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IRAQUE SOB TUTELA
Modalidade de crime provoca fuga da classe média do país e mistura motivos políticos com simples extorsão
Pandêmico, seqüestro atinge todo o Iraque
DAVID GARDNER
DO "FINANCIAL TIMES"
Ninguém está seguro. Absolutamente ninguém. É essa a mensagem por trás da pandemia dos seqüestros no Iraque, e sua eficiência é inegável.
O seqüestro de dois norte-americanos e um britânico capturados em um rico bairro à beira-rio
em Bagdá, na semana passada, e o
recente seqüestro de duas trabalhadoras italianas de uma organização assistencial talvez não tenham conexão intrínseca. Mas
são parte de um padrão emergente sob o qual os objetivos políticos
se sobrepõem e se misturam à extorsão financeira, e que causa
mais sofrimento aos iraquianos
do que aos estrangeiros no país.
No caso dos estrangeiros, parece fazer pouca diferença a posição
assumida por seus países de origem no debate sobre a guerra, a
presença ou não de tropas enviadas por seus governos em solo
iraquiano ou sua presença no país
como mercenários ou missionários, trabalhadores da construção
ou repórteres. Franceses são seqüestrados da mesma forma que
italianos, russos e canadenses.
Turquia, Irã, Egito e Líbano se
opuseram à guerra, mas isso não
protegeu seus cidadãos (em sua
maioria muçulmanos) contra seqüestros, e o Japão, a Coréia do
Sul e as Filipinas, aliados dos
EUA, tampouco se viram poupados. O Nepal, cuja única participação em toda a encrenca é a presença de 15 mil trabalhadores no
Iraque, enfrentou o horror de ver
12 de seus cidadãos assassinados
pelos seqüestradores.
"É doloroso que os seqüestradores não diferenciem entre os irmãos e amigos e os inimigos",
disse Jean Obeid, chanceler libanês, depois de uma tentativa frustrada de seqüestro que causou a
morte de três cidadãos libaneses
no Iraque, uma semana atrás.
No entanto, desde a queda de
Bagdá, 18 meses atrás, os iraquianos é que vêm sofrendo mais.
Com o colapso do Estado iraquiano, o triunfo do banditismo e a
derrota da lei, fenômeno que antecede a ascensão da resistência
aos ocupantes, raras são as famílias providas de meios financeiros, ainda que modestos, que não
tenham sofrido seqüestros ou pedidos de resgate. Talvez até mais
que os perigos da guerra em curso, o seqüestro é a principal causa
da fuga de iraquianos de classe
média para os países vizinhos, hemorragia que nenhum país que
precisa ser reconstruído praticamente do zero tem como aceitar.
Alguns dos seqüestradores são
claramente militantes islâmicos
sunitas, e suas demandas, em geral envolvendo retiradas de tropas, são apresentadas em comunicados.
A vingança sangrenta que eles
extraem é registrada em repulsivas gravações em vídeo ou transmitida pela internet. Há também
os membros do partido Baath, entre os quais antigos (e, de acordo
com alguns relatos, atuais) membros da polícia e das Forças Armadas. E não podemos esquecer
os simples malfeitores, que exploram a incapacidade norte-americana para controlar as estradas,
fronteiras e um número cada vez
maior de cidades de grande e pequeno porte no centro e no sul do
Iraque.
O objetivo político dos seqüestros é provocar uma série de retiradas das tropas aliadas, das empresas estrangeiras e dos profissionais iraquianos, para demonstrar que a ocupação é incapaz de
garantir a paz ou de conduzir a reconstrução. Os objetivos financeiros são igualmente diretos.
Da mesma forma que Washington imputa boa parte da culpa pela resistência a "combatentes estrangeiros" (a despeito de pouco
mais de duas dúzias destes terem
sido capturados em meio aos 43
mil prisioneiros detidos após a
queda de Bagdá), eles atribuem
parte exagerada da responsabilidade pelos seqüestros a indivíduos fáceis de demonizar, como
Abu Musab al Zarqawi.
Zarqawi, wahhabita jordaniano
cujos objetivos incluem uma
guerra de extermínio contra a
maioria xiita no Iraque, parece ter
decapitado pessoalmente o americano Nick Berg, em maio. Por
mais repulsivos que sejam esse ritual, o ato e Zarqawi, na realidade
não são mais que uma fração do
problema.
Isso acontece, entre outros fatores, porque o caos reinante entre
as facções e a ausência da lei geram múltiplas conexões, ainda
que pouco visíveis, entre os aspectos políticos e financeiros dos seqüestros, criando um mercado no
qual reféns capturados por dinheiro são revendidos a grupos
políticos e religiosos. Essa parece
ser a direção que os seqüestros no
Iraque vem tomando, e a tendência é profundamente sinistra.
Os franceses parecem preparados para pagar pela libertação dos
seqüestrados e lançaram uma
ofensiva diplomática, atraindo
apoio de capitais árabes e ocidentais, grupos e figuras militantes
como o Hamas e Moqtada al Sadr,
além de religiosos muçulmanos
tradicionalistas.
O pagamento de resgates estimula os seqüestros, enquanto a
diplomacia conduzida em grande
escala amplifica a importância
dos seqüestradores e faz com que
multipliquem suas demandas. Há
um debate cada vez mais intenso
sobre as organizações noticiosas
quanto à possibilidade de que a
publicidade esteja exacerbando o
problema dos seqüestros. Mas as
fatwas, éditos religiosos, têm poder no mundo muçulmano.
Não existem boas opções ou soluções fáceis para a praga dos seqüestros, da mesma forma que
não as há para o caos do Iraque no
pós-guerra. Mas a capacidade da
França para mobilizar a opinião
árabe e muçulmana, bem como o
debate sobre o grau de divulgação
que deve ser dado aos seqüestros,
são indícios sugestivos.
Caso as autoridades religiosas
do Iraque e da região promulguem fatwas proibindo os seqüestros, disse um empreiteiro que
abandonou o trabalho no Iraque
depois de pagar o resgate de dois
motoristas, muitos empresários
retornarão. Mais fatwas e menos
manchetes não parecem ser causa
de grande esperança, mas não há
outras alternativas funcionais à
disposição, no momento.
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