São Paulo, terça-feira, 20 de janeiro de 2004

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ARTIGO

O estado do discurso

WILLIAM SAFIRE
DO "NEW YORK TIMES"

O grande evento desta semana da campanha presidencial é o discurso que o presidente George W. Bush fará sobre o Estado da União. Seguem 12 pontos que merecem ser observados.
1. Saudações: "Meus compatriotas" foi a fórmula usada por dois séculos; hoje, é sexista. "Colegas americanos" funciona melhor.
2. Adjetivo definidor: o Estado da União é ...o quê? "Forte" é bem visto; JFK usava "bom"; Gerald Ford, em seu primeiro discurso, ousou qualificá-lo de ""não bom". Se Bush escolher um adjetivo novo, vai reverberar.
3. Aplausos interrompendo o discurso: o Congresso, em sessão conjunta, se dispõe a bater palmas a cada vez que o presidente muda a direção de seu olhar. Mas observe como os líderes democratas Tom Daschle e Nancy Pelosi farão questão de deixar as mãos bem paradas. Veja, também, as reações cuidadosamente moduladas dos pré-candidatos John Kerry, Joe Lieberman, John Edwards e Richard Gephardt, se é que terão tempo de comparecer.
4. Tema dominante: "Guerra ao Terror" já cansou, mas "Era da Liberdade" ainda não pegou por completo. "Sociedade de oportunidades" é demasiado voltado apenas à platéia nacional. Como o discurso tem de mencionar tantos assuntos diferentes, teremos sorte se for possível interligar os três pudins temáticos principais.
5. Apontar com orgulho: Bush deve primeiro nos assegurar de que estamos vivendo um novo boom econômico, depois atribuir a si mesmo o crédito por ele, mostrando como as reduções que promoveu nos impostos propiciaram a virada da recessão pós-bolha que ele herdou de "uma administração anterior", cujo nome ele nunca menciona.
6. Colocando panos quentes no abacaxi étnico que veio à tona na semana passada: Bush vai dar as boas-vindas aos 10 milhões de "ilegais" que hoje vivem nas sombras. Apesar de negar que se trate de uma anistia -palavra que, para os conservadores, tem aquele som incômodo de giz riscando uma lousa-, deverá repetir em tom dramático a oferta que fez aos hispânicos que trabalham duro e não têm documentos.
7. Para levar adiante o idealismo kennedyesco da inusitada prévia publicitária do discurso: salto direto da Lua para Marte.
8. Mais temas roubados da oposição: não basta que o Medicare (sistema de saúde) pague remédios para os idosos. A expectativa é que Bush proponha que as despesas com saúde possam ser deduzidas dos impostos de todos, menos os muito ricos.
9. Compaixão criativa: este pode ser o momento apropriado para entregar às pessoas um controle maior sobre seu próprio futuro, ampliando as poupanças com incentivos fiscais. Bush pode, ainda, moderar a idéia da emenda contra o casamento de homossexuais, oferecendo incentivos aos heterossexuais de baixa renda para que continuem casados.
10. Destaque de última hora ligado ao noticiário: algo de positivo relativo às reuniões de Paul Bremer com o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, mostrando que Bush encontrou um "papel vital" que a ONU deve exercer na construção do Iraque.
11. A justeza moral e o alcance histórico da combinação de defesa da pátria com ataque preventivo: a decisão de Bush de levar a guerra até o inimigo virou ponto central de sua Presidência; ele será obrigado, hoje, a reafirmar com eloqüência seus objetivos e sua intenção de "manter-se firme no rumo empreendido". Ao mesmo tempo, não deve hesitar em reconhecer o custo humano. Seria o caso de observar um momento de silêncio em homenagem às vítimas da coalizão e iraquianas.
12. Será que Bush vai evocar a bênção de Deus no meio do clima secular e político de hoje à noite? Pode contar com isso.


Tradução de Clara Allain


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