São Paulo, segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

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Bush enfrenta ceticismo inédito sobre Irã

Pela primeira vez desde o 11 de Setembro, presidente e equipe têm de vir a público se explicar sobre acusações ao país

Um dos motivos seria a "Síndrome do Iraque", desconfiança parecida com a que tomou opinião pública após o fracasso no Vietnã

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Pela primeira vez desde o 11 de Setembro, o presidente dos EUA, George W. Bush, e seu gabinete tiveram de vir a público defender a veracidade de provas apresentadas por militares norte-americanos -no caso, de armas que militares iranianos teriam fornecido a insurgentes iraquianos.
É a primeira vez que isso acontece desde que o republicano fez da guerra ao terror a principal bandeira de seu governo, o que mostra a queda de credibilidade que ele enfrenta nos dois últimos anos de seu segundo mandato.
No domingo retrasado, oficiais das Forças Armadas norte-americanas mostraram a jornalistas em Bagdá o que seriam armas iranianas apreendidas pelos soldados dos EUA com a insurgência iraquiana -a prova que faltava de que Teerã de fato insufla a guerra civil no Iraque, uma das principais acusações da Casa Branca contra o regime dos aiatolás.
Nos dias seguintes, jornais do mundo inteiro publicaram fotos dos armamentos e a transcrição do encontro com as autoridades norte-americanas, que pediram para não ser identificadas. Em vez de ajudar a construir o caso contra o Irã, porém, a ação encontrou respostas céticas tanto na oposição democrata quanto entre analistas conservadores, uma reação inédita nos chamados tempos de guerra.
Já na segunda-feira, o porta-voz da Casa Branca, Tony Snow, foi indagado se o governo não estava forçando provas contra o Irã para justificar um ataque. Ele se recusou diversas vezes a dar detalhes sobre o caso, dizendo que era responsabilidade do Pentágono.
No final do encontro diário com os jornalistas, questionado mais uma vez sobre as provas, Snow responderia, em tom de brincadeira: "Não, não, não, não. Estou a ponto de bater minha cabeça no microfone".
No mesmo dia, o general Peter Pace, militar mais graduado dos EUA, afirmou que não tinha informações que indicassem que o Irã estaria fornecendo tais armas. "Nós sabemos que são fabricadas no Irã", disse ele, durante visita à Austrália. "O que eu não diria é que o governo iraniano sabe disso."
Dois dias depois, Bush convocou entrevista coletiva em que disse: "Pode ser que eles [o governo iraniano] saibam ou não, mas o que interessa é que elas [as armas] estão lá". Não foi o suficiente. "O presidente disse que [o ditador iraquiano] Saddam Hussein estava em conluio com a Al Qaeda e eu acreditei nele", rebateu o congressista Bob Etheridge.

"Dúvidas"
"Dúvidas continuam, dúvidas que não foram resolvidas", disse Christopher Preble, analista do CATO Institute, em Washington, ecoando o político democrata. Uma das causas do ceticismo é a inteligência falha usada para justificar a invasão do Iraque (leia texto ao lado), o que teria gerado a chamada "Síndrome do Iraque". A referência é à "Síndrome do Vietnã", a desconfiança da população dos EUA de qualquer solução militar proposta pelo governo por conta do fracasso da participação do país naquela guerra, sentimento que foi predominante pelo menos da queda de Saigon, em 1975, à ascensão de Ronald Reagan, em 1980.
Por que, então, a nova ofensiva retórica contra o Irã; e por que agora? Nos últimos dias, Washington especulou sobre o que teria levado um grupo de militares a reunir jornalistas, ser desautorizado por seu comandante dias depois e fazer com que o próprio presidente se expusesse numa entrevista.
Uma das hipóteses mais fortes é a de que os militares em Bagdá agiram sozinhos, foram repreendidos, e o que veio depois foi uma tentativa de conter o estrago. Outra é a de que, ao inflar a presença e a importância do Irã no Iraque, Bush conseguiria um culpado preventivo caso seu plano de aumento das tropas não dê resultados.
"O governo está fazendo do Irã um bode expiatório conveniente para se e quando [o plano] falhar", disse Wayne White, ex-analista para o Oriente Médio do escritório de inteligência e pesquisa do Departamento de Estado e membro do Middle East Institute, em Washington.


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