São Paulo, domingo, 20 de janeiro de 2008

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"Ele estará mais seguro no Quênia que em Washington"

Em vilarejo no interior do país em conflito, família africana do pré-candidato à Casa Branca se enche de esperança por sua vitória

Em visita da Folha, camponesa queniana Mama Sarah, 85, fala do neto Barack Obama

ANA FLOR
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE KOGELO (QUÊNIA)

No vilarejo de Nyangoma Kogelo, no oeste do Quênia, a principal tarefa das mulheres é buscar água. Elas acordam antes de o sol nascer e caminham de dois a cinco quilômetros para chegar ao rio, onde encherão quantos vasilhames de plástico conseguirem carregar de volta para casa. A água é para cozinhar, limpar, lavar roupas e dar de beber aos animais.
Nos últimos cinco anos, Mama Sarah Obama, 85, pôde aposentar-se da tarefa que ocupou boa parte de suas manhãs desde os oito anos de idade. Um poço d'água movido por uma bomba manual foi construído no seu quintal. A melhoria foi um presente do neto Barack Obama, pré-candidato democrata à Presidência dos EUA.
Exceto pela bomba d'água, que poupa Mama Sarah de pelo menos quatro horas de caminhada na parte mais refrescante do dia, Barack, como ela chama o neto, não trouxe muitas mudanças para a vida da família no Quênia. Ela continua na casa de alvenaria com cinco cômodos construída pelos filhos -uma das melhores do vilarejo- e segue a mesma rotina dos últimos 60 anos: acorda às 5h30, prepara chá e mandioca cozida para a primeira refeição do dia, organiza a casa e passa a se ocupar da colheita.
Nesta época do ano, Mama Sarah precisa organizar a colheita e o armazenamento do milho. Enquanto sobrinhos colhem as espigas, ela mesma se ocupa de guardar os grãos. Debulha manualmente o milho por horas e o coloca em sacas onde mistura cinzas, para que roedores não ataquem o estoque que vai durar um ano. Com o cereal, os quenianos preparam sua principal comida, ugali, uma purê seco que comem com couve e carne cozida.
Nas duas vezes em que recebeu o neto em Kogelo, Mama Sarah preparou ugali. "Ele sempre comeu o que a gente come. Comeu com vontade", diz ela, em luo, língua tribal da região. Por causa do neto, Mama Sarah aprendeu um pouco de inglês, o suficiente para entender algumas palavras. Por causa da avó, o senador aprendeu um pouco de suaíli. No pôster da campanha para o Senado que deu à avó, Obama escreveu "Mama Sarah, habari", palavra que significa "como está?".
Obama tem poucas lembranças do pai, também Barack Hussein Obama, um dos primeiros quenianos a receberem uma bolsa de estudos nos EUA, pouco antes da independência do país africano, em 1963. No Havaí, onde Obama pai fez seu mestrado, ele conheceu uma jovem dos EUA com quem se casaria. Quando Obama tinha dois anos, o casal se separou. Em 1982, Obama pai morreu em um acidente de carro em Nairóbi.
Viúva desde 1975, Mama Sarah diz que o sucesso do neto é uma de suas maiores alegrias, assim como sempre se orgulhou do filho, pai do senador, que voltou ao Quênia após concluir doutorado em Harvard. A possível conquista da Presidência não surpreenderia Obama Sr., afirma ela. "Barack Hussein sabia que seu filho era esforçado e inteligente. Tanto quanto o pai foi." Dos outros sete filhos que teve, três continuam vivos, -um nos EUA, que Mama Sarah conhece, mas para onde só voltará para assistir à posse do neto. "Prefiro que ele venha me visitar, que veja a situação do Quênia, e possa ajudar a melhorar a forma como os países ricos tratam os países pobres."

Conflito
Nas últimas semanas, o Quênia esteve imerso em um conflito pós-eleitoral que deixou pelo menos 400 mortos. O líder da oposição, Raila Odinga, um luo como Mama Sarah e Obama pai, acusa o atual presidente, Mwai Kibaki, de fraude eleitoral. O senador Obama chegou a tentar mediar o conflito, telefonando para Odinga e Kibaki.
Sobre a corrida presidencial nos EUA, a avó de Obama tenta ser neutra, opinando que a escolha é dos moradores do país. Mas em seguida diz que simpatiza com Hillary Clinton [outra pré-candidata democrata], mas não tem dúvidas de que o neto pode fazer mais pelo país. "Essa geração mais velha, que já esteve no poder, precisa dar lugar aos jovens políticos, que têm mais energia, bom estudo e novas idéias." O mesmo recado vai para o atual presidente do Quênia: "Kibaki está há muito tempo no poder. É hora de ele se aposentar", afirma. Indagada se estava contente com o resultado das eleições, Mama Sarah apenas sacode a cabeça negativamente, dizendo que "houve fraude".

Celebridade
A avó de Obama tem pela casa muitos pôsteres da campanha do neto. Tornou-se também uma pequena celebridade na região, recebendo quase diariamente políticos e jornalistas.
Mama Sarah só não gosta de quem a visita para pedir ajuda financeira. "Meu neto é famoso, mas não contamos com a ajuda financeira dele", diz. Aos jornalistas, ela gosta de enfatizar que a casa foi construída há bastante tempo, e a reforma que incluiu um telhado novo foi feita com a ajuda dos filhos.
O terreno da família tem duas casas. A maior, em que vive Mama Sarah, fica a poucos metros da casa de um de seus filhos. Em frente às duas casas, há uma grande mangueira que faz sombra sobre dois túmulos. Um, de cimento, de Hussein Obama, avô do senador. Outro, de seu pai. Nos fundos da casa da viúva há uma pequena horta com couve, repolho e alguns temperos. Galinhas correm soltas. Mama Sarah gosta de se sentar em um pequeno banco na porta dos fundos da casa, onde debulha milho. Apesar de bem iluminado, o local é poupado do sol forte e tem uma brisa que alivia o calor constante.
A menos de 200 metros da casa da avó de Obama vive um de seus sobrinhos. Avessa à publicidade, a família não gosta de fotos. Só Mama Sarah não se importa. Uma prima do senador explicou que estava grávida e que não queria tirar foto para "não dar azar ao bebê".
Kogelo é tão isolada que muitos moradores, apesar de conhecerem Mama Sarah, não sabem que a anciã tem um neto senador nos EUA. Muitos jovens nem sequer tiveram oportunidade de se deslocar 50 km -boa parte sem asfalto- para chegar à terceira maior cidade do país, Kisumu.
Ao pedir ajuda a um menino de 12 anos para encontrar a casa dos Obama, o motorista recebeu uma explicação incerta. Na despedida, depois de apertar a mão de todas as três pessoas no carro, o menino sorriu e disse, em luo, ao motorista: "Você fez uma coisa muito boa hoje. Pela primeira vez apertei a mão de uma pessoa branca".
Para a vizinhança dos Obama, a vida só foi diferente no dia em que o senador passou pelo vilarejo, em agosto de 2007. Veio de helicóptero, com forte segurança e uma comitiva de políticos quenianos. Obama só teve tempo de tomar uma xícara de chá com a avó e apresentar a ela a mulher e as filhas. "Ele bem que queria passar a noite aqui, mas, com tantos políticos e seguranças em volta, foi impossível", explica ela.
Apesar de ter sempre a casa pronta para receber o neto, Mama Sarah sabe que será ainda mais difícil uma nova visita acontecer caso Obama seja eleito presidente dos EUA. "Tenho certeza de que ele estará mais seguro aqui na minha casa, em Kogelo e no Quênia, do que em Washington", brinca a avó do candidato.


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