São Paulo, Domingo, 19 de Setembro de 1999
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FORÇA INTERNACIONAL
País vai liderar missão, e população discute se está preparada para enfrentar as baixas
Austrália teme "Vietnã" em Timor

RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha

Os australianos e os neozelandeses receiam que a participação na força multinacional de paz em Timor Leste possa se converter em um "novo Vietnã".
E não se trata de mera retórica: os dois países, de colonização britânica, foram os únicos aliados não-asiáticos que enviaram tropas de combate para auxiliar os EUA durante sua longa intervenção na Indochina, dos primeiros anos da década de 60 até 1975.
O próprio comandante da força multinacional, o general australiano Peter Cosgrove, é um veterano da Guerra do Vietnã, onde chegou a ser condecorado.
Cosgrove afirmou à imprensa australiana que deverão ser necessários vários meses para que a força multinacional de paz consiga pacificar a ex-colônia portuguesa. A força, liderada pela Austrália, é qualificada pela ONU como de "peace enforcement" (imposição da paz, em português).
Depois que a violência tiver sido controlada, a responsabilidade pela segurança em Timor Leste será transferida para uma força de "peace keeping" (manutenção da paz), a cargo das Nações Unidas.
"Estaremos prontos para mortes?", era o título de uma reportagem do jornal "The Australian" publicada na última quinta-feira.
Outro veterano da guerra na Indochina, o general Peter Phillips, afirmou: "Nós estamos lidando, em Timor Leste, com uma causa tão nobre que eu não acredito que as pessoas terão dificuldades em aceitar baixas".
"Foi apenas quando a Guerra do Vietnã se arrastou e se tornou politicamente impopular que começaram as preocupações com o número de mortos", diz.
Já o congressista do Partido Trabalhista australiano Graham Edwards, que perdeu as duas pernas no Vietnã, acha que os australianos não estão preparados para aceitar mortes. "Alguns dos nossos morrerão. Não acredito que os australianos entendam isso plenamente", diz.
Em 1962, já havia assessores militares australianos no Vietnã. Em 65, chegaram as primeiras forças de combate, que atingiram 8.000 homens em outubro de 67 (comparados com os cerca de 500 mil norte-americanos no auge da intervenção, em 68).
O mesmo debate acontece na Nova Zelândia, que também participará da força multinacional.
Passaram pelo Vietnã um total de 3.890 soldados neozelandeses (embora nunca houvesse mais de 550 de cada vez).
"O público está sendo alertado para se preparar para baixas, pois mais de 400 homens da Nova Zelândia estarão diante de possíveis combates neste final de semana em Timor Leste", dizia ontem o "The New Zealand Herald".
O jornal alertava para o risco de isolamento diplomático do país nessa que parece ser uma "guerra do homem branco". É por isso que o comando da força multinacional está fazendo questão de colocar em terra o mais rápido possível tropas de países asiáticos como Tailândia e Malásia.
É também por isso que, na primeira leva, deverão estar os gurkhas -soldados nepaleses que integram o Exército britânico. O primeiro grupo a chegar a Timor Leste deverá incluir 2.500 soldados de diversos países.
Uma diferença importante entre a participação australiana no Vietnã e em Timor Leste é a composição da tropa. Para o Vietnã, chegaram a ser enviados conscritos. Em Timor Leste, todas as tropas serão voluntárias.
As tropas australianas também são constituídas por pessoal acostumado, ou pelo menos aclimatado durante semanas, ao clima tropical do norte do país.
Para transportar as tropas, a Austrália alugou um avião de carga soviético Antonov 124.
A proximidade com Timor Leste também torna possível o rápido suprimento e desembarque detropas por via marítima.
A Marinha australiana enviou para Darwin, cidade no norte da Austrália onde estão concentradas as tropas, o navio de desembarque anfíbio HMAS Tobruk, capaz de levar equipamento pesado, como os carros blindados LAV.
As tropas podem chegar a Dili (capital de Timor Leste) também por meio de aviões de transporte Hercules C-130 e pelo catamarã (navio com dois cascos) HMAS Jervis Bay.


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