São Paulo, domingo, 18 de outubro de 2009

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Bagdá tenta se reerguer 6 anos após invasão

Capital iraquiana ainda vive com soldados nas ruas e o temor de atentados, mas população circula entre lojas e bares

Cidade sofre ainda com os blecautes diários, a falta de transporte público e os transtornos causados por precauções da polícia

DO ENVIADO A BAGDÁ

Seis anos após a invasão estrangeira que derrubou o regime de Saddam Hussein, Bagdá retoma aos poucos a vida normal, embora ainda esteja desfigurada pela presença maciça de postos de controle e soldados.
Fora da chamada Zona Verde, área ultraprotegida que abriga prédios oficiais e embaixadas, a capital do Iraque ferve de atividade e movimento.
Apesar da aparente normalidade, a Folha circulou a maior parte do tempo numa caminhonete blindada e com guarda-costas, seguindo recomendação feita a todos os estrangeiros para não andarem em hipótese alguma sem escolta.
A reportagem acompanhou, nas vezes em que se misturou à população, alguns aspectos do dia-a-dia na capital de um país que tenta se reerguer após duas invasões estrangeiras e 12 anos de sanções econômicas.
Avenidas como a Karrada, com seus típicos prédios baixos de tijolo marrom, são tomadas diariamente por homens, mulheres e crianças que lotam, num clima de feira, calçadas esburacadas e cheias de entulho.
Há lojas de todos os tipos e tamanhos, com predominância de butiques de produtos eletrônicos e roupas, muitas das quais importadas da China. Os preços são baixos para os padrões brasileiros. Uma camisa masculina de manga longa sai por 5.000 dinares iraquianos (cerca de R$ 10).
O comércio é essencialmente nacional, mas há outdoors de marcas estrangeiras como LG e Renault. A Folha viu painéis de duas empresas brasileiras, Sadia e Tramontina.
Por toda parte, há vendedores de chawarma e kebab, pratos tradicionais feitos com carne de carneiro. Cafés e restaurantes ficam abertos até as 23h, uma hora antes do toque de recolher, que vai até as 5h.
O uso do véu islâmico pelas mulheres -não obrigatório- é mais comum nos bairros populares, como o xiita Kazem.
A praça Al Firdus, imortalizada nas imagens de TV que mostraram moradores derrubando a estátua de Saddam no dia da queda de Bagdá, é um pacato lugar de classe média, com bancos e lojas de serviços. A Universidade de Bagdá funciona normalmente.
A sensação de segurança persiste até mesmo na estrada para o aeroporto, antes um dos lugares mais perigosos do país, e que hoje pode ser percorrida tranquilamente.

Cooptação de milícias
A melhora na segurança resulta de um processo que começou em meados de 2005, quando militares americanos cooptaram, mediante pagamento, milícias sunitas que aterrorizavam boa parte do país. Dois anos depois, o então presidente George W. Bush aumentou em 30 mil o numero de soldados dos EUA no pais, hoje em 120 mil.
Os ganhos foram consolidadas com a entrada em cena de uma nova força policial iraquiana, bem equipada e treinada -há críticas de que a polícia discrimina os sunitas, minoria à qual pertenciam Saddam e seu círculo.
Hoje os soldados nas ruas são todos iraquianos. Desde 30 de junho, o Exército dos EUA só pode sair de suas bases a pedido do governo iraquiano, como parte do acordo que prevê a retirada total das tropas americanas até o fim de 2011.
Mas os postos de controle são um dos sinais de que Bagdá, apesar das melhorias, ainda é um lugar difícil.
As barragens causam grandes filas por toda a cidade. A polícia pode levar até 15 minutos inspecionando um veículo e seus passageiros. Cães farejadores e equipamentos eletromagnéticos são usados para a detecção de explosivos. É comum ver motoristas batendo boca com os guardas, algo impensável no regime de Saddam.
Na semana passada, um engenheiro foi metralhado por ter dado marcha à ré em um posto de controle na periferia da capital. Os soldados acreditaram que se tratava de uma tentativa de ataque com carro-bomba.
O trânsito de Bagdá fica ainda mais caótico e barulhento quando os envelhecidos carros, entre eles muitos Passat brasileiros, precisam se espremer para dar passagem a comboios militares ou de segurança privada -geralmente formados por caminhonetes com vidros fumê e antenas cilíndricas para bloquear a rede de telefone celular nas redondezas.
Bagdá continua submetida a blecautes diários, resultado da falta de investimentos nas linhas de transmissão sucateadas. Cartões de crédito internacionais não funcionam, o que obriga estrangeiros a entrarem no país com cash abundante. O acesso à internet é precário.
Na falta de transporte público, quem não tem carro usa lotações piratas caindo aos pedaços. Shows de música são raríssimos, e os cinemas ainda não reabriram.
O engenheiro aposentado Yazan Abdelmassih diz que uma geração será sacrificada ate que Bagdá seja novamente uma cidade totalmente tranquila e próspera. "É verdade que a cidade está mais segura, pelo menos até o próximo atentado", ironiza. (SAMY ADGHIRNI)


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