São Paulo, domingo, 19 de maio de 2002

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ARTIGO

O mundo não pode abandonar Timor Leste

KOFI ANNAN


Quando soarem as 12 badaladas da meia-noite do dia 19 de maio de 2002, o mundo acolherá com satisfação Timor Leste na família das nações. Será um momento histórico para Timor Leste e para as Nações Unidas. Um povo orgulhoso e tenaz realizará um sonho comum a todos os povos -viver como homens e mulheres livres sob um governo que eles mesmos escolheram.
O orgulho que os timorenses sentirão nessa noite será também sentido pela comunidade internacional e pelas Nações Unidas. Raramente o mundo se juntou com tal unidade, determinação e rapidez para garantir a autodeterminação de um povo.
O mérito por essa vitória pertence em primeiro lugar e acima de tudo ao povo de Timor Leste, que mostrou uma grande coragem e perseverança na reconstrução do seu país.
Enfrentou com êxito todos os desafios com os quais se deparou e demonstrou persistentemente o seu compromisso em relação à democracia. Os desafios que o esperam são assustadores, mas com líderes determinados e dedicados e uma sólida base constitucional, penso que o povo de Timor Leste pode enfrentar o futuro com confiança.
A comunidade internacional também pode orgulhar-se do seu contributo. Após o rápido restabelecimento da ordem por uma força internacional, autorizada pelo Conselho de Segurança da ONU, em 1999, foi criada a Administração Transitória das Nações Unidas em Timor Leste (Untaet), com um mandato tão singular quanto ambicioso.
As Nações Unidas foram encarregadas de, juntamente com o povo de Timor Leste, reconstruir um país devastado e prepará-lo para a independência.
Desde então, a paz foi assegurada e foram criadas estruturas governamentais e leis. Voltou a existir uma noção de normalidade. As crianças frequentam a escola, estradas são construídas, edifícios reconstruídos, sistemas de saúde criados e todos os dias surgem novas empresas.
Os cidadãos de Timor Leste participaram maciçamente das eleições para a Assembléia Constituinte e das eleições presidenciais. Nos últimos meses, um número cada vez maior de refugiados voltou ao Timor Leste, o que é um sinal encorajador.
Os elementos das forças de manutenção da paz das Nações Unidas e da polícia internacional conseguiram o retorno da lei e da ordem. As embrionárias forças militares e policiais nacionais estão criando bases para um futuro seguro, num Estado de Direito.
A verdadeira segurança exige também que o Timor Leste encontre uma maneira equilibrada de satisfazer a dupla necessidade de justiça e reconciliação. Esta é uma área onde a comunidade internacional deve continuar a apoiar os esforços de Timor Leste, especialmente ajudando a Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação, que está prestes a iniciar o seu trabalho vital.
O mais importante talvez seja que as Nações Unidas ajudaram a lançar as bases de um governo eficaz, representativo e legítimo. O povo de Timor Leste orgulha-se com razão do fato de as suas eleições terem sido pacíficas e legítimas, tal como se orgulha da elevada percentagem de mulheres nas instituições do Estado.
Há muitos meses que, em praticamente todas as esferas da vida pública, o poder deixou de estar nas mãos dos funcionários das Nações Unidas e foi conferido aos funcionários de Timor Leste.
Em 20 de maio, quando Timor Leste se tornar uma nação independente, um executivo e um parlamento experientes e responsáveis estarão já firmemente estabelecidos.
Mas tudo isso é apenas o princípio. Tarefas colossais aguardam o governo de Timor Leste nos próximos meses e anos.
O mundo não pode abandonar Timor Leste nesta conjuntura decisiva. Deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para ajudar a garantir que os primeiros anos de independência sejam anos de estabilidade e de progresso, o que o povo de Timor Leste certamente merece.
Uma nova missão de manutenção da paz da ONU dará apoio em três áreas que são cruciais para a estabilidade e viabilidade do novo Estado: administração pública, lei e ordem e segurança externa. Esse apoio será gradualmente reduzido, ao longo de dois anos, à medida que o papel das Nações Unidas evoluir no sentido de se reduzir a prestar a tradicional ajuda ao desenvolvimento.
A manutenção de boas relações com os seus vizinhos mais próximos será essencial para a futura estabilidade de Timor Leste. Tais relações incluirão uma estreita cooperação com a Indonésia, tendo em vista garantir um acordo atempado sobre a delimitação das fronteiras, a situação dos refugiados que ainda se encontram em Timor Oeste e a cooperação no que se refere a levar a julgamento as pessoas acusadas de terem cometido crimes graves em 1999.
Como secretário-geral, estou orgulhoso do papel que as Nações Unidas desempenharam nesses esforços e, em particular, nesta última fase.
Prometo que isso assinalará não um fim, mas sim um novo começo. As Nações Unidas estão dispostas e preparadas para desempenhar plenamente o papel que lhes compete ao lado da nação independente de Timor Leste.


Kofi Annan é secretário-geral da ONU


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