São Paulo, quarta-feira, 19 de outubro de 2005

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IRAQUE SOB TUTELA

Ex-ditador é acusado da morte de 143 xiitas e pode ser levado à forca; defesa quer adiamento do processo

Sob críticas, começa julgamento de Saddam

DA REDAÇÃO

Quase 23 meses após ser encontrado em um buraco no povoado de Ad Dawr, nas cercanias de Tikrit, onde foi criado, Saddam Hussein, o ditador que governou o Iraque de 1979 a 2003, vai hoje a julgamento. Dentre as muitas acusações que pesam contra ele, foi escolhida para o primeiro procedimento (do que pode vir a ser uma série) a mais simples de levantar provas: a execução de 143 xiitas no vilarejo de Dujail, norte do país, em 1982. A pena máxima prevista é o enforcamento.
De hoje até o eventual cadafalso, no entanto, é possível se desenrolar uma novela. Para começar, o principal advogado de Saddam, Khalil al Dulaimi, anunciou ontem que pediria um adiamento de três meses no processo. Motivo: a defesa não teve tempo e acesso suficientes para examinar as pilhas de documentos sobre o caso.
Segundo envolvidos no julgamento, a corte deve conceder o adiamento, ainda que por um período menor do que o solicitado.
"Vamos alegar que é inconstitucional levar a julgamento o presidente legítimo do Iraque", declarou Al Dulaimi. "Saddam Hussein é o presidente legítimo, e a corte é ilegítima, pois a invasão norte-americana é ilegal, e tudo que foi construído a partir dela é tão ilegal quanto ela."
Embora a existência do tribunal -criado especialmente para julgar os crimes referentes ao regime do ex-ditador e de seu partido Baath- tenha sido chancelada pela Assembléia Nacional iraquiana, ele foi criado pela autoridade provisória dos EUA, com dinheiro vindo principalmente de Washington, e teve seus cinco juízes treinados pelos americanos.
Outro ponto contestado é se o fato de Saddam ser julgado por iraquianos que viveram seu sangrento regime lhe daria a chance de um julgamento imparcial.
No último domingo, a organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch emitiu um documento que critica duramente o tribunal. Entre outras coisas, observa que não há necessidade de que o ex-ditador seja "comprovadamente culpado, além de dúvidas razoáveis", alega que as disputas entre as facções políticas iraquianas pelo controle do tribunal prejudicaram seu equilíbrio e cita a impossibilidade de o ex-ditador, se condenado à morte, ter a pena comutada.
Para os críticos, Saddam deveria ser julgado em uma corte internacional, como o ex-ditador iugoslavo Slobodan Milosevic.
Mas o premiê Ibrahim al Jaafari afirma que o tribunal iraquiano é justo e que o ex-ditador é culpado. "Não acho que haja crimes mais evidentes no mundo do que os cometidos por Saddam", disse. Cinco parentes do xiita Al Jaafari foram executados durante o regime do ex-ditador. Já a Casa Branca, pelo porta voz Scott McClellan, declarou que "decidir como punir Saddam Hussein por seu crimes contra a humanidade e as brutalidades contra os iraquianos" depende da população local.
Não está certo ainda que o julgamento será televisionado, como aventado na semana passada.
Além de Saddam, sete de seus ex-assessores, incluindo o ex-vice Taha Yassin Ramadan, vão a julgamento. Segundo a acusação, eles são responsáveis pela morte de 143 xiitas e pelo seqüestro e pela destruição das propriedades de outras 399 famílias do povoado de Dujail, onde Saddam sofreu uma tentativa de assassinato em 1982.
Se condenado à morte, Saddam pode apelar. Mas, uma vez emitida a decisão final, deve ser executado em até 30 dias. Caso não receba a pena máxima, o ex-ditador deve passar por novos julgamentos referentes a outros crimes, entre eles o massacre de cerca de 180 mil curdos na campanha de Anfal (1987-88) e acusações ligadas à guerra com o Irã (1980-88).
Al Dulaimi, que se reuniu ontem por 90 minutos com Saddam, disse que ele está com "o moral alto" e "confia em sua inocência".


Com agências internacionais

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