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Cabulis vêem país com esperança e decepção
DO ENVIADO ESPECIAL A CABUL
Esperança e decepção caracterizam as expectativas geradas nos
cabulis pela transformação política que atravessa o Afeganistão
nos últimos anos, da qual as eleições legislativas são o próximo
passo, de acordo com dezenas de
entrevistas realizadas pela Folha.
De um lado, o otimismo com o
processo de reconstrução do país
e com o fim de mais de duas décadas de sangrentos conflitos é palpável. "Tudo melhorou após a
queda do Taleban [2001]. Antes
não podíamos fazer nada; tudo
era proibido porque, segundo os
dirigentes do regime, era contra a
lei divina", disse Adib Danesh, 23,
gerente de uma pensão na movimentada região de Shahr-e-Naw.
"Por isso o Afeganistão perdeu
milhares de pessoas de bom nível,
que não agüentaram a pressão e
fugiram para a Europa, os EUA, a
Austrália, o Paquistão e até o Irã",
acrescentou Danesh.
Segundo Abdul Bramini, 28,
vendedor numa loja de tapetes e
de supostas antigüidades, a presença de forças estrangeiras no
país é necessária porque, caso
contrário, haveria o risco da eclosão de uma nova guerra civil.
"Tudo vai bem agora. Se as forças internacionais não estivessem
aqui, os partidos políticos afegãos, que são ligados a grupos armados, já estariam se matando,
como ocorreu de 1992 a 1996",
avaliou Bramini.
De fato, a guerra civil, que opôs
grupos de mujahidin [guerrilheiros islâmicos] que haviam lutado
lado a lado contra a invasão soviética de 1979 a 1989, deixou dezenas de milhares de mortos e Cabul quase totalmente destruída.
No entanto nem todos estão
contentes com o quadro atual. Para Yasmina Jalala, 32, enfermeira,
os afegãos já deveriam estar em situação melhor. "As tropas estrangeiras poderiam ter ido embora se
nossos políticos não fossem tão
ruins e pensassem no bem-estar
da população, não só em seus interesses", queixou-se Jalala.
Roya Sadat, 23, considerada a
mais jovem cineasta afegã, também expressou insatisfação com a
evolução afegã desde a queda do
Taleban, regime que classificou
de "tão duro quanto o fascismo",
embora tenha frisado que muita
coisa melhorou desde então.
"É claro que estamos em melhores condições agora. As mulheres
não são mais obrigadas a usar a
burca, apesar de muitas delas ainda o fazerem nas regiões mais tradicionalistas e religiosamente
conservadoras do sul do país, como [as Províncias de] Candahar e
Zabul", apontou Sadat.
"Contudo ainda há muita coisa
a fazer, visto que nossa política está infestada de corrupção, a influência da droga ameaça alastrar-se pelas instituições públicas,
vários senhores da guerra continuam soltos e a situação das mulheres ainda está longe de ser digna", acrescentou a cineasta.
Assim, fica claro que, em Cabul
-a cidade que mais tirou proveito dos esforços de reconstrução financiados pela comunidade internacional-, há esperança no
futuro, um pragmatismo resignado e um sentimento de que cabe
principalmente aos afegãos resolver suas velhas divisões.
(MSM)
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