São Paulo, domingo, 19 de março de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JUSTIÇA
Juiz detém chefes do regime militar, suspeitos de ligação com sequestro de bebês de dissidentes durante os anos da "guerra suja"
Argentina leva ex-ditadores a julgamento

VANESSA ADACHI
de Buenos Aires

Um a um os militares que chefiaram a ditadura argentina durante os anos da chamada "guerra suja" (1976-83) estão enfrentando a Justiça. O número chegou a dez na última quinta-feira, com a prisão do general da reserva Juan Bautista Sasiain, e pode subir para 12 nesta semana, quando deporão outros dois generais suspeitos.
A detenção dos ex-ditadores foi determinada pelo juiz federal da capital argentina, Adolfo Bagnasco, de 45 anos. Investigando o caso do roubo de bebês nascidos durante a prisão dos pais, Bagnasco está conseguindo anular a liberdade concedida aos ex-repressores pela anistia do ex-presidente Carlos Menem, em 1991.
Se tudo der certo, os militares, que estão em prisão preventiva, devem ser levados a julgamento em breve, e Bagnasco terá conseguido o que o juiz espanhol Baltasar Garzón tenta sem sucesso -punir participantes de atos ofensivos aos direitos humanos durante períodos ditatoriais.
Em entrevista à Folha, Bagnasco revelou que está prestes a finalizar suas investigações, que fazem parte da etapa de instrução do processo. Com isso, pelo sistema judicial do país, o caso poderá passar ao julgamento oral, fase na qual se concluirá pela culpa ou inocência dos militares.
"Os depoimentos da próxima semana (esta semana) são os dois últimos. Depois disso, já posso encerrar as investigações, provavelmente em maio", afirmou o juiz. Nesta semana deporão os ex-generais Santiago Omar Riveros e Jorge Olivera Rovere.
A ação se iniciou a partir de uma denúncia de alguns membros da associação de defesa dos direitos humanos Avós da Praça de Maio. O primeiro a ser preso foi o general e ex-presidente da primeira junta militar, Rafael Videla. Outro importante líder da junta preso é o almirante Emilio Massera. Ambos têm mais de 70 anos e cumprem prisão domiciliar, conforme permite a Justiça argentina.
Há outros juizes federais que investigam o desaparecimento de bebês nos porões da ditadura. O que diferencia a causa conduzida por Bagnasco é que ele tenta provar que houve um plano sistemático de sequestro e substituição de identidade de filhos de prisioneiras. Esse caminho torna possível responsabilizar os líderes militares da época e não apenas os oficias de patente inferior responsáveis diretos pelos roubos.
Em outras causas paralelas, já foram restituídas as identidades de 66 jovens. A associação Avós da Praça de Maio registra ao todo 240 denúncias, mas estima que tenham ocorrido 500 casos.
A descoberta, em janeiro deste ano, de um livro com registros de nascimentos no hospital militar do Campo de Mayo, um dos principais locais usados como prisão durante a ditadura, deve esclarecer a identidade de outros jovens.
O processo de reconhecimento tem aberto uma nova ferida para os envolvidos nos sequestros. "Não é fácil para um jovem, hoje com 25 anos, entender essa mudança de identidade. A família genética precisa dar tempo ao neto recém-encontrado", diz Rosa Rosinblit, vice-presidente das Avós da Praça de Maio.
Os jovens identificados são preservados ao máximo, e a associação procura dar pouca publicidade aos casos.
As avós contam que os jovens ficam chocados ao descobrir, de uma hora para outra, que as famílias que os criaram estiveram, em muitos casos, envolvidas em um delito.
Muitas crianças foram adotadas por militares que conheciam sua origem. Um dos casos mais famosos hoje na Argentina é o de Evelyn Vázquez Ferrá, 22, que não aceita fazer o teste de DNA que pode incriminar seu pai de criação, o suboficial Policarpo Luis Vázquez. Ele está preso há um ano, sob suspeita de ter se apropriado de Evelyn.
"Encontrando esses jovens hoje, já não pretendemos que passem a viver com suas famílias biológicas, como queríamos quando ainda eram crianças", diz Rosa.


Texto Anterior: Tragédia: Ao menos 200 se suicidam em Uganda
Próximo Texto: Entenda leis de anistia no país
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.