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JUSTIÇA
Juiz detém chefes do regime militar, suspeitos de ligação com sequestro de bebês de dissidentes durante os anos da "guerra suja"
Argentina leva ex-ditadores a julgamento
VANESSA ADACHI
de Buenos Aires
Um a um os militares que chefiaram a ditadura argentina durante os anos da chamada "guerra
suja" (1976-83) estão enfrentando
a Justiça. O número chegou a dez
na última quinta-feira, com a prisão do general da reserva Juan
Bautista Sasiain, e pode subir para
12 nesta semana, quando deporão
outros dois generais suspeitos.
A detenção dos ex-ditadores foi
determinada pelo juiz federal da
capital argentina, Adolfo Bagnasco, de 45 anos. Investigando o caso do roubo de bebês nascidos
durante a prisão dos pais, Bagnasco está conseguindo anular a liberdade concedida aos ex-repressores pela anistia do ex-presidente Carlos Menem, em 1991.
Se tudo der certo, os militares,
que estão em prisão preventiva,
devem ser levados a julgamento
em breve, e Bagnasco terá conseguido o que o juiz espanhol Baltasar Garzón tenta sem sucesso
-punir participantes de atos
ofensivos aos direitos humanos
durante períodos ditatoriais.
Em entrevista à Folha, Bagnasco revelou que está prestes a finalizar suas investigações, que fazem parte da etapa de instrução
do processo. Com isso, pelo sistema judicial do país, o caso poderá
passar ao julgamento oral, fase na
qual se concluirá pela culpa ou
inocência dos militares.
"Os depoimentos da próxima
semana (esta semana) são os dois
últimos. Depois disso, já posso
encerrar as investigações, provavelmente em maio", afirmou o
juiz. Nesta semana deporão os ex-generais Santiago Omar Riveros e
Jorge Olivera Rovere.
A ação se iniciou a partir de uma
denúncia de alguns membros da
associação de defesa dos direitos
humanos Avós da Praça de Maio.
O primeiro a ser preso foi o general e ex-presidente da primeira
junta militar, Rafael Videla. Outro
importante líder da junta preso é
o almirante Emilio Massera. Ambos têm mais de 70 anos e cumprem prisão domiciliar, conforme permite a Justiça argentina.
Há outros juizes federais que investigam o desaparecimento de
bebês nos porões da ditadura. O
que diferencia a causa conduzida
por Bagnasco é que ele tenta provar que houve um plano sistemático de sequestro e substituição de
identidade de filhos de prisioneiras. Esse caminho torna possível
responsabilizar os líderes militares da época e não apenas os oficias de patente inferior responsáveis diretos pelos roubos.
Em outras causas paralelas, já
foram restituídas as identidades
de 66 jovens. A associação Avós
da Praça de Maio registra ao todo
240 denúncias, mas estima que tenham ocorrido 500 casos.
A descoberta, em janeiro deste
ano, de um livro com registros de
nascimentos no hospital militar
do Campo de Mayo, um dos principais locais usados como prisão
durante a ditadura, deve esclarecer a identidade de outros jovens.
O processo de reconhecimento
tem aberto uma nova ferida para
os envolvidos nos sequestros.
"Não é fácil para um jovem, hoje
com 25 anos, entender essa mudança de identidade. A família genética precisa dar tempo ao neto
recém-encontrado", diz Rosa Rosinblit, vice-presidente das Avós
da Praça de Maio.
Os jovens identificados são preservados ao máximo, e a associação procura dar pouca publicidade aos casos.
As avós contam que os jovens ficam chocados ao descobrir, de
uma hora para outra, que as famílias que os criaram estiveram, em
muitos casos, envolvidas em um
delito.
Muitas crianças foram adotadas
por militares que conheciam sua
origem. Um dos casos mais famosos hoje na Argentina é o de
Evelyn Vázquez Ferrá, 22, que
não aceita fazer o teste de DNA
que pode incriminar seu pai de
criação, o suboficial Policarpo
Luis Vázquez. Ele está preso há
um ano, sob suspeita de ter se
apropriado de Evelyn.
"Encontrando esses jovens hoje, já não pretendemos que passem a viver com suas famílias biológicas, como queríamos quando
ainda eram crianças", diz Rosa.
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