São Paulo, domingo, 18 de novembro de 2001

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Procurador afirma que terror lava dinheiro no país

LÉO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE

O procurador da República Celso Três, de Caxias do Sul (RS), diz que "certamente" o terrorismo é uma das atividades que se aproveitam da lavagem de dinheiro no Brasil. Mais precisamente em Foz do Iguaçu (PR), cidade superada apenas por Rio e São Paulo nas transferências de dinheiro para o exterior via contas CC-5.
Essas contas foram criadas em 1969 e servem para que empresas multinacionais e firmas brasileiras com interesses no exterior transfiram dinheiro para fora do país; servem também para enviar dinheiro a brasileiros que moram no exterior. O problema é que elas começaram a ser usadas para remessas ilegais para outros países.
O procurador atuou em centenas de processos por quebra de sigilo bancário nas investigações de lavagem de dinheiro nesse tipo de conta, a partir de 1997. Confira trechos da entrevista.

Agência Folha - Como anda a lavagem de dinheiro no Brasil?
Celso Três -
Se o Brasil não tem estatística nem do dinheiro lícito, por que teria do ilícito? A lavagem do dinheiro se mantém, o que muda é a forma como se faz. Depois de os casos CC-5 terem sido desvendados, outras formas surgiram, para encobrir contrabando, corrupção, narcotráfico e outros crimes. As formas de lavar dinheiro são inimagináveis. A pessoa tem dinheiro sujo e coloca em um negócio que começa a dar um lucro incompatível. Só a partir de 1998 essa conduta se tornou criminalizada. Antes disso, respondia-se apenas por sonegação fiscal e evasão de divisas [crime do colarinho branco].

Agência Folha - É possível que organizações terroristas se aproveitem desse expediente no Brasil e na América do Sul?
Três -
Certamente. Foz do Iguaçu, reduto de toda sorte de ilícitos e com densa população vinculada ao mundo árabe, foi superada apenas por Rio e São Paulo em transferências com CC-5. O relatório que apresentei à CPI do Bancos apontava o Banco Araucária -depois liquidado pelo BC- como instituição dedicada à lavagem de dinheiro. Houve indícios de que o atentado contra a Amia [associação judaica", na Argentina, tivesse colaboradores em Foz. A Lei 9.675/98 permitiu a regularização de inúmeros estrangeiros ilegais na região. O governo federal sempre foi relapso. Sua afirmação atual, da inexistência de ligações com o terrorismo, deriva, não de convicção, mas da ausência de investigação. O fato é que, a partir de 1999, não há dados sobre remessas de contas CC-5, pois, sem a quebra imposta pela Justiça federal, retorna-se à dependência da vigilância do BC, sabidamente de frágil confiança.

Agência Folha - Por que não há mais dados?
Três -
Hoje estamos na dependência de representações do BC. É crível que, uma vez devassados, os lavadores tenham alterado o "modus operandi". Além disso, hoje há outro organismo fiscalizador, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que tem feito um bom trabalho.

Agência Folha - Quem deveria estar fazendo a fiscalização?
Três -
O Banco Central a faria, mas não a faz bem. O que ocorre? Qualquer forma de remessa acima de R$ 10 mil deve ser registrada. Como é feita? Há várias formas de remeter dinheiro para o exterior. Mas isso é registrado no BC: consta que uma determinada pessoa remeteu certo valor. Qual é a função do BC? Ele deveria fazer uma apreciação pelo menos superficial de quem faz a transação. E é fácil fazer isso. Os bancos têm cadastro do sujeito. Na maioria das vezes, dá para ver que o sujeito não teria condições de possuir esse dinheiro. Esse tipo de vigilância o BC não faz. Então havia ambulantes que enviavam R$ 100 milhões para o exterior, mas nunca eram flagrados porque o BC não exercia essa função. Muitas vezes, nesses casos, daria para bloquear a conta e investigar, mas isso não ocorria, e a investigação ficava prejudicada.

Agência Folha - Não faltaria fiscalizar essa ponta da lavagem de dinheiro, a de quem o recebe?
Três -
A lei da lavagem de dinheiro, 9.613/98, e as resoluções do Coaf impõem a comunicação das operações suspeitas. É um começo. Todavia, repito, o decisivo é a seriedade das autoridades na fiscalização. Havendo isso, a colaboração dos particulares será automática, pelo receio de punição.

Agência Folha - A Polícia Federal tem falado em abrir inquéritos. Por que ela não fez isso antes?
Três -
Há centenas, talvez milhares de inquéritos. Há dois anos, quando saí de Cascavel (PR), já havia consignado minha irresignação com a injustificável demora. Mesmo com os parcos recursos humanos e materiais existentes, seria possível muito maior eficiência. Em Cascavel, mesmo sem a Polícia Federal, com auxílio da Receita Federal e poucos funcionários, fizemos um trabalho de base que subsidiou as apurações.

Agência Folha - Bancos de fronteira são suspeitos de lavagem?
Três -
Sim, especialmente os exclusivamente situados nessas regiões. Caso típico do Araucária.

Agência Folha - O que é preciso mudar nessa legislação?
Três -
Nada. A carência é de seriedade das autoridades.

Agência Folha - Há indícios da participação de terroristas no envio de CC-5?
Três -
Havia muitas CC-5 utilizadas por pessoas de origem árabe. Mas a principal prova surgiu em uma interceptação telefônica feita por colegas, na época do ato terrorista que ocorreu na Argentina. Havia mais do que indícios, havia provas mesmo, de que o atentado partiu de Foz do Iguaçu.

Agência Folha - O sr. sabe o que era dito nos diálogos?
Três -
Não me lembro dos termos porque isso faz tempo e porque eram colegas que fizeram a escuta. Mas o atentado saiu dali.



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