São Paulo, domingo, 19 de agosto de 2001

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ATIVISMO

Bernard Cassen, presidente do grupo antiglobalização, diz que, após Gênova, luta deve permanecer democrática

Para Attac, protesto não deve ser violento

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

Os grupos antiglobalização não devem, mesmo depois dos acontecimentos em Gênova, rever sua prática não-violenta de protesto, na opinião do jornalista francês Bernard Cassen, presidente da Attac, uma das associações mais fortes e bem estruturadas contra a mundialização neoliberal.
Para ele, os ativistas precisam persistir na forma de luta democrática, não importa quais sejam as dificuldades.
"É preciso impor a democracia aos governos", afirma na entrevista abaixo.
O assassinato de um dos manifestantes pela polícia italiana, bem como a sua agressividade, dividiu em duas a história do movimento antiglobalização: antes e depois de Gênova.
Na primeira parte dessa história, os grupos protestam contra a violência econômica. Na segunda, têm de encarar de frente a violência física e a tragédia.
Desde julho, quando ocorreram os protestos na Itália, as discussões internas dos grupos, majoritariamente não-violentos, passam necessariamente pela questão da violência.
"Não precisamos assimilar violência e radicalidade", afirma Cassen, 63. "A radicalidade está no conteúdo das reivindicações e na sua força de conquistar adesões e não no número de carros queimados ou de vitrines quebradas."
A declaração repete um comunicado interno da Attac que ele redigiu após os acontecimentos de Gênova.
O grupo Attac existe desde 1998 e surgiu de uma iniciativa do jornal "Le Monde Diplomatique", um dos mais engajados na crítica à globalização.
Entre os seus membros-fundadores, estão a economista Viviane Forrester, autora de "O Horror Econômico" (editora Unesp), e o compositor Manu Chao.
A plataforma política do grupo é também uma das mais sólidas na mixórdia de reivindicações dos antiglobalizantes.
A Attac já traz no próprio nome a sua proposta: Associação para uma Taxação de Transações Financeiras de Ajuda aos Cidadãos. O foco de sua luta é a defesa de um imposto mundial sobre a circulação de capitais (leia mais no texto abaixo).
Cassen, que é também diretor-geral do "Le Monde Diplomatique", já esteve várias vezes no Brasil, inclusive para o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em janeiro. Quando ocorreu a tragédia de Gênova, ele estava lá.
"Nunca vi uma tal mobilização de jovens contra a mundialização liberal. Também nunca vi uma tal violência num país democrático", contou à Folha.

Folha - Em que os acontecimentos violentos de Gênova mudaram o pensamento e a prática política do grupo Attac?
Bernard Cassen -
Como escrevi num comunicado interno da Attac, quando se fala em "violência", pensa-se apenas nas manifestações, e ocorre aí efetivamente uma enorme aposta midiática: nós podemos a cada vez, segundo a habilidade ou inabilidade dos governos, ganhar ou perder a partida na opinião pública.
Manifestações como a de Gênova não ocorrem mais que meia dúzia de vezes por ano no mundo, mas constituem o coração de nossa atividade.
Nós estaremos numa posição cada vez mais forte -e nossos adversários, cada vez mais na defensiva- se conseguirmos, agora sobretudo, criar uma corrente de opinião favorável às nossas idéias.
É, portanto, esse trabalho de fundo, de educação popular, que constitui nossa prioridade absoluta.
Além disso, não precisamos assimilar violência e radicalidade: a radicalidade se situa no conteúdo das reivindicações e na sua força de conquistar adesões, e não no número de carros queimados ou de vitrines quebradas.
Apesar e por causa de tudo isso, penso que devemos adotar uma atitude que não seja defensiva, mas intelectual e politicamente ofensiva sobre a questão da violência. Devemos examiná-la numa perspectiva histórica e nas suas dimensões social, política, psicológica e mesmo teológica. Isso nos permitirá mostrar que nós afrontamos o problema e que não o reduzimos aos clichês da mídia.

Folha - O jornal "Le Monde Diplomatique" escreveu que, após Gênova, "numerosos representantes de ONGs admitem ter perdido sua "virgindade democrática", quer dizer, sua crença na possibilidade de lutar democraticamente em países democráticos". Qual seria a luta a ser realizada a partir de agora, se não se tem a possibilidade de lutar democraticamente?
Cassen -
Nós não podemos renunciar à luta democrática, não importa quais sejam as dificuldades. É preciso impor a democracia aos governos.

Folha - Mas o sr. acha que, após a violência policial em Gênova, os grupos antiglobalização não irão reconsiderar suas práticas não-violentas de luta?
Cassen -
Não acho.

Folha - O sr. acredita que os grupos anarquistas podem pôr em causa a legimitidade de outros grupos, não-anarquistas? Ou o anarquismo é a expressão mesma da forma de ação política dos grupos antiglobalização em geral?
Cassen -
Não, o anarquismo é muito minoritário, e a imensa maioria dos oponentes à mundialização liberal não se reconhece nos seus métodos.
Nós privilegiamos a luta não-violenta e de massa.

Folha - A organização dessa multiplicidade de grupos acontecerá algum dia?
Cassen -
O movimento antimundialização é diverso, multiforme. Ele não tem necessidade de se dotar de uma organização burocrática. Basta que as reivindicações de uns e outros sejam convergentes. Um dos objetivos do Fórum Social Mundial de Porto Alegre é favorecer essa convergência de propostas.

Folha - O sr. acredita que seria preciso sair do capitalismo para alcançar um mundo mais justo e igualitário?
Cassen -
Sim, ou, antes, seria preciso colocar o mercado no seu lugar, e não em todo lugar: uma economia com mercado, mas não de mercado.
Os serviços públicos, o setor da economia social e solidária, devem ser fortemente desenvolvidos e cobrir todas as necessidades essenciais das populações.



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