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ATIVISMO
Bernard Cassen, presidente do grupo antiglobalização, diz que, após Gênova, luta deve permanecer democrática
Para Attac, protesto não deve ser violento
ALCINO LEITE NETO
DE PARIS
Os grupos antiglobalização não
devem, mesmo depois dos acontecimentos em Gênova, rever sua
prática não-violenta de protesto,
na opinião do jornalista francês
Bernard Cassen, presidente da
Attac, uma das associações mais
fortes e bem estruturadas contra a
mundialização neoliberal.
Para ele, os ativistas precisam
persistir na forma de luta democrática, não importa quais sejam
as dificuldades.
"É preciso impor a democracia
aos governos", afirma na entrevista abaixo.
O assassinato de um dos manifestantes pela polícia italiana, bem
como a sua agressividade, dividiu
em duas a história do movimento
antiglobalização: antes e depois
de Gênova.
Na primeira parte dessa história, os grupos protestam contra a
violência econômica. Na segunda,
têm de encarar de frente a violência física e a tragédia.
Desde julho, quando ocorreram
os protestos na Itália, as discussões internas dos grupos, majoritariamente não-violentos, passam
necessariamente pela questão da
violência.
"Não precisamos assimilar violência e radicalidade", afirma Cassen, 63. "A radicalidade está no
conteúdo das reivindicações e na
sua força de conquistar adesões e
não no número de carros queimados ou de vitrines quebradas."
A declaração repete um comunicado interno da Attac que ele
redigiu após os acontecimentos
de Gênova.
O grupo Attac existe desde 1998
e surgiu de uma iniciativa do jornal "Le Monde Diplomatique",
um dos mais engajados na crítica
à globalização.
Entre os seus membros-fundadores, estão a economista Viviane
Forrester, autora de "O Horror
Econômico" (editora Unesp), e o
compositor Manu Chao.
A plataforma política do grupo
é também uma das mais sólidas
na mixórdia de reivindicações
dos antiglobalizantes.
A Attac já traz no próprio nome
a sua proposta: Associação para
uma Taxação de Transações Financeiras de Ajuda aos Cidadãos.
O foco de sua luta é a defesa de um
imposto mundial sobre a circulação de capitais (leia mais no texto
abaixo).
Cassen, que é também diretor-geral do "Le Monde Diplomatique", já esteve várias vezes no
Brasil, inclusive para o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em
janeiro. Quando ocorreu a tragédia de Gênova, ele estava lá.
"Nunca vi uma tal mobilização
de jovens contra a mundialização
liberal. Também nunca vi uma tal
violência num país democrático",
contou à Folha.
Folha - Em que os acontecimentos violentos de Gênova mudaram
o pensamento e a prática política
do grupo Attac?
Bernard Cassen - Como escrevi
num comunicado interno da Attac, quando se fala em "violência",
pensa-se apenas nas manifestações, e ocorre aí efetivamente
uma enorme aposta midiática:
nós podemos a cada vez, segundo
a habilidade ou inabilidade dos
governos, ganhar ou perder a partida na opinião pública.
Manifestações como a de Gênova não ocorrem mais que meia
dúzia de vezes por ano no mundo,
mas constituem o coração de nossa atividade.
Nós estaremos numa posição
cada vez mais forte -e nossos adversários, cada vez mais na defensiva- se conseguirmos, agora sobretudo, criar uma corrente de
opinião favorável às nossas idéias.
É, portanto, esse trabalho de
fundo, de educação popular, que
constitui nossa prioridade absoluta.
Além disso, não precisamos assimilar violência e radicalidade: a
radicalidade se situa no conteúdo
das reivindicações e na sua força
de conquistar adesões, e não no
número de carros queimados ou
de vitrines quebradas.
Apesar e por causa de tudo isso,
penso que devemos adotar uma
atitude que não seja defensiva,
mas intelectual e politicamente
ofensiva sobre a questão da violência. Devemos examiná-la numa perspectiva histórica e nas
suas dimensões social, política,
psicológica e mesmo teológica. Isso nos permitirá mostrar que nós
afrontamos o problema e que não
o reduzimos aos clichês da mídia.
Folha - O jornal "Le Monde Diplomatique" escreveu que, após Gênova, "numerosos representantes
de ONGs admitem ter perdido sua
"virgindade democrática", quer dizer, sua crença na possibilidade de
lutar democraticamente em países
democráticos". Qual seria a luta a
ser realizada a partir de agora, se
não se tem a possibilidade de lutar
democraticamente?
Cassen - Nós não podemos renunciar à luta democrática, não
importa quais sejam as dificuldades. É preciso impor a democracia aos governos.
Folha - Mas o sr. acha que, após a
violência policial em Gênova, os
grupos antiglobalização não irão
reconsiderar suas práticas não-violentas de luta?
Cassen - Não acho.
Folha - O sr. acredita que os grupos anarquistas podem pôr em
causa a legimitidade de outros grupos, não-anarquistas? Ou o anarquismo é a expressão mesma da
forma de ação política dos grupos
antiglobalização em geral?
Cassen - Não, o anarquismo é
muito minoritário, e a imensa
maioria dos oponentes à mundialização liberal não se reconhece
nos seus métodos.
Nós privilegiamos a luta não-violenta e de massa.
Folha - A organização dessa multiplicidade de grupos acontecerá
algum dia?
Cassen - O movimento antimundialização é diverso, multiforme. Ele não tem necessidade
de se dotar de uma organização
burocrática. Basta que as reivindicações de uns e outros sejam convergentes. Um dos objetivos do
Fórum Social Mundial de Porto
Alegre é favorecer essa convergência de propostas.
Folha - O sr. acredita que seria
preciso sair do capitalismo para alcançar um mundo mais justo e
igualitário?
Cassen - Sim, ou, antes, seria
preciso colocar o mercado no seu
lugar, e não em todo lugar: uma
economia com mercado, mas não
de mercado.
Os serviços públicos, o setor da
economia social e solidária, devem ser fortemente desenvolvidos e cobrir todas as necessidades
essenciais das populações.
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