São Paulo, terça-feira, 19 de fevereiro de 2002

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MÍDIA

Sygma, sinônimo de excelência, demite seus fotógrafos após crise causada por mudanças tecnológicas e de enfoque do noticiário

Crise abala megagência de fotojornalismo

JOHN LICHFIELD
DO "THE INDEPENDENT", EM PARIS

Uma instituição da imprensa internacional morreu na semana passada, embora sua morte não tenha sido noticiada com destaque. A agência de fotojornalismo Sygma -maior do mundo em sua área de atuação, sinônimo de excelência em fotojornalismo nos últimos 25 anos- demitirá todos os seus fotógrafos contratados.
Após uma greve que durou 16 dias, os 42 fotógrafos e quase a metade dos outros funcionários contratados da sede da Sygma em Paris aceitaram acordos de demissão. É o fim da disputa trabalhista na qual fotógrafos de guerra da Sygma, já grisalhos, fotografaram-se uns aos outros enquanto faziam manifestações, nus. E, segundo os fotógrafos, também é o fim da Sygma como agência fotográfica de primeira linha.
Criada após uma dissidência da agência Gamma, em 1973, a Sygma caiu vítima, em parte, dos avanços e das mudanças tecnológicos nos usos e costumes da mídia, que ameaçam enfraquecer todas as grandes agências fotográficas internacionais. Além disso, foi gravemente prejudicada pelo casamento infeliz, que já dura três anos, com a Corbis (empresa pertencente ao fundador da Microsoft, Bill Gates), que se tornou a maior proprietária e fornecedora mundial de imagens on-line.
Quando adquiriu a Sygma, em 1999, a Corbis prometeu transformar a agência na base de sua estratégia global. Basicamente, ela se tornaria uma espécie de "grande loja" de fotos de todo tipo para jornais, revistas e sites.
Na verdade, dizem os fotógrafos da Sygma, a Corbis estava interessada apenas em explorar o nome da agência e seu acervo de 40 milhões de imagens. Ela não manifestou nenhuma compreensão ou interesse, e tampouco investiu qualquer dinheiro, no desenvolvimento da Sygma como agência de fotojornalismo.
"A Corbis nos transferiu para um escritório caro em Paris, mas, apesar de sermos dirigidos por Bill Gates, não nos deu a tecnologia de última geração da qual precisávamos", disse um dos mais experientes fotógrafos da agência, Patrick Durand, 49. "Sua abordagem era baseada na utilização do acervo de imagens da Sygma. Seus executivos não tinham a menor idéia de como organizar a cobertura fotográfica das notícias, nem de como vender as imagens que produzíamos. Chegamos à conclusão lógica, porém absurda: uma agência fotográfica sem fotógrafos. O nome Sygma pode sobreviver por algum tempo ainda, mas, na essência, ela morreu."
A direção da Corbis-Sygma diz que está reposicionando a agência para reduzir as perdas substanciais sofridas nos últimos anos (situação semelhante a de outras agências de qualidade, como Sipa e Gamma). Todos os fotógrafos que trabalham para a agência, de agora em diante, serão free-lancers (como muito sempre foram). Antes, a agência desenvolvia as idéias, organizava as viagens e custeava boa parte das despesas. Agora, caberá a fotógrafos free-lancers, credenciados pela agência, fazer tudo por conta própria. A Sygma se limitará a vender seu trabalho e dividir o dinheiro.
"Sendo assim, não haverá razão para um fotógrafo conhecido trabalhar para a Sygma. Todos os profissionais experientes ou vão trabalhar por conta própria ou formarão agências novas, menores", disse Durand, veterano de conflitos que abrangem desde a guerra entre União Soviética e Afeganistão até a Guerra do Golfo. "Se sobreviver, a Sygma ficará com os principiantes."
Tudo isso é negativo porque as grandes agências fotográficas como Sygma, Gamma e Sipa, em suas épocas áureas, eram uma força que promovia a excelência e a originalidade, ampliando os limites do fotojornalismo -logo, do próprio jornalismo.
O surgimento de novas tecnologias como câmeras digitais, telefonia via satélite e transmissão de imagens on-line acabou prejudicando as agências fotográficas especializadas e beneficiando as agências de notícias que produzem texto e imagens, como Reuters, Associated Press e France Presse. Essas agências sempre dominaram as imagens vistas nos jornais diários. Nos últimos anos, passaram a ocupar espaço cada vez maior também em revistas semanais e mensais.
O arrocho imposto aos orçamentos de publicações em todo o mundo, o movimento em direção a um jornalismo mais light, mais "baseado em gente" e mais distante das notícias nuas e cruas, mesmo nas revistas vistas como "sérias", leva os editores a relutar em pagar o preço de um fotojornalismo de excelente qualidade, quando podem ter acesso a fotojornalismo de boa qualidade e supostamente "de graça", na medida em que as fotos vêem incluídas nos valores fixos que pagam pelas assinaturas dos serviços das agências de notícias.



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