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Procurador afirma que terror lava dinheiro no país
LÉO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE
O procurador da República Celso Três, de Caxias do Sul (RS), diz
que "certamente" o terrorismo é
uma das atividades que se aproveitam da lavagem de dinheiro no
Brasil. Mais precisamente em Foz
do Iguaçu (PR), cidade superada
apenas por Rio e São Paulo nas
transferências de dinheiro para o
exterior via contas CC-5.
Essas contas foram criadas em
1969 e servem para que empresas
multinacionais e firmas brasileiras com interesses no exterior
transfiram dinheiro para fora do
país; servem também para enviar
dinheiro a brasileiros que moram
no exterior. O problema é que elas
começaram a ser usadas para remessas ilegais para outros países.
O procurador atuou em centenas de processos por quebra de sigilo bancário nas investigações de
lavagem de dinheiro nesse tipo de
conta, a partir de 1997. Confira
trechos da entrevista.
Agência Folha - Como anda a lavagem de dinheiro no Brasil?
Celso Três - Se o Brasil não tem
estatística nem do dinheiro lícito,
por que teria do ilícito? A lavagem
do dinheiro se mantém, o que
muda é a forma como se faz. Depois de os casos CC-5 terem sido
desvendados, outras formas surgiram, para encobrir contrabando, corrupção, narcotráfico e outros crimes. As formas de lavar dinheiro são inimagináveis. A pessoa tem dinheiro sujo e coloca em
um negócio que começa a dar um
lucro incompatível. Só a partir de
1998 essa conduta se tornou criminalizada. Antes disso, respondia-se apenas por sonegação fiscal
e evasão de divisas [crime do colarinho branco].
Agência Folha - É possível que organizações terroristas se aproveitem desse expediente no Brasil e
na América do Sul?
Três - Certamente. Foz do Iguaçu, reduto de toda sorte de ilícitos
e com densa população vinculada
ao mundo árabe, foi superada
apenas por Rio e São Paulo em
transferências com CC-5. O relatório que apresentei à CPI do Bancos apontava o Banco Araucária
-depois liquidado pelo BC-
como instituição dedicada à lavagem de dinheiro. Houve indícios
de que o atentado contra a Amia
[associação judaica", na Argentina, tivesse colaboradores em Foz.
A Lei 9.675/98 permitiu a regularização de inúmeros estrangeiros
ilegais na região. O governo federal sempre foi relapso. Sua afirmação atual, da inexistência de ligações com o terrorismo, deriva,
não de convicção, mas da ausência de investigação. O fato é que, a
partir de 1999, não há dados sobre
remessas de contas CC-5, pois,
sem a quebra imposta pela Justiça
federal, retorna-se à dependência
da vigilância do BC, sabidamente
de frágil confiança.
Agência Folha - Por que não há
mais dados?
Três - Hoje estamos na dependência de representações do BC. É
crível que, uma vez devassados, os
lavadores tenham alterado o
"modus operandi". Além disso,
hoje há outro organismo fiscalizador, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que
tem feito um bom trabalho.
Agência Folha - Quem deveria estar fazendo a fiscalização?
Três - O Banco Central a faria,
mas não a faz bem. O que ocorre?
Qualquer forma de remessa acima de R$ 10 mil deve ser registrada. Como é feita? Há várias formas de remeter dinheiro para o
exterior. Mas isso é registrado no
BC: consta que uma determinada
pessoa remeteu certo valor. Qual
é a função do BC? Ele deveria fazer
uma apreciação pelo menos superficial de quem faz a transação.
E é fácil fazer isso. Os bancos têm
cadastro do sujeito. Na maioria
das vezes, dá para ver que o sujeito não teria condições de possuir
esse dinheiro. Esse tipo de vigilância o BC não faz. Então havia ambulantes que enviavam R$ 100 milhões para o exterior, mas nunca
eram flagrados porque o BC não
exercia essa função. Muitas vezes,
nesses casos, daria para bloquear
a conta e investigar, mas isso não
ocorria, e a investigação ficava
prejudicada.
Agência Folha - Não faltaria fiscalizar essa ponta da lavagem de dinheiro, a de quem o recebe?
Três - A lei da lavagem de dinheiro, 9.613/98, e as resoluções do
Coaf impõem a comunicação das
operações suspeitas. É um começo. Todavia, repito, o decisivo é a
seriedade das autoridades na fiscalização. Havendo isso, a colaboração dos particulares será automática, pelo receio de punição.
Agência Folha - A Polícia Federal
tem falado em abrir inquéritos. Por
que ela não fez isso antes?
Três - Há centenas, talvez milhares de inquéritos. Há dois anos,
quando saí de Cascavel (PR), já
havia consignado minha irresignação com a injustificável demora. Mesmo com os parcos recursos humanos e materiais existentes, seria possível muito maior eficiência. Em Cascavel, mesmo sem
a Polícia Federal, com auxílio da
Receita Federal e poucos funcionários, fizemos um trabalho de
base que subsidiou as apurações.
Agência Folha - Bancos de fronteira são suspeitos de lavagem?
Três - Sim, especialmente os exclusivamente situados nessas regiões. Caso típico do Araucária.
Agência Folha - O que é preciso
mudar nessa legislação?
Três - Nada. A carência é de seriedade das autoridades.
Agência Folha - Há indícios da
participação de terroristas no envio de CC-5?
Três - Havia muitas CC-5 utilizadas por pessoas de origem árabe.
Mas a principal prova surgiu em
uma interceptação telefônica feita
por colegas, na época do ato terrorista que ocorreu na Argentina.
Havia mais do que indícios, havia
provas mesmo, de que o atentado
partiu de Foz do Iguaçu.
Agência Folha - O sr. sabe o que
era dito nos diálogos?
Três - Não me lembro dos termos porque isso faz tempo e porque eram colegas que fizeram a
escuta. Mas o atentado saiu dali.
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