São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2004

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AMÉRICAS

Novo secretário-geral, o costarriquenho Miguel Angel Rodríguez quer acabar com a imagem de irrelevante do órgão

OEA faz cortes e busca estrutura "realista"

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

Em uma cidade obcecada com a pontualidade como Washington, a OEA (Organização dos Estados Americanos) tem fama de viver em um fuso horário diferente e de habitar uma espécie de ""túnel do tempo" na eficiente capital norte-americana.
Com reuniões gerais difíceis de começar na hora marcada e com uma estrutura inchada, a OEA foi sacudida na semana passada com a posse de seu novo secretário-geral, o costarriquenho Miguel Angel Rodríguez, 64.
Ex-presidente ""pró-mercado" da Costa Rica entre 1998 e 2002, Rodríguez assumiu a OEA na quarta-feira. No mesmo dia, demitiu 13 de seus 26 diretores e cortou salários individuais da diretoria em até US$ 40 mil ao ano.
Como exemplo, o novo secretário-geral também reduziu seus próprios vencimentos em 10%.
"Pode estar certo que, em todas as reuniões que eu estiver presente, serei sempre pontual", afirmou Rodríguez em entrevista à Folha na sexta-feira.
"Aproveitei a renúncia de praxe do pessoal de confiança no início de cada nova administração para criar uma estrutura mais simples e organizada", afirma.

Déficits
A medida radical tem o objetivo de tirar a OEA de uma crise financeira que projeta um déficit de US$ 1 milhão neste ano e de US$ 5 milhões em 2005. As decisões da semana passada visam uma economia de US$ 2,3 milhões ao ano.
Dona de um orçamento anual ao redor de US$ 100 milhões, a OEA vinha gastando quase 70% desse valor com seus cerca de 600 funcionários em suas três representações em Washington e nos 34 países americanos em que se faz representar.
Com um sistema de reajuste salarial regular que segue o mesmo padrão da ONU, a OEA chegou a uma situação de ter de tomar dinheiro a juros em banco para cobrir os salários de seus funcionários. A mesma necessidade já levou o órgão a hipotecar um dos seus três prédios em Washington.
Ao contrário dos salários, a contribuição anual de cada país para financiar a organização tem se mantido estagnada nos últimos anos. No total, os EUA são o maior contribuinte, com 40%, seguidos pelo Canadá (10%) e pelo Brasil (5%). "O objetivo agora é montar uma estrutura mais realista, pragmática e prática", ambiciona o costarriquenho.
As demissões levaram à criação de quatro grandes áreas dentro da organização, duas delas destinadas a cuidar de um tema crônico na América Latina: a consolidação de democracias que não trazem benefícios econômicos a seus participantes.
"Vivemos um período de desencanto com a democracia. Temos melhores políticas econômicas, mas sem os níveis de crescimento e de redução de pobreza que esperávamos", diz.
Nesse contexto, Rodríguez afirma que o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, representa um "modelo extraordinário" para toda a região.
"Lula demonstra que é possível ter uma posição de solidariedade com os mais oprimidos e, ao mesmo tempo, manter uma grande responsabilidade fiscal e políticas econômicas que não descambem para o populismo."
Rodríguez estará com Lula amanhã na sede da ONU, em Nova York, para um encontro entre os dirigentes de 56 países que debaterão o combate à fome e à pobreza mundial.
Outro dos objetivos da nova administração da OEA é unificar programas e suas nomenclaturas para tentar apagar o estigma de que o órgão é pouco atuante ou efetivo em seus programas.
Segundo Rodríguez, muitas das iniciativas bancadas pelo órgão hoje têm nomes e siglas que não remetem à organização -o que deve ser mudado.
A meta principal, porém, continuará sendo o saneamento financeiro. Com gastos fixos altos, tem sido difícil aplicar os recursos do órgão em suas prioridades.
Há alguns meses, por exemplo, quando precisou estabelecer uma missão para acompanhar o referendo eleitoral na Venezuela, a OEA necessitou de ajuda financeira extra do Brasil e do Japão, país-observador do organismo.
Na época, o Canadá também se comprometeu a ajudar a bancar o plebiscito, que confirmou o presidente Hugo Chávez no poder. Mas, até agora, os canadenses não entregaram o prometido.
No final de agosto, ainda sob o comando do ex-secretário-geral César Gaviria, a OEA realizou uma reunião para avaliar o resultado do trabalho na Venezuela.
O evento ocorreu em seu edifício principal, uma construção clássica com um imenso átrio repleto de plantas e cores tropicais no centro de Washington.
O encontro, antecedido por calorosas conversas e abraços entre latino-americanos presentes, começou com 45 minutos de atraso.


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