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Papa se diz "sentido", mas não se desculpa
Na primeira aparição após viagem à Alemanha, Bento 16 diz que citação condenando violência do islã não expressa sua opinião
Líder xiita acusa papa de se unir aos EUA para "repetir Cruzadas"; assassinato de freira na Somália pode ter ligação com o episódio
DA REDAÇÃO
O papa Bento 16 disse ontem
estar "profundamente sentido"
com a reação furiosa a suas recentes observações sobre o islã
e a guerra santa, proferidas na
última terça-feira em uma visita à Alemanha.
Ele também afirmou que a
polêmica citação das palavras
do imperador Manuel 2º, o Paleólogo (1391-1425) -de que
todas as coisas que Maomé
trouxe foram "más e desumanas (...), como sua ordem para
espalhar pelo medo da espada a
fé que pregava"- , não reflete
sua opinião pessoal.
"Essas [palavras] eram, na
verdade, uma citação de um
texto medieval, que de modo
nenhum expressa meu pensamento pessoal", disse aos peregrinos na residência de verão
de Castelgandolfo, perto de Roma, em sua primeira aparição
pública desde o retorno da viagem à Alemanha natal.
"Também desejo acrescentar
que estou profundamente sentido pelas reações a meu discurso feito na Universidade de
Regensburg, que foram consideradas ofensivas à sensibilidade dos muçulmanos", disse.
Foi na ocasião que o papa se
referiu à crítica ao profeta
Maomé feita pelo imperador
Manuel 2º (leia ao lado). Usando os termos "jihad" e "guerra
santa", o papa afirmou que a
violência era "incompatível
com a natureza de Deus". O
cerne da argumentação do papa foi a afirmação de que "não
agir racionalmente é contra a
natureza de Deus".
Em sua fala de ontem, Bento
16 disse esperar "que isso sirva
para pacificar os corações e para esclarecer o verdadeiro significado de meu discurso, o
qual, em sua totalidade, foi e é
um convite a um diálogo franco
e sincero, com grande respeito
mútuo".
Em um procedimento incomum, a assessoria de imprensa
do Vaticano forneceu traduções para o inglês e o francês
das palavras pronunciadas ontem por Bento 16. Normalmente, as palavras ditas pelo papa
só são vertidas para o italiano.
Bento 16 lembrou que, já no
sábado, um comunicado do secretário de Estado do Vaticano,
cardeal Tarcisio Bertone, tentara esclarecer suas palavras.
Segundo o documento, o papa
admitia que "algumas passagens de sua fala podem ter soado ofensivas às sensibilidades
dos fiéis muçulmanos".
Entretanto líderes muçulmanos, como o egípcio Mohammed Abib, da Irmandade
Muçulmana, reagiram de imediato ao comunicado de sábado
e exigiram "uma desculpa pessoal" por parte de Bento 16.
Os intensos protestos contra
as palavras do papa -incluindo
ataques a várias igrejas na Cisjordânia e na faixa de Gaza-
são sinal de uma das maiores
crises internacionais em que se
envolveu o Vaticano nas últimas décadas.
Freira é assassinada
Ontem, em Mogadício (Somália), homens armados mataram uma freira italiana e seu
guarda-costas na entrada do
hospital em que trabalhava. Teme-se que sua morte seja uma
retaliação às palavras do papa.
Pouco antes, um clérigo do
país havia condenado o papa
por ofender os muçulmanos.
"Tanto o papa quanto o imperador bizantino que ele citou
ignoram o islã e seu nobre profeta", disse o xeque Nor Barud,
da Associação de Clérigos Muçulmanos Somalis.
Na Turquia, o ministro Mehmet Aydin afirmou que o papa
parecia estar dizendo que lamentava a ofensa, mas não necessariamente a citação de Manuel 2º. "Você tem que falar "eu
lamento" de modo apropriado
ou, então, nem falar". "Você lamenta dizer uma determinada
coisa ou lamenta suas conseqüências?", concluiu.
No Irã, manifestações levaram centenas de pessoas às
ruas das principais cidades do
país, e as escolas islâmicas fecharam suas portas em protesto contra as declarações dadas
pelo papa na terça-feira.
O influente clérigo xiita Ahmad Khatami comparou Bento
16 ao presidente dos EUA,
George W. Bush, dizendo que
ambos estavam "unidos para
repetir as Cruzadas". "Se o papa
não se desculpar, a fúria dos
muçulmanos continuará até
provocar remorsos. Ele deveria
ir até os clérigos, sentar-se e
aprender sobre o islã", afirmou
a uma multidão de fiéis reunidos na cidade sagrada de Qom.
Já o líder da Irmandade Muçulmana previu que a indignação com as declarações irá arrefecer. "Apesar de ser necessária
a fúria em relação às palavras
do papa, ela não deve durar demais porque, apesar de ele ser o
líder da Igreja Católica no
mundo, muitos europeus não
estão seguindo (a igreja), então
o que disse não irá influenciá-los", disse. "Nossas relações
com os cristãos devem permanecer boas, civilizadas e cooperativas."
Com agências internacionais
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