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Ramos do cristianismo divididos há mais de quatro séculos assinam no
mês que vem um documento que encerra a divergência sobre a salvação
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Católicos e luteranos se reconviliam
ARMANDO ANTENORE
da Reportagem Local
Em outubro, depois de quatro
séculos de separação e de 32 anos
de conversações, católicos e luteranos assinam, na Alemanha,
acordo que estabelece um consenso sobre a principal questão
teológica que os afastou.
O documento conjunto vai explicar de que modo as duas denominações encaram hoje a salvação -o instante em que, após a
morte, os cristãos se libertariam
de todos os pecados e se encontrariam com Deus na eternidade.
Quando se rebelou contra o papa Leão 10º, o monge agostiniano
Martinho Lutero (1483-1546) produziu 95 teses que tratavam do tema e as tornou públicas. O gesto
desencadeou o movimento da
Reforma, que deu origem às igrejas protestantes.
À época, católicos defendiam
que, para atingir a salvação, os
fiéis deveriam praticar boas
obras. Ou melhor: entregar-se às
ações solidárias e respeitar um
sem-número de ritos (orações,
donativos, peregrinações, jejum,
adoração de relíquias etc).
A salvação dependeria do mérito de cada cristão. Quem fizesse
mais obras "somaria mais pontos" no céu.
Tal doutrina acabou gerando
uma série de abusos, como a venda de indulgências. Em troca de
recursos para a reconstrução da
basílica de São Pedro (Roma), o
papa Leão 10º oferecia a remissão
total ou parcial das penas que o
doador do dinheiro iria sofrer, na
Terra ou no purgatório, por ter
cometido pecados.
As 95 teses questionavam as
vendas, lançando mão de palavreado firme e direto, o que as tornava bastante compreensíveis pelos leigos. Lutero as afixou, em
1517, diante da igreja do castelo de
Wittenberg (Alemanha).
Daqueles escritos brotava uma
nova doutrina: a de que a salvação
(ou a "justificação") deriva da
graça divina e não das obras humanas. Para o monge alemão,
Deus se revelava muitíssimo generoso. Salvava os fiéis gratuitamente e por amor, sem exigir nenhuma contrapartida.
Os cristãos que desejassem alcançar o perdão dos pecados e se
"justificar" necessitavam somente da fé. Suas obras não influenciariam Deus nem o coagiriam.
O monge costumava contar que
formulou a doutrina com base na
carta de são Paulo aos romanos.
Uma frase do texto bíblico lhe
chamava especialmente a atenção: "o justo viverá pela fé".
Em janeiro de 1521, Leão 10º excomungou Lutero. No decorrer
dos séculos, as duas igrejas trocaram violentas acusações. Católicos taxavam os luteranos de
omissos. Diziam que se mostravam passivos diante do sofrimento alheio por não acreditarem nas
boas ações. Luteranos, em resposta, insistiam que os católicos duvidavam da graça de Deus, porque
impunham condições humanas
para a salvação.
Foi há menos de quatro décadas
que as distâncias começaram a diminuir. Em 1967, criou-se a Comissão Mista Internacional Católico-Luterana, que desde então se
reúne periodicamente para analisar pendências teológicas.
Há dois anos, o grupo finalizou
a declaração que deverá ser assinada agora. Trata-se do primeiro
documento, entre os muitos produzidos pela comissão, que receberá o aval de representantes do
Vaticano e da Federação Luterana
Mundial (FLM) -a entidade que
congrega 95% dos 61 milhões de
luteranos.
Com o acordo, ambas as partes
passam a professar que:
- A salvação decorre da graça
de Deus e não das boas obras.
- Só se chega à salvação pela fé.
- Embora não levem à salvação, as boas obras são consequência natural da fé. Em outras palavras, o verdadeiro cristão faz boas
obras não para se salvar, mas como um testemunho de fé.
Pelo menos de imediato, o consenso teórico não mudará nada
na organização e na liturgia das
duas igrejas, que permanecerão
separadas.
A assinatura ocorrerá no dia 31
de outubro, data em que Lutero
divulgou as 95 teses. A cidade de
Augsburgo, onde o monge sofreu
um interrogatório por ordem do
papa, sediará a cerimônia.
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