São Paulo, sábado, 19 de junho de 2004

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Muçulmanos reagirão com horror, diz acadêmico

VITOR PAOLOZZI
DA REDAÇÃO

A grande maioria do mundo muçulmano vai reagir à decapitação do americano Paul Johnson da mesma maneira que os ocidentais: com horror e indignação.
Porém, em muitos, haverá um sentimento misto, inconfessável, de vingança contra a política externa dos EUA e as torturas sofridas por prisioneiros iraquianos e afegãos. Essa é a opinião do professor Alexander Knysh, diretor do Departamento de Estudos do Oriente Próximo, da Universidade de Michigan.
Leia a seguir trechos de sua entrevista à Folha.
 

Folha - A decapitação de um prisioneiro não contraria o islã?
Alexander Knysh -
A lei islâmica proíbe claramente o assassinato de não-combatentes e a captura de reféns. Tais atos são considerados uma ruptura da ordem pública, puníveis com a morte. São ofensas não apenas contra o Estado, mas também contra a religião. O problema é que há muitas interpretações do islã. Não podemos dizer que haja um islã, há entendimentos, apropriações do islã por diferentes grupos. As interpretações extremistas são as mais visíveis, porque são cruéis e atraem a atenção das pessoas.

Folha - Como os muçulmanos vêem esses assassinatos?
Knysh -
Acho que essas mortes são chocantes para todos. Eu falei com algumas pessoas e elas estavam enojadas com a morte de Nicholas Berg no Iraque. A maioria dos muçulmanos não apóia tais atos. Para a maioria, eles são contra o islã, contra todas as regras morais e éticas que existem no mundo civilizado.
Por outro lado, haverá um sentimento mórbido de gratificação, que muitos provavelmente não manifestarão, por estarem revidando os sofrimentos dos prisioneiros de Abu Ghraib e em outras áreas, como no Afeganistão.
Infelizmente tenho de dizer que é um resultado da política externa americana, que cria essa frustração e algumas vezes leva pessoas a fazer atos horríveis de violência, porque elas não sentem ter outros recursos. Como acontece na Palestina, onde as pessoas estão tão desesperadas que preferem morrer se explodindo do que viver sob a ocupação israelense.

Folha - Como o sr. avalia a situação da Al Qaeda hoje na Arábia Saudita?
Knysh -
Sabemos que a maioria do povo saudita apóia Bin Laden e suas atividades e o considera um herói. Mas esses são atos de desespero e não uma demonstração de poder ou força.
Essas pessoas estão sendo caçadas e mortas na Arábia Saudita. Elas sentem que só podem reagir por meio do assassinato de ocidentais para atingir seus objetivos. E um dos objetivos da Al Qaeda é a remoção de todos os estrangeiros da terra santa do islã, que é a Arábia Saudita.

Folha - O sr. vê condições para a queda da família real saudita?
Knysh -
Não há garantias de que o governo venha a ser capaz de eliminar essa rebelião, mas ficaria surpreso se ele caísse. A maioria da população não compartilha essa agenda radical. No pior cenário poderia haver uma situação como a guerra civil na Argélia, que terminou com um triunfo do Estado, mas a que custo? Centenas de milhares de pessoas mortas.

Folha - Os muçulmanos moderados estão perdendo terreno para os radicais?
Knysh -
Acredito que sim, enquanto a situação no Oriente Médio permanecer como está, com diversos conflitos além do israelo-palestino. Há uma situação precária no Paquistão, tensões na Indonésia, nas Filipinas, no Iraque e no Afeganistão. Há muitas fontes de indignação e ressentimento e isso vai se traduzir numa oposição baseada na religião. A religião transcende as agendas nacionalistas e dá [aos extremistas] o sentimento de pertencer a uma grande comunidade islâmica internacional, o que basicamente é uma ficção.


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