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Bagdá tenta se reerguer 6 anos após invasão
Capital iraquiana ainda vive com soldados nas ruas e o temor de atentados, mas população circula entre lojas e bares
Cidade sofre ainda com os blecautes diários, a falta
de transporte público e
os transtornos causados
por precauções da polícia
DO ENVIADO A BAGDÁ
Seis anos após a invasão estrangeira que derrubou o regime de Saddam Hussein, Bagdá
retoma aos poucos a vida normal, embora ainda esteja desfigurada pela presença maciça de
postos de controle e soldados.
Fora da chamada Zona Verde, área ultraprotegida que
abriga prédios oficiais e embaixadas, a capital do Iraque ferve
de atividade e movimento.
Apesar da aparente normalidade, a Folha circulou a maior
parte do tempo numa caminhonete blindada e com guarda-costas, seguindo recomendação feita a todos os estrangeiros para não andarem em
hipótese alguma sem escolta.
A reportagem acompanhou,
nas vezes em que se misturou à
população, alguns aspectos do
dia-a-dia na capital de um país
que tenta se reerguer após duas
invasões estrangeiras e 12 anos
de sanções econômicas.
Avenidas como a Karrada,
com seus típicos prédios baixos
de tijolo marrom, são tomadas
diariamente por homens, mulheres e crianças que lotam,
num clima de feira, calçadas esburacadas e cheias de entulho.
Há lojas de todos os tipos e
tamanhos, com predominância
de butiques de produtos eletrônicos e roupas, muitas das
quais importadas da China. Os
preços são baixos para os padrões brasileiros. Uma camisa
masculina de manga longa sai
por 5.000 dinares iraquianos
(cerca de R$ 10).
O comércio é essencialmente
nacional, mas há outdoors de
marcas estrangeiras como LG e
Renault. A Folha viu painéis de
duas empresas brasileiras, Sadia e Tramontina.
Por toda parte, há vendedores de chawarma e kebab, pratos tradicionais feitos com carne de carneiro. Cafés e restaurantes ficam abertos até as 23h,
uma hora antes do toque de recolher, que vai até as 5h.
O uso do véu islâmico pelas
mulheres -não obrigatório- é
mais comum nos bairros populares, como o xiita Kazem.
A praça Al Firdus, imortalizada nas imagens de TV que
mostraram moradores derrubando a estátua de Saddam no
dia da queda de Bagdá, é um pacato lugar de classe média, com
bancos e lojas de serviços. A
Universidade de Bagdá funciona normalmente.
A sensação de segurança persiste até mesmo na estrada para o aeroporto, antes um dos
lugares mais perigosos do país,
e que hoje pode ser percorrida
tranquilamente.
Cooptação de milícias
A melhora na segurança resulta de um processo que começou em meados de 2005,
quando militares americanos
cooptaram, mediante pagamento, milícias sunitas que
aterrorizavam boa parte do
país. Dois anos depois, o então
presidente George W. Bush aumentou em 30 mil o numero de
soldados dos EUA no pais, hoje
em 120 mil.
Os ganhos foram consolidadas com a entrada em cena de
uma nova força policial iraquiana, bem equipada e treinada -há críticas de que a polícia
discrimina os sunitas, minoria
à qual pertenciam Saddam e
seu círculo.
Hoje os soldados nas ruas são
todos iraquianos. Desde 30 de
junho, o Exército dos EUA só
pode sair de suas bases a pedido
do governo iraquiano, como
parte do acordo que prevê a retirada total das tropas americanas até o fim de 2011.
Mas os postos de controle
são um dos sinais de que Bagdá,
apesar das melhorias, ainda é
um lugar difícil.
As barragens causam grandes filas por toda a cidade. A polícia pode levar até 15 minutos
inspecionando um veículo e
seus passageiros. Cães farejadores e equipamentos eletromagnéticos são usados para a
detecção de explosivos. É comum ver motoristas batendo
boca com os guardas, algo impensável no regime de Saddam.
Na semana passada, um engenheiro foi metralhado por ter
dado marcha à ré em um posto
de controle na periferia da capital. Os soldados acreditaram
que se tratava de uma tentativa
de ataque com carro-bomba.
O trânsito de Bagdá fica ainda mais caótico e barulhento
quando os envelhecidos carros,
entre eles muitos Passat brasileiros, precisam se espremer
para dar passagem a comboios
militares ou de segurança privada -geralmente formados
por caminhonetes com vidros
fumê e antenas cilíndricas para
bloquear a rede de telefone celular nas redondezas.
Bagdá continua submetida a
blecautes diários, resultado da
falta de investimentos nas linhas de transmissão sucateadas. Cartões de crédito internacionais não funcionam, o que
obriga estrangeiros a entrarem
no país com cash abundante. O
acesso à internet é precário.
Na falta de transporte público, quem não tem carro usa lotações piratas caindo aos pedaços. Shows de música são raríssimos, e os cinemas ainda não
reabriram.
O engenheiro aposentado
Yazan Abdelmassih diz que
uma geração será sacrificada
ate que Bagdá seja novamente
uma cidade totalmente tranquila e próspera. "É verdade
que a cidade está mais segura,
pelo menos até o próximo atentado", ironiza.
(SAMY ADGHIRNI)
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