São Paulo, quinta-feira, 18 de setembro de 2008

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Acre vira refúgio de bolivianos

Estimativa é que mais de 500 pessoas, a maioria contrária a Morales, buscaram abrigo em cidades fronteiriças

Brasileiros que viviam em Pando, hoje sob estado de sítio, também imigraram; entre os fugitivos está líder de Comitê Cívico pandino

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A BRASILÉIA (AC)

A violência no departamento de Pando está provocando a fuga de dezenas de bolivianos e brasileiros que vivem lá para as cidades fronteiriças de Brasiléia e Epitaciolândia, no Acre. A presença de dirigentes oposicionistas procurados pelo governo Evo Morales levou a tensão ao lado acreano e traz o risco de se transformar em desafio para a diplomacia brasileira, já que alguns demonstraram a intenção de pedir asilo.
O grupo dos brasileiros é formado principalmente por mulheres e filhos de trabalhadores rurais, alguns que viviam no país vizinho havia mais de 20 anos. Até ontem, 49 estavam abrigados em albergues dos dois municípios.
Em maior número, os bolivianos são quase todos funcionários departamentais nomeados pelo governador Leopoldo Fernández, preso anteontem sob acusação de violar o estado de sítio decretado por La Paz após os confrontos da semana passada, que deixaram ao menos 15 mortos.
Para atender aos recém-chegados, o governo do Acre nomeou anteontem uma comissão formada pelo Corpo de Bombeiros, pela Polícia Militar e pelas duas prefeituras. O grupo é coordenado por José Alvanir, ex-prefeito de Brasiléia e assessor da Secretaria Estadual de Articulação. Entre as tarefas estão a preparação dos albergues e o cadastramento de bolivianos recém-chegados.
"Até agora, não sabemos onde os bolivianos estão nem quantos são. A estimativa que ouvimos é de 500 a 1.000, mas é uma margem muito grande. A maioria é autonomista [oposição a Morales] e mora em Cobija. Mas não procuramos saber de que lado são, a nossa função é dar assistência", diz Alvanir. Segundo ele, apenas 17 bolivianos procuraram abrigos -o restante está com parentes, em hotéis ou até já alugou casa.
Desde anteontem à noite, vários refugiados, todos anti-Morales, montaram uma espécie de vigília na praça central de Brasiléia (19 mil habitantes), a apenas dez minutos de caminhada do centro de Cobija por meio da ponte internacional. Muitos carregam feridas dos confrontos da semana passada.
"No momento em que o governador foi preso, acabou a segurança", disse o secretário departamental de Estradas, Julio Cesar Villalobos, 28, um dos que estavam na praça anteontem à noite. Segundo ele, há cerca de 60 funcionários apenas de sua pasta em Brasiléia.
Também está na cidade a presidente do Comitê Cívico de Pando, Ana Melena de Suzuki, apontada por Morales como uma das culpadas pela violência da semana passada.
O governo boliviano informou que pediu a ajuda do governo brasileiro para procurar e prender pessoas supostamente envolvidas no episódio ocorrido há uma semana, mas ainda não formalizou nenhum pedido de extradição.

Medidas de segurança
O temor de que a violência na Bolívia respingue no Brasil fez com que a Receita Federal fechasse ontem seu posto fiscal em Epitaciolândia "devido à falta de condições adequadas de segurança". Com a medida, toda a importação e exportação na fronteira está proibida.
Também ontem, quatro policiais militares estiveram por cerca de uma hora vigiando o consulado boliviano em Brasiléia devido a ameaças telefônicas e rumores de que os opositores tomariam o prédio.
"Até domingo, foram 85 ameaças dizendo que eu estava na lista. Depois, parei de contar os telefonemas", disse o cônsul José Luis Mendez.
Assustada com a violência na Bolívia, a caseira brasileira Maria das Dores da Silva, 53, esvaziou o óleo diesel das lamparinas de sua casa, a cerca de 20 km de Cobija. Com o combustível, completou o tanque do carro de um vizinho boliviano e foi com duas filhas e um cunhado até a estrada que corta a região.
Ali, um carro do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) a trouxe a Brasiléia, onde passou as últimas duas noites no Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Agora, diz que não voltará mais ao país vizinho.
"Saí de lá chorando, a Bolívia já foi muito boa. Morei 25 anos e não vi nenhum problema, e agora vem isso."


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