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Indígenas do Equador veem "neoliberalismo" em Correa
Poderosa Confederação de Nacionalidades questiona projetos para gerir minérios e água
Conflito, que já provocou uma morte, diz respeito à implementação da nova Carta; presidente diz que grupo "faz o jogo da direita"
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
Nacionalista que tirou os
EUA da base militar de Manta e
auditou a dívida externa do
Equador, o presidente Rafael
Correa tem sido chamado de
"neoliberal" e "neocolonialista" pela Conaie (Confederação
de Nacionalidades Indígenas
do Equador), que desde 1997
teve papel crucial na queda de
três governos no país.
Correa, que chegou ao poder
em 2006 prometendo pôr fim à
"longa noite neoliberal", acusa
indígenas e ambientalistas "radicalizados" de fazerem o "jogo
da direita" e de pretenderem
desestabilizá-lo.
O presidente foi reeleito em
abril sob as regras da Constituição de 2008, impulsionada por
seu governo e que consagra o
princípio quéchua da "sumak
kawsay" (vida plena ou bom viver) -cuja implementação está
no cerne das divergências com
a Conaie.
Os protestos indígenas contra as leis de Mineração e Águas
e dois decretos presidenciais
(veja quadro) vêm crescendo
desde o início do ano e resultaram em confronto no dia 30 de
setembro. Um professor da etnia shuar morreu baleado
quando a polícia desbloqueava
uma ponte na Província de Morona Santiago, na Amazônia
equatoriana.
A morte, ainda sob investigação, provocou recuos dos dois
lados. Uma reunião entre Correa e 150 lideranças da Conaie,
no último dia 5, levou à formação de "mesas de diálogo", que
ainda serão instaladas. Mas a
desconfiança mútua permanece grande.
Três temas comuns à maioria
dos países da América do Sul
formam o pano de fundo dos
conflitos: a relação entre movimentos sociais e governos de
esquerda; os limites da autonomia indígena; e o choque entre
ambientalismo e o modelo econômico baseado na exportação
de matérias-primas.
A convivência entre Correa e
a Conaie, que tem no movimento Pachakuti seu braço político, nunca foi fácil. A confederação, que fala em nome de
boa parte dos estimados 4 milhões de indígenas equatorianos, ou 30% da população,
manteve "distância crítica" do
presidente, embora tenha
apoiado pontos do programa da
coalizão Acordo País, de Correa, e a convocação da Constituinte que redigiu a nova Carta.
Correa, por sua vez, várias
vezes questionou a representatividade da Conaie e do Pachakuti. O movimento elegeu em
abril 5 dos 22 governadores
provinciais, mas sua bancada
no Legislativo nacional vem diminuindo desde 2002, quando
apoiou a eleição à Presidência
do coronel Lucio Gutiérrez,
com quem rompeu seis meses
depois.
O jornalista e analista equatoriano Kintto Lucas e o ex-presidente da Constituinte Alberto Acosta identificam na atitude de Correa a origem dos
problemas com a Conaie. "O
movimento indígena sempre
busca conversar horizontalmente, de igual para igual.
Quando sente que um presidente lhe fala de cima, se põe
em guarda", diz Lucas.
Acosta -que tem posição à
esquerda de Correa na economia e rompeu com ele porque
queria prolongar a Constituinte para tornar os trabalhos
mais democráticos- se preocupa com o choque "entre esquerda e esquerda": "O ponto
de encontro entre os dois grupos é maior do que as divergências. Faltaram canais de diálogo", lamenta.
Renda social
A questão econômica é crucial. O governo argumenta que
precisa manter a renda do petróleo e da mineração para ampliar benefícios sociais e caminhar em direção a um modelo
mais sustentável, de contornos
ainda pouco claros. A Conaie
defende uma transição rápida,
com o apoio de católicos ligados à Teologia da Libertação e
de ambientalistas.
A ONG Amazon Watch, ativa
durante os confrontos de junho
no Peru, quando indígenas protestavam contra decretos do
presidente conservador Alan
García que facilitavam a exploração de petróleo e minérios na
selva, tem divulgado as ações da
Conaie.
O missionário salesiano Juan
de la Cruz Rivadaneira, que trabalha há dez anos em Morona
Santiago, foi testemunha dos
conflitos de setembro - "nunca vi nem senti tanta violência
contra o povo shuar". Prestes a
se embrenhar de novo na selva,
ele recomendou à Folha que
procurasse o médico Kléver
Calle, da Universidade de
Cuenca.
Membro da Pastoral Indígena, Calle aponta contradições
entre "declarações e ações" de
Correa e a nova Carta. "O sumak kawsay é um conceito que
rompe o paradigma de uma
cultura antropocêntrica, o modelo primário-exportador e o
Estado verticalmente construído", diz, acrescentando que a
Lei de Mineração "legaliza concessões de milhares de hectares, feitas em governos neoliberais anteriores, em terras como a do povo shuar".
Calle defende que a posição
dos indígenas sobre temas que
"afetem seus direitos ancestrais e coletivos" seja vinculante. A questão é polêmica porque a posição foi derrotada na
Constituinte. Embora declare
o Equador um "Estado plurinacional", a Carta não reconhece
a autonomia de instituições indígenas de governo separadas
das nacionais.
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