São Paulo, domingo, 18 de setembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cabulis vêem país com esperança e decepção

DO ENVIADO ESPECIAL A CABUL

Esperança e decepção caracterizam as expectativas geradas nos cabulis pela transformação política que atravessa o Afeganistão nos últimos anos, da qual as eleições legislativas são o próximo passo, de acordo com dezenas de entrevistas realizadas pela Folha.
De um lado, o otimismo com o processo de reconstrução do país e com o fim de mais de duas décadas de sangrentos conflitos é palpável. "Tudo melhorou após a queda do Taleban [2001]. Antes não podíamos fazer nada; tudo era proibido porque, segundo os dirigentes do regime, era contra a lei divina", disse Adib Danesh, 23, gerente de uma pensão na movimentada região de Shahr-e-Naw.
"Por isso o Afeganistão perdeu milhares de pessoas de bom nível, que não agüentaram a pressão e fugiram para a Europa, os EUA, a Austrália, o Paquistão e até o Irã", acrescentou Danesh.
Segundo Abdul Bramini, 28, vendedor numa loja de tapetes e de supostas antigüidades, a presença de forças estrangeiras no país é necessária porque, caso contrário, haveria o risco da eclosão de uma nova guerra civil.
"Tudo vai bem agora. Se as forças internacionais não estivessem aqui, os partidos políticos afegãos, que são ligados a grupos armados, já estariam se matando, como ocorreu de 1992 a 1996", avaliou Bramini.
De fato, a guerra civil, que opôs grupos de mujahidin [guerrilheiros islâmicos] que haviam lutado lado a lado contra a invasão soviética de 1979 a 1989, deixou dezenas de milhares de mortos e Cabul quase totalmente destruída.
No entanto nem todos estão contentes com o quadro atual. Para Yasmina Jalala, 32, enfermeira, os afegãos já deveriam estar em situação melhor. "As tropas estrangeiras poderiam ter ido embora se nossos políticos não fossem tão ruins e pensassem no bem-estar da população, não só em seus interesses", queixou-se Jalala.
Roya Sadat, 23, considerada a mais jovem cineasta afegã, também expressou insatisfação com a evolução afegã desde a queda do Taleban, regime que classificou de "tão duro quanto o fascismo", embora tenha frisado que muita coisa melhorou desde então.
"É claro que estamos em melhores condições agora. As mulheres não são mais obrigadas a usar a burca, apesar de muitas delas ainda o fazerem nas regiões mais tradicionalistas e religiosamente conservadoras do sul do país, como [as Províncias de] Candahar e Zabul", apontou Sadat.
"Contudo ainda há muita coisa a fazer, visto que nossa política está infestada de corrupção, a influência da droga ameaça alastrar-se pelas instituições públicas, vários senhores da guerra continuam soltos e a situação das mulheres ainda está longe de ser digna", acrescentou a cineasta.
Assim, fica claro que, em Cabul -a cidade que mais tirou proveito dos esforços de reconstrução financiados pela comunidade internacional-, há esperança no futuro, um pragmatismo resignado e um sentimento de que cabe principalmente aos afegãos resolver suas velhas divisões. (MSM)


Texto Anterior: Ásia: Afeganistão vota hoje em meio à violência
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.