São Paulo, domingo, 19 de maio de 2002

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HISTÓRIA

Cerimônia na ex-província indonésia marca o último passo da experiência inédita de construção de um novo país pela ONU

Nasce hoje Timor, país mais pobre da Ásia

FÁBIO ZANINI
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando o secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, entregar oficialmente a administração de Timor Leste às autoridades do território, à meia-noite de hoje (início da tarde no Brasil), terá acabado de nascer a nação mais pobre da Ásia e uma das mais pobres do mundo.
De acordo com relatório divulgado na semana passada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o novo país surge com PIB (Produto Interno Bruto) per capita de meros US$ 478.
Metade da população vive com menos de meio dólar por dia, o que faz de Timor um país mais pobre do que Bangladesh, Laos ou Camboja.
As conclusões tiveram efeito devastador na pequena ilha. O presidente eleito, José Alexandre Xanana Gusmão, classificou-as de "assustadoras".
Já o administrador das Nações Unidas para a região, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, procurou se explicar: "Deixamos as fundações para o desenvolvimento. O desenvolvimento sustentado será criado pelo governo timorense."

Experiência inédita
A independência do minúsculo território, pouco maior do que o Estado de Sergipe, é o capítulo final da inédita experiência de governo em que se envolveu a comunidade internacional no segundo semestre de 1999.
Na época, a ex-província indonésia e ex-colônia portuguesa era uma terra arrasada por milicianos inconformados com a esmagadora vitória da opção independentista em um referendo, em agosto de 1999.
A votação foi precedida de e sucedida por episódios de violência, que deixaram mais de mil mortos. A violência entre a maioria católica e a minoria muçulmana, pró-Indonésia, deixou cerca de 200 mil pessoas mortas desde 1975, ano da invasão das tropas indonésias.

Tudo novo
Sem instituições estabelecidas, sem economia formal ou informal, a nação acabou absorvida pela ONU com o objetivo de ser preparada para a independência.
Em dois anos e meio, a República Democrática de Timor Leste ganhou Parlamento, partidos políticos, Constituição e presidente eleito, o carismático Xanana Gusmão, líder histórico da resistência à ocupação indonésia a partir de 1975, depois que a colonização portuguesa chegou ao fim.
Escolas foram refeitas, um museu reinaugurado, a universidade, reerguida.
Doações externas jorraram e, apesar da morosidade no gasto do dinheiro pela inchada burocracia da ONU, financiaram estradas, iluminação pública e sistemas de comunicações.
Mas o país de 800 mil habitantes agora se pergunta o que fazer quando a fonte secar.
Com outras prioridades, espera-se que doadores como Japão, Austrália, EUA e União Européia voltem seus olhos para outros locais necessitados do globo.
Na semana passada, no entanto, mais uma vez eles vieram ao socorro do território, prometendo US$ 360 milhões de ajuda nos próximos anos.

Raro sucesso
Se há consenso de que a ONU fez um bom trabalho na reconstrução dos fundamentos da nova nação -um de seus raros sucessos, depois de fracassos colhidos nas crises envolvendo os Bálcãs e Ruanda, por exemplo-, também é voz corrente que teve atuação insuficiente no fomento à economia local.
Durante o período de administração, a ONU limitou-se a recolocar a economia do território no ponto exato em que estava em 1998 -mas não avançou.
O PIB do país para este ano está estimado em US$ 391 milhões -era de US$ 390 milhões há quatro anos.
Mais preocupante é o fato de a economia estar estagnada e sem sinais de recuperação no curto prazo. Para os dois próximos anos, o FMI (Fundo Monetário Internacional) projeta crescimento de no máximo 0,5%.

Petróleo
A situação poderá ser aliviada no médio prazo, com a entrada nos cofres timorenses de recursos provenientes da exploração de gás e petróleo no estreito que separa a ilha da Austrália. Projeta-se uma receita de US$ 100 milhões por ano, a partir de 2005.
Até lá, Timor precisará continuar a sobreviver das doações internacionais e da incipiente economia local, baseada no cultivo de café e frutas, na pesca e no turismo. Cerca de 40% da população está desempregada.
Com a saída efetiva da ONU -apenas uma versão bastante reduzida da atual representação permanecerá, funcionando como agência de fomento-, a economia timorense deverá sofrer dramaticamente.
Hotéis, bares e lojas abertas especialmente para atender aos 8.000 funcionários da organização não devem resistir. Com a queda na atividade econômica, projeta-se já um déficit orçamentário de US$ 90 milhões para este ano.



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