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"Ele estará mais seguro no Quênia que em Washington"
Em vilarejo no interior do país em conflito, família africana do pré-candidato à Casa Branca se enche de esperança por sua vitória
Em visita da Folha, camponesa queniana Mama Sarah, 85, fala do neto Barack Obama
ANA FLOR
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE KOGELO (QUÊNIA)
No vilarejo de Nyangoma
Kogelo, no oeste do Quênia, a
principal tarefa das mulheres é
buscar água. Elas acordam antes de o sol nascer e caminham
de dois a cinco quilômetros para chegar ao rio, onde encherão
quantos vasilhames de plástico
conseguirem carregar de volta
para casa. A água é para cozinhar, limpar, lavar roupas e dar
de beber aos animais.
Nos últimos cinco anos, Mama Sarah Obama, 85, pôde aposentar-se da tarefa que ocupou
boa parte de suas manhãs desde os oito anos de idade. Um
poço d'água movido por uma
bomba manual foi construído
no seu quintal. A melhoria foi
um presente do neto Barack
Obama, pré-candidato democrata à Presidência dos EUA.
Exceto pela bomba d'água,
que poupa Mama Sarah de pelo
menos quatro horas de caminhada na parte mais refrescante do dia, Barack, como ela chama o neto, não trouxe muitas
mudanças para a vida da família no Quênia. Ela continua na
casa de alvenaria com cinco cômodos construída pelos filhos
-uma das melhores do vilarejo- e segue a mesma rotina dos
últimos 60 anos: acorda às
5h30, prepara chá e mandioca
cozida para a primeira refeição
do dia, organiza a casa e passa a
se ocupar da colheita.
Nesta época do ano, Mama
Sarah precisa organizar a colheita e o armazenamento do
milho. Enquanto sobrinhos colhem as espigas, ela mesma se
ocupa de guardar os grãos. Debulha manualmente o milho
por horas e o coloca em sacas
onde mistura cinzas, para que
roedores não ataquem o estoque que vai durar um ano. Com
o cereal, os quenianos preparam sua principal comida, ugali, uma purê seco que comem
com couve e carne cozida.
Nas duas vezes em que recebeu o neto em Kogelo, Mama
Sarah preparou ugali. "Ele
sempre comeu o que a gente come. Comeu com vontade", diz
ela, em luo, língua tribal da região. Por causa do neto, Mama
Sarah aprendeu um pouco de
inglês, o suficiente para entender algumas palavras. Por causa da avó, o senador aprendeu
um pouco de suaíli. No pôster
da campanha para o Senado
que deu à avó, Obama escreveu
"Mama Sarah, habari", palavra
que significa "como está?".
Obama tem poucas lembranças do pai, também Barack
Hussein Obama, um dos primeiros quenianos a receberem
uma bolsa de estudos nos EUA,
pouco antes da independência
do país africano, em 1963. No
Havaí, onde Obama pai fez seu
mestrado, ele conheceu uma
jovem dos EUA com quem se
casaria. Quando Obama tinha
dois anos, o casal se separou.
Em 1982, Obama pai morreu
em um acidente de carro em
Nairóbi.
Viúva desde 1975, Mama Sarah diz que o sucesso do neto é
uma de suas maiores alegrias,
assim como sempre se orgulhou do filho, pai do senador,
que voltou ao Quênia após concluir doutorado em Harvard. A
possível conquista da Presidência não surpreenderia Obama
Sr., afirma ela. "Barack Hussein
sabia que seu filho era esforçado e inteligente. Tanto quanto
o pai foi." Dos outros sete filhos
que teve, três continuam vivos,
-um nos EUA, que Mama Sarah conhece, mas para onde só
voltará para assistir à posse do
neto. "Prefiro que ele venha me
visitar, que veja a situação do
Quênia, e possa ajudar a melhorar a forma como os países ricos tratam os países pobres."
Conflito
Nas últimas semanas, o Quênia esteve imerso em um conflito pós-eleitoral que deixou
pelo menos 400 mortos. O líder
da oposição, Raila Odinga, um
luo como Mama Sarah e Obama
pai, acusa o atual presidente,
Mwai Kibaki, de fraude eleitoral. O senador Obama chegou a
tentar mediar o conflito, telefonando para Odinga e Kibaki.
Sobre a corrida presidencial
nos EUA, a avó de Obama tenta
ser neutra, opinando que a escolha é dos moradores do país.
Mas em seguida diz que simpatiza com Hillary Clinton [outra
pré-candidata democrata], mas
não tem dúvidas de que o neto
pode fazer mais pelo país. "Essa
geração mais velha, que já esteve no poder, precisa dar lugar
aos jovens políticos, que têm
mais energia, bom estudo e novas idéias." O mesmo recado vai
para o atual presidente do Quênia: "Kibaki está há muito tempo no poder. É hora de ele se
aposentar", afirma. Indagada
se estava contente com o resultado das eleições, Mama Sarah
apenas sacode a cabeça negativamente, dizendo que "houve
fraude".
Celebridade
A avó de Obama tem pela casa muitos pôsteres da campanha do neto. Tornou-se também uma pequena celebridade
na região, recebendo quase diariamente políticos e jornalistas.
Mama Sarah só não gosta de
quem a visita para pedir ajuda
financeira. "Meu neto é famoso, mas não contamos com a
ajuda financeira dele", diz. Aos
jornalistas, ela gosta de enfatizar que a casa foi construída há
bastante tempo, e a reforma
que incluiu um telhado novo foi
feita com a ajuda dos filhos.
O terreno da família tem
duas casas. A maior, em que vive Mama Sarah, fica a poucos
metros da casa de um de seus filhos. Em frente às duas casas,
há uma grande mangueira que
faz sombra sobre dois túmulos.
Um, de cimento, de Hussein
Obama, avô do senador. Outro,
de seu pai. Nos fundos da casa
da viúva há uma pequena horta
com couve, repolho e alguns
temperos. Galinhas correm soltas. Mama Sarah gosta de se
sentar em um pequeno banco
na porta dos fundos da casa, onde debulha milho. Apesar de
bem iluminado, o local é poupado do sol forte e tem uma brisa que alivia o calor constante.
A menos de 200 metros da
casa da avó de Obama vive um
de seus sobrinhos. Avessa à publicidade, a família não gosta de
fotos. Só Mama Sarah não se
importa. Uma prima do senador explicou que estava grávida
e que não queria tirar foto para
"não dar azar ao bebê".
Kogelo é tão isolada que muitos moradores, apesar de conhecerem Mama Sarah, não sabem que a anciã tem um neto
senador nos EUA. Muitos jovens nem sequer tiveram oportunidade de se deslocar 50 km
-boa parte sem asfalto- para
chegar à terceira maior cidade
do país, Kisumu.
Ao pedir ajuda a um menino
de 12 anos para encontrar a casa dos Obama, o motorista recebeu uma explicação incerta.
Na despedida, depois de apertar a mão de todas as três pessoas no carro, o menino sorriu e
disse, em luo, ao motorista:
"Você fez uma coisa muito boa
hoje. Pela primeira vez apertei
a mão de uma pessoa branca".
Para a vizinhança dos Obama, a vida só foi diferente no
dia em que o senador passou
pelo vilarejo, em agosto de
2007. Veio de helicóptero, com
forte segurança e uma comitiva
de políticos quenianos. Obama
só teve tempo de tomar uma xícara de chá com a avó e apresentar a ela a mulher e as filhas.
"Ele bem que queria passar a
noite aqui, mas, com tantos políticos e seguranças em volta,
foi impossível", explica ela.
Apesar de ter sempre a casa
pronta para receber o neto, Mama Sarah sabe que será ainda
mais difícil uma nova visita
acontecer caso Obama seja
eleito presidente dos EUA. "Tenho certeza de que ele estará
mais seguro aqui na minha casa, em Kogelo e no Quênia, do
que em Washington", brinca a
avó do candidato.
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