São Paulo, segunda-feira, 18 de setembro de 2006

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Papa se diz "sentido", mas não se desculpa

Na primeira aparição após viagem à Alemanha, Bento 16 diz que citação condenando violência do islã não expressa sua opinião

Líder xiita acusa papa de se unir aos EUA para "repetir Cruzadas"; assassinato de freira na Somália pode ter ligação com o episódio

DA REDAÇÃO

O papa Bento 16 disse ontem estar "profundamente sentido" com a reação furiosa a suas recentes observações sobre o islã e a guerra santa, proferidas na última terça-feira em uma visita à Alemanha.
Ele também afirmou que a polêmica citação das palavras do imperador Manuel 2º, o Paleólogo (1391-1425) -de que todas as coisas que Maomé trouxe foram "más e desumanas (...), como sua ordem para espalhar pelo medo da espada a fé que pregava"- , não reflete sua opinião pessoal.
"Essas [palavras] eram, na verdade, uma citação de um texto medieval, que de modo nenhum expressa meu pensamento pessoal", disse aos peregrinos na residência de verão de Castelgandolfo, perto de Roma, em sua primeira aparição pública desde o retorno da viagem à Alemanha natal.
"Também desejo acrescentar que estou profundamente sentido pelas reações a meu discurso feito na Universidade de Regensburg, que foram consideradas ofensivas à sensibilidade dos muçulmanos", disse.
Foi na ocasião que o papa se referiu à crítica ao profeta Maomé feita pelo imperador Manuel 2º (leia ao lado). Usando os termos "jihad" e "guerra santa", o papa afirmou que a violência era "incompatível com a natureza de Deus". O cerne da argumentação do papa foi a afirmação de que "não agir racionalmente é contra a natureza de Deus".
Em sua fala de ontem, Bento 16 disse esperar "que isso sirva para pacificar os corações e para esclarecer o verdadeiro significado de meu discurso, o qual, em sua totalidade, foi e é um convite a um diálogo franco e sincero, com grande respeito mútuo".
Em um procedimento incomum, a assessoria de imprensa do Vaticano forneceu traduções para o inglês e o francês das palavras pronunciadas ontem por Bento 16. Normalmente, as palavras ditas pelo papa só são vertidas para o italiano.
Bento 16 lembrou que, já no sábado, um comunicado do secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, tentara esclarecer suas palavras. Segundo o documento, o papa admitia que "algumas passagens de sua fala podem ter soado ofensivas às sensibilidades dos fiéis muçulmanos".
Entretanto líderes muçulmanos, como o egípcio Mohammed Abib, da Irmandade Muçulmana, reagiram de imediato ao comunicado de sábado e exigiram "uma desculpa pessoal" por parte de Bento 16.
Os intensos protestos contra as palavras do papa -incluindo ataques a várias igrejas na Cisjordânia e na faixa de Gaza- são sinal de uma das maiores crises internacionais em que se envolveu o Vaticano nas últimas décadas.

Freira é assassinada
Ontem, em Mogadício (Somália), homens armados mataram uma freira italiana e seu guarda-costas na entrada do hospital em que trabalhava. Teme-se que sua morte seja uma retaliação às palavras do papa.
Pouco antes, um clérigo do país havia condenado o papa por ofender os muçulmanos. "Tanto o papa quanto o imperador bizantino que ele citou ignoram o islã e seu nobre profeta", disse o xeque Nor Barud, da Associação de Clérigos Muçulmanos Somalis.
Na Turquia, o ministro Mehmet Aydin afirmou que o papa parecia estar dizendo que lamentava a ofensa, mas não necessariamente a citação de Manuel 2º. "Você tem que falar "eu lamento" de modo apropriado ou, então, nem falar". "Você lamenta dizer uma determinada coisa ou lamenta suas conseqüências?", concluiu.
No Irã, manifestações levaram centenas de pessoas às ruas das principais cidades do país, e as escolas islâmicas fecharam suas portas em protesto contra as declarações dadas pelo papa na terça-feira.
O influente clérigo xiita Ahmad Khatami comparou Bento 16 ao presidente dos EUA, George W. Bush, dizendo que ambos estavam "unidos para repetir as Cruzadas". "Se o papa não se desculpar, a fúria dos muçulmanos continuará até provocar remorsos. Ele deveria ir até os clérigos, sentar-se e aprender sobre o islã", afirmou a uma multidão de fiéis reunidos na cidade sagrada de Qom.
Já o líder da Irmandade Muçulmana previu que a indignação com as declarações irá arrefecer. "Apesar de ser necessária a fúria em relação às palavras do papa, ela não deve durar demais porque, apesar de ele ser o líder da Igreja Católica no mundo, muitos europeus não estão seguindo (a igreja), então o que disse não irá influenciá-los", disse. "Nossas relações com os cristãos devem permanecer boas, civilizadas e cooperativas."
Com agências internacionais



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