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Bush enfrenta ceticismo inédito sobre Irã
Pela primeira vez desde o 11 de Setembro, presidente e equipe têm de vir a público se explicar sobre acusações ao país
Um dos motivos seria a
"Síndrome do Iraque",
desconfiança parecida com
a que tomou opinião pública
após o fracasso no Vietnã
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Pela primeira vez desde o 11
de Setembro, o presidente dos
EUA, George W. Bush, e seu gabinete tiveram de vir a público
defender a veracidade de provas apresentadas por militares
norte-americanos -no caso, de
armas que militares iranianos
teriam fornecido a insurgentes
iraquianos.
É a primeira vez que isso
acontece desde que o republicano fez da guerra ao terror a
principal bandeira de seu governo, o que mostra a queda de
credibilidade que ele enfrenta
nos dois últimos anos de seu segundo mandato.
No domingo retrasado, oficiais das Forças Armadas norte-americanas mostraram a
jornalistas em Bagdá o que seriam armas iranianas apreendidas pelos soldados dos EUA
com a insurgência iraquiana
-a prova que faltava de que
Teerã de fato insufla a guerra
civil no Iraque, uma das principais acusações da Casa Branca
contra o regime dos aiatolás.
Nos dias seguintes, jornais do
mundo inteiro publicaram fotos dos armamentos e a transcrição do encontro com as autoridades norte-americanas,
que pediram para não ser identificadas. Em vez de ajudar a
construir o caso contra o Irã,
porém, a ação encontrou respostas céticas tanto na oposição democrata quanto entre
analistas conservadores, uma
reação inédita nos chamados
tempos de guerra.
Já na segunda-feira, o porta-voz da Casa Branca, Tony
Snow, foi indagado se o governo não estava forçando provas
contra o Irã para justificar um
ataque. Ele se recusou diversas
vezes a dar detalhes sobre o caso, dizendo que era responsabilidade do Pentágono.
No final do encontro diário
com os jornalistas, questionado
mais uma vez sobre as provas,
Snow responderia, em tom de
brincadeira: "Não, não, não,
não. Estou a ponto de bater minha cabeça no microfone".
No mesmo dia, o general Peter Pace, militar mais graduado
dos EUA, afirmou que não tinha informações que indicassem que o Irã estaria fornecendo tais armas. "Nós sabemos
que são fabricadas no Irã", disse ele, durante visita à Austrália. "O que eu não diria é que o
governo iraniano sabe disso."
Dois dias depois, Bush convocou entrevista coletiva em
que disse: "Pode ser que eles [o
governo iraniano] saibam ou
não, mas o que interessa é que
elas [as armas] estão lá". Não
foi o suficiente. "O presidente
disse que [o ditador iraquiano]
Saddam Hussein estava em conluio com a Al Qaeda e eu acreditei nele", rebateu o congressista Bob Etheridge.
"Dúvidas"
"Dúvidas continuam, dúvidas que não foram resolvidas",
disse Christopher Preble, analista do CATO Institute, em
Washington, ecoando o político democrata. Uma das causas
do ceticismo é a inteligência falha usada para justificar a invasão do Iraque (leia texto ao lado), o que teria gerado a chamada "Síndrome do Iraque". A referência é à "Síndrome do Vietnã", a desconfiança da população dos EUA de qualquer solução militar proposta pelo governo por conta do fracasso da
participação do país naquela
guerra, sentimento que foi predominante pelo menos da queda de Saigon, em 1975, à ascensão de Ronald Reagan, em 1980.
Por que, então, a nova ofensiva retórica contra o Irã; e por
que agora? Nos últimos dias,
Washington especulou sobre o
que teria levado um grupo de
militares a reunir jornalistas,
ser desautorizado por seu comandante dias depois e fazer
com que o próprio presidente
se expusesse numa entrevista.
Uma das hipóteses mais fortes é a de que os militares em
Bagdá agiram sozinhos, foram
repreendidos, e o que veio depois foi uma tentativa de conter
o estrago. Outra é a de que, ao
inflar a presença e a importância do Irã no Iraque, Bush conseguiria um culpado preventivo caso seu plano de aumento
das tropas não dê resultados.
"O governo está fazendo do
Irã um bode expiatório conveniente para se e quando [o plano] falhar", disse Wayne White,
ex-analista para o Oriente Médio do escritório de inteligência
e pesquisa do Departamento de
Estado e membro do Middle
East Institute, em Washington.
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