que o país possa seguir sua trajetória.

Folha - E a missão logrou isso?
Bacellar
- A missão tem logrado seus objetivos dentro da seqüência de atividades previstas, como o apoio ao governo transitório, o apoio à reestruturação e à reforma da Polícia Nacional e a existência de uma sensação de maior segurança entre a população.

Folha - O sr. já sofreu pressão, como o general Heleno disse ter sofrido, para que haja uma ação mais ofensiva no controle da segurança?
Bacellar
- No Haiti, é persistente entre as autoridades o desejo de uma atuação mais ofensiva, do componente militar da missão, contra as gangues, os malfeitores que existem aqui e querem criar insegurança em meio à população. Esse componente tem atuado e marcado presença com sua responsabilidade no que diz respeito à segurança, mas não podemos esquecer que é uma missão de paz e o emprego da força tem de ser de acordo com o que está previsto pelas próprias Nações Unidas e com as regras de emprego dessa força militar. A tropa não está aqui para uma guerra, mas para cumprir um mandato com uma aplicação adequada da força.

Folha - As eleições se aproximam, e com isso há a perspectiva de aumento da violência. Haverá um incremento das operações?
Bacellar
- Existe um plano de segurança em andamento e, naturalmente, haverá uma intensificação dessas ações e um planejamento específico para a proximidade do período eleitoral. O que se busca é evitar situações incontroláveis e que as eleições ocorram em clima de normalidade.

Folha - Há condições de segurança para as eleições de novembro?
Bacellar
- Neste momento, sim, há condições de haver as eleições. Mas temos ainda um período até 20 de novembro em que precisamos observar os acontecimentos.

Folha - Seria melhor que o Brasil não tivesse se envolvido no Haiti? A situação estaria pior no país se não fosse a presença da Minustah?
Bacellar
- A participação do Brasil é uma decisão de governo. Já a presença da Minustah decorre de uma situação de desequilíbrio e de uma possível guerra civil que ocorreria. Se nada tivesse sido feito, uma guerra civil teria ocorrido.

Folha - Grupos de direitos humanos e entidades haitianas denunciam a ocorrência de abusos nas operações militares, com a morte de civis. Como o sr. responde a isso?
Bacellar
- Não tenho de responder, mas as operações foram realizadas como um imperativo do mandato das Nações Unidas. O chefe da missão, o embaixador [Juan Gabriel] Valdés, já deu uma extensa entrevista explicando a necessidade dessas operações e as condições em que elas foram realizadas. Cabe lembrar que a atuação cautelosa das tropas e o cuidado em evitar baixas civis, considerando-se o ambiente operacional da área densamente povoada que temos aqui, sempre foi uma característica da missão. Quando ações mais rigorosas são necessárias diante do enfrentamento por parte de bandidos contra a própria presença da tropa, infelizmente acaba ocorrendo algum dano que a gente chama de danos colaterais ou baixas civis, que são desagradáveis e que não são o objetivo da força que está aqui. Se por ventura ocorre, é lamentável e decorre de uma situação operacional, do ambiente urbano, da densidade populacional e, inclusive, do uso da população como escudo humano pelos bandidos.

Folha - O sr. confirma então baixas civis por operações da missão?
Bacellar
- Não confirmo nada. Disse que, respondendo às denúncias de baixas civis, nos enfrentamentos já foram observadas mortes de civis, com tiros que não se sabe se vieram da tropa ou de bandidos. Isso já foi noticiado.


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