São Paulo, terça-feira, 19 de dezembro de 2006

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Mais tropas só fortalecerão extremistas, diz Rumsfeld

Kevin Lamarque/Reuters
Ao lado de Bush, Robert Gates presta juramento como novo secretário da Defesa; para ele, "fracasso no Iraque colocaria os americanos em perigo por décadas"

CAL THOMAS
TRIBUNE MEDIA SERVICES INC.

Em sua última entrevista como chefe do Pentágono, no último dia 7, Donald Rumsfeld rejeitou o termo "guerra ao terror" e comparou o "conflito prolongado" com "um perigoso grupo de extremistas" à Guerra Fria. Ele afirmou que os americanos devem persistir no Iraque e não "entregá-lo" aos terroristas, porque eles usarão o país como plataforma para ataques aos EUA. Abaixo, os principais trechos da entrevista.  

CAL THOMAS - O sr. já leu o relatório do Grupo de Estudos do Iraque (ISG)? DONALD RUMSFELD - Não. Já folheei o resumo executivo.

THOMAS - Pelo que o sr. leu, o que há de bom, de ruim e de absurdo no relatório? RUMSFELD - Tudo o que vou dizer sobre isso é o que o presidente falou. Ele cooperou com o grupo, reuniu-se com ele e recebeu suas recomendações. Ele vai fazer algumas avaliações no futuro imediato. Devido à natureza do conflito e do fato de ele não ser bem compreendido pela população americana, o presidente tem a tarefa de manter apoio suficiente para coisas que ele acredita serem necessárias para a segurança de nosso país. Ele precisa levar em conta a realidade de que apenas se perseverarmos teremos a oportunidade de chegar ao sucesso. As consequências do fracasso são tão graves para o país que ele precisa reconhecer o centro de gravidade deste conflito, que, embora em certo sentido se situe no Oriente Médio, também está localizado aqui, nos Estados Unidos da América. Acredito que as conseqüências de permitir que a situação no Iraque seja entregue aos terroristas seriam muito graves, não apenas devido ao petróleo, aos recursos hídricos, à riqueza e à posição geográfica do Iraque, mas também porque o Iraque se transformaria em porto seguro a partir do qual planejar ataques contra os países moderados da região e os EUA. Isso reduziria a capacidade dos EUA de garantir proteção ao povo americano.

THOMAS - Robert Gates, em sua audiência de confirmação no cargo, respondeu à pergunta "Estamos ganhando no Iraque?" com um "não". Depois, disse: "Tampouco estamos perdendo". Essa pergunta parece enquadrar-se no padrão que alimenta a síndrome da retirada. RUMSFELD - Não assisti a seu depoimento, mas, se você pedir minha opinião, os militares não podem perder, mas eles não podem vencer sozinhos. A vitória requer soluções políticas. Deixe de lado a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais. Pense na Guerra Fria. Em qualquer momento dado durante a Guerra Fria, que durou 50 anos, não se podia afirmar se estávamos ganhando ou perdendo. Não são caminhos retos e diretos. São estradas repletas de obstáculos. O inimigo faz ajustes constantemente. Pense nos rostos da Guerra Fria, quando o eurocomunismo estava em voga e as pessoas faziam manifestações aos milhões, não contra a União Soviética, mas contra os EUA. No entanto, com o passar do tempo, tanto os partidos políticos quanto os países da Europa Ocidental encontraram a disposição necessária para persistir num caminho que conduziu à vitória. As circunstâncias atuais são mais parecidas com isso do que com as da 2ª Guerra Mundial. Não é uma perspectiva animadora. Há pessoas no mundo que estão determinadas a desestabilizar os regimes muçulmanos modernos e recriar um califado em todo o planeta. Elas são letais. Elas não vão se render. Elas terão que ser capturadas ou mortas. Elas terão que ser dissuadidas, as pessoas terão que ser dissuadidas de lhes dar apoio, de financiá-las, de lhes oferecer abrigo. Vivemos num ambiente em que precisamos travar e vencer uma guerra na qual o inimigo se encontra em países com os quais não estamos em guerra.

THOMAS - Com tudo o que o sr. sabe hoje, o que o sr. poderia ter feito de maneira diferente no Iraque? RUMSFELD - Acho que eu não teria chamado a guerra de guerra contra o terror. É certo que eu mesmo já empreguei essa frase com freqüência. Por que estou dizendo isso? Porque a palavra "guerra" traz à mente muito mais a 2ª Guerra Mundial do que a Guerra Fria. Ela cria um nível de expectativa de uma vitória e de um final que aconteça dentro dos 30 ou 60 minutos de duração de uma telenovela. As coisas não vão acontecer assim. Ademais, não se trata de uma "guerra contra o terror". O terror é a arma escolhida por extremistas que procuram desestabilizar regimes, e, por meio de um pequeno grupo de clérigos, impor sua visão a todas as pessoas que puderem controlar. É uma guerra prolongada, ou uma luta, ou um conflito, não contra o terrorismo, mas contra um número relativamente pequeno de extremistas perigosos e violentos. As pessoas que defendem o envio de mais tropas [para o Iraque] muitas vezes estão pensando na 2ª Guerra Mundial. O problema é que, no contexto de uma luta contra extremistas, quanto maior a sua presença, mais ela parece comprovar as mentiras dos extremistas de que você está ali para tomar o petróleo deles, para ocupar seu país, para permanecer. Quanto mais tropas você tem, maior será o risco de que seja visto como ocupante. Quanto mais tropas você tem -especialmente tropas americanas, que são tão ótimas no que fazem-, mais elas farão coisas, mais dependentes os iraquianos se tornarão. Por um lado, você não quer alimentar a insurgência; por outro, não quer criar dependência. Ao mesmo tempo, você tem um problema aqui em casa. Quanto mais tropas você mantém lá, mais pessoas são mortas, maior é o número de alvos.

THOMAS - Qual é seu maior motivo de orgulho nesse seu mais recente serviço prestado em Washington? RUMSFELD - Tivemos várias conquistas. Enfrentamos riscos futuros de coisas como ciber-ataques. Dado nosso modo de vida livre, enfrentamos riscos de artefatos químicos, biológicos e também nucleares.

THOMAS - Qual foi a maior decepção? RUMSFELD - É a incapacidade de ajudar as pessoas livres do mundo a compreender que este novo século e o conflito no qual estamos engajados são reais, são terrivelmente perigosos para a sua segurança e, infelizmente, não podem ser vistos facilmente em termos de batalhas claramente definidas.

THOMAS - Será preciso outro 11 de Setembro para o povo acordar? RUMSFELD - Existem pessoas que escreveram que esta administração é vítima de seu próprio sucesso, devido ao fato de que não houve outro ataque no interior dos EUA. A frase de [Winston] Churchill sobre a tempestade que se formava -havia uma tempestade se formando, mas havia pessoas na Europa que não acreditavam nisso. Achavam que tudo era transitório, e, é claro, pagaram um preço enorme em tesouro e em vidas por sua falha em compreender a natureza da ameaça. Temo que estejamos no meio de uma tempestade em formação e que, como sociedade, não queiramos enfrentar esse fato. Muitas das elites de nossa sociedade, os líderes formadores de opinião, não se dispõem ou não conseguem aceitar o que muita gente acredita ser a verdade. O preço a ser pago por um engano desse tipo pode ser tremendo.


Tradução de CLARA ALLAIN


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