São Paulo, quarta-feira, 19 de abril de 2006

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ARTIGO

Um novo terrorismo, sem a Al Qaeda

JEAN-PIERE STROOBANTS
DO "LE MONDE"

As conclusões das investigações sobre os atentados que abalaram a Europa em 2004 e 2005 são preocupantes. Em Madri e em Londres, indicam os relatórios de maneira que parece convincente, o grupo de Osama bin Laden exerceu papel menor, ou nenhum, na preparação dos dois planos mortíferos. Ora, muitos acreditavam que esses atentados realizados por islâmicos radicais só pudessem ter sido comandados e financiados pela Al Qaeda, no contexto de sua "guerra santa contra os judeus e os cruzados".
Os estrategistas antiterror estão convencidos de que Bin Laden não perdeu de todo o contato com sua rede planetária e que ainda tem o poder, por meio de um sistema complexo de comunicação, de enviar mensagens aos homens e organizações a eles vinculadas. Seria possível, no entanto, falar de um "comando unificado" que, aninhado em um pico ou caverna no Afeganistão, comandaria as ações dessa rede internacional? Não. E, paradoxalmente, essa realidade parece ser muito mais inquietante do que a situação que prevalecia desde 2001.
Encarar o fenômeno da jihad como uma extensão da Al Qaeda, concebida como um rótulo, ou uma estrutura global, tinha, estranhamente, certos aspectos reconfortantes. Essa interpretação resumia a ameaça a uma fonte única que, uma vez derrotada, causaria a desaparição de suas ramificações mais distantes, que não mais contariam com os recursos e controle centrais.
A idéia de que em Madri e Londres houvesse grupos de contornos imprecisos, que fossem capazes de agir por iniciativa própria, parece inquietante.
Muito mais inquietante, de fato, do que atribuir a um centro nevrálgico determinado a concepção de uma expedição punitiva em escala mundial.


O islã radical permite retaliar a "sociedade", cujo plano imaginário é derrotar os muçulmanos

O verdadeiro desafio dos anos vindouros será, para a Europa em seu conjunto, identificar e sufocar essas "células" autônomas. Elas não recebem tarefa específica alguma do exterior e são capazes de montar ataques pouco dispendiosos e difíceis de evitar. Fundadas no anonimato dos bairros pobres, compostas de membros provenientes dos horizontes mais diversos, elas não dependem mais, como era o caso das redes envolvidas com e desbaratadas depois dos atentados de 2001, da coordenação internacional das "franquias da Al Qaeda".
Diversos estudos sobre os movimentos de jihad concluídos depois de 2001 expuseram uma vasta gama de protagonistas e de motivações. Os grupos radicais potencialmente violentos se compõem tanto de imigrantes de segunda e terceira geração quanto de jovens convertidos. Em alguns deles, pode-se encontrar uma maioria de pessoas provenientes da classe média, mas há também a presença dos pobres e dos excluídos. Nos diversos subúrbios, pode-se notar a progressão de idéias islâmicas no seio de grupos que anteriormente pouco se interessavam por mensagens religiosas desse tipo: os indianos, os chineses ou os negros.
Todos interpretam o 11 de Setembro como uma vingança pela humilhação que sofrem em suas vidas cotidianas. Para aqueles que são muçulmanos, Bin Laden e seus asseclas removeram o sentimento de vergonha que afligia os fiéis em razão dos "ataques" do mundo ocidental.
A prisão parece exercer um papel catalisador. Trata-se de um local de doutrinação, de prece e de conversão, onde aqueles que são suspeitos ou condenados por atos terroristas desfrutam de uma aura de glória. Sob a cobertura de uma mensagem positiva -conduzir os jovens ao "caminho reto"-, os pregadores difundem uma filosofia extremista que ecoa nos indivíduos desenraizados e excluídos. A jihad lhes parece, com o tempo, não apenas como uma forma de "redenção", mas também como maneira de sair do anonimato, da mediocridade. O islamismo radical oferece uma oportunidade de revanche contra "a sociedade", estrutura imaginária cujo propósito parece ser o de derrotar a comunidade muçulmana em seu todo.
Quando saem da prisão, essas pessoas são abordadas por um líder carismático, um facilitador e/ ou uma rede relativamente estruturada, e elas já estão convencidas de que o recurso à violência é um meio legítimo de "punir" o inimigo. Essas células se vinculam cada vez menos a organizações enraizadas, ou seja, à Al Qaeda.
Formadas de pequenos grupos unidos pela amizade ou elos familiares, ligadas à jihad pela Internet e impregnadas de uma mensagem religiosa que não é simplesmente um pretexto, essas novas estruturas se tornam tanto mais ameaçadoras quanto mais imbuídas de sua missão de solidariedade. Arma contra os "hereges", o terror é também meio de castigar aqueles que sustentam a repressão contra os palestinos, afegãos, tchetchenos. A globalização da informação, que permite a um jovem revoltado da Europa fazer parte em tempo real do sofrimento de seu "irmão", que vive guerra contra o Ocidente e pelo islã.
O nascimento de um "terrorismo autóctone" remete a Al Qaeda a um papel de mito, de caução ideológica. Na Europa, o fenômeno é especialmente ameaçador para as minorias muçulmanas que ali vivem. Ainda que em sua maioria distantes das concepções extremistas, elas podem ser a vítima primordial da exacerbação da tensões que se manifesta em tantos ambientes.


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