São Paulo, quarta-feira, 19 de agosto de 2009

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Novo ataque do Taleban mata oito em Cabul

Afeganistão elege amanhã novo presidente; governo proíbe imprensa de noticiar eventuais atentados no dia do pleito

Impacto psicológico de ataques na capital, até então considerada tranquila, pode ser negativo para pretensões eleitorais do presidente


Kevin Frayer/Associated Press
Soldados britânicos colhem indícios nos destroços provocados por atentado a comboio da Otan da manhã de ontem em Cabul

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A CABUL

Com as atenções das forças que combatem o Taleban difusas, o grupo cumpriu a promessa de criar temor antes da eleição presidencial de amanhã e atacou ontem duas vezes o centro nervoso do Afeganistão: Cabul, a capital de 2,5 milhões de habitantes e até aqui considerada relativamente segura.
Até aqui. Após o atentado em frente à sede da Otan na cidade no sábado, que matou sete pessoas, o Taleban atacou com um carro-bomba um comboio da aliança militar ocidental ontem. Resultado: cinco civis afegãos, dois funcionários afegãos da ONU e um soldado ocidental mortos, além de 55 feridos, entre civis e soldados.
O ataque suicida ocorreu por volta das 14h locais (6h30 em Brasília) na movimentada Jalalabad Road, considerada a via mais perigosa de Cabul por ter diversas bases estrangeiras e sedes de organismos internacionais às suas margens. Além disso, é dela que sai a estrada que une a capital à maior base americana no país, no aeródromo de Bagram.
A Folha só conseguiu chegar ao local meia hora depois do ataque, quando a rua já estava desbloqueada. Doze veículos foram destruídos.
O ataque foi o segundo do dia. Mais cedo, por volta das 7h, dois foguetes, ou morteiros, foram lançados contra o palácio presidencial de Hamid Karzai, no centro da cidade.
Um dos explosivos atingiu a área interna do complexo. Karzai nada sofreu, mas um funcionário foi ferido levemente. O outro caiu perto de um prédio da Chefatura de Polícia de Cabul.
Segundo a polícia local, os dois disparos partiram da montanha Ko-i-Sherdarwaza, no sul da cidade. A elevação é famosa por abrigar a antiga muralha da cidade, feita ao estilo da chinesa, e a cidadela de Bala Hissar. Infelizmente, as magníficas obras do século 5º não são acessíveis a turistas ou repórteres. À moda das favelas cariocas, há várias casas nas encostas dos morros de Cabul, e Ko-i-Sherdarwaza não é exceção.
Os membros do Taleban, que confirmou a autoria dos ataques de ontem, atiraram provavelmente de alguma dessas construções e depois se esconderam em outras, até acharem uma trilha para fugir. A polícia, como muitas vezes no Rio, evita subir nesses morros. Proibiu a reportagem de seguir para tentar falar com moradores.

Censura
As limitações aos trabalhos da imprensa foram levadas ao paroxismo ontem pelo governo afegão. O Ministério do Interior proibiu que a mídia local transmita notícias sobre atos de violência durante todo o dia de amanhã. A justificativa: não afastar eleitores das urnas.
As regras do Comitê Independente Eleitoral já falam sobre evitar a divulgação de atos que "pudessem influenciar o rumo do processo de votação", mas não eram tão precisas. A proibição em tese vale também para a mídia estrangeira, mas é de se perguntar como ela será imposta efetivamente -não há punições previstas.
Além disso, o Ministério do Interior determinou um veto a jornalistas em locais em que tenha ocorrido um atentado. Novamente, o regulamento parece natimorto, já que, em casos como a explosão de ontem, havia repórteres locais e estrangeiros perto do local do evento.
As medidas somente mostram a "fraqueza do governo", nas palavras ditas à agência Reuters por Rahimullah Samander, diretor da Associação de Jornalistas Independentes do Afeganistão.
Com ou sem cobertura de imprensa, o foco do Taleban parece ser Cabul. Na semana passada, o general paquistanês que é considerado o mentor intelectual do grupo havia dito à Folha que os insurgentes haviam criado diversionismos para as forças ocidentais ao forçar uma ofensiva com 13 mil homens na região de Helmand (sul). Há 100 mil soldados dos EUA e de outros países da Otan no Afeganistão.
Para o general Hamid Gul, isso faria a defesa de Cabul ser mais frágil justamente quando a eleição chegasse. Ele parece estar certo, embora ontem o Ministério da Defesa tenha afirmado que tudo o que é possível está sendo feito para garantir a segurança da capital.
Só que o "alerta vermelho" atual pode não ter evitado que militantes do Taleban entrassem na cidade no último mês. Ontem, um oficial de inteligência falou a jornalistas que há até 60 ataques sendo investigados.
Os atentados em Cabul são mais um obstáculo à pretensão de Karzai de se reeleger já no primeiro turno. O presidente chega às eleições de amanhã como favorito, segundo as pesquisas disponíveis, mas tem pouco menos que os 50% mais um necessários para evitar um segundo turno contra o médico Abdullah Abdullah.
Ainda não se sabe o impacto psicológico da violência recente em Cabul sobre os eleitores. Ontem duas famílias com quem a Folha teve contato deixaram a capital rumo ao norte, dizendo que só voltariam após a eleição -o voto no Afeganistão é facultativo.


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