|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Traumatizados, ex-reféns das Farc lutam para retomar a vida
"Não é possível ter nenhum encantamento com um grupo que me estava roubando tudo", diz Frank Pinchao, que fugiu após oito anos e meio em cativeiro
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A BOGOTÁ
Em novembro de 1998, aos
24 anos, o intendente Jhon
Frank Pinchao e outros 60 policiais foram seqüestrados após o
violento ataque das Farc (Forças Armadas Revolucionárias
da Colômbia) ao quartel de Mitú (sul), perto da fronteira com
o Brasil, que deixou 43 mortos.
Os oito anos e meio seguintes
trariam uma dura rotina, que
incluía dormir com correntes
no pescoço. Durou até maio
passado, quando ele escapou e
andou por 17 dias até recobrar a
liberdade. Tinha 33 anos. Seu
desafio agora é deixar para trás
também o trauma do cativeiro.
"Dificilmente se pode superar um seqüestro de quase nove
anos, ficam seqüelas inapagáveis", diz Pinchao, em entrevista à Folha, na última quinta,
nos jardins do Comando Geral
da Polícia Nacional. "Achei que
seria mais fácil." Hoje, ele se
tornou celebridade na Colômbia. Além da fuga espetacular, é
o segundo seqüestrado político
a eludir a guerrilha -o outro é
o atual chanceler, Fernando
Araújo. Mas a história bem-sucedida não apaga enormes custos pessoais e profissionais.
Quando Pinchao estava em
cativeiro, sua namorada deu à
luz um menino que ele só pôde
conhecer muito depois. "É
complicado. Era um menino já
grande, de oito anos. É diferente quando se cria um filho."
A volta ao convívio com a família tampouco tem sido fácil.
"O amor que se sente pelos familiares é diferente, entro em
conflito com a família por estupidez, produto do estresse acumulado nos últimos anos."
A vida profissional também
estancou. "Sinto-me tão deslocado que não sei onde trabalhar. Foi tanto tempo perdido,
eu perdi o contato com as atividades policiais, e isso me desatualizou. Perdi o meu ritmo de
trabalho, é uma vida praticamente estática, paralisada."
Apesar de elogiar o apoio da
polícia, ele diz sentir desconfiança após tanto tempo em poder das Farc. "Isso é natural.
Cheguei a pensar, antes de ser
seqüestrado, quando havia notícias de uma pessoa levada pela guerrilha, que [as Farc] eram
guerrilheiros. Mas uma coisa é
julgar as pessoas aqui de fora, e
outra é viver o seqüestro. Não é
possível ter nenhum encantamento com um grupo que me
estava roubando tudo, a vida."
"Ouço com indignação esse
tipo de comentário. No caso da
[ex-candidata à Presidência]
Ingrid Betancourt, diziam que
ela era amante do guerrilheiro
Cano, quando ela nunca viu esse senhor. Atreveram-se a dizer que ela era ideóloga da
guerrilha. O que Ingrid tem feito é uma luta total contra a
guerrilha, recebe tratamento
inumano, castigos diários, fica
acorrentada por 24 horas."
Enquanto não volta ao trabalho, contar a fuga ocupa praticamente todo o seu tempo. Nos
últimos oito meses, deu várias
entrevistas, viajou aos EUA e à
Europa e começou a escrever
um livro. O ex-refém também
passou por uma cirurgia e estuda relações internacionais.
Mas Pinchao diz que não sabe se deixará a farda: "Aprendi
em cativeiro que não se pode
planejar as coisas. A gente sempre planejava: "Na semana que
vem, começo a aprender inglês,
começo a fazer exercícios". E
antes de chegar a próxima semana diziam: "Arrumem a mochila, vamos embora"."
Quanto às seqüelas, ele enumera: "Quando escuto aviões
de combate, sinto um temor da
época do seqüestro. Ou quando
ouço uma porta que fecha
bruscamente. No Natal, quando escutava fogos, me causava
temor. Não posso dormir em
colchão mole, tem de ser duro,
porque dormia sobre tábuas".
Seqüestros longos
O caso de Pinchao é praticamente único entre os mais de
23 mil seqüestros registrados
nos últimos dez anos na Colômbia, mas o país tem a triste
tradição de cativeiros longos.
Segundo a Fundação País Livre (FPL), especializada no tema, atualmente os seqüestrados ficam em média seis meses
em cativeiro -nos anos 90,
eram 18 meses. O tempo dilatado se deve ao grande número de
seqüestros feitos por grupos armados ilegais, como as Farc e
os paramilitares, que têm uma
capacidade logística maior do
que a delinqüência comum.
Especializada em atender vítimas de seqüestro, a psicóloga
da FPL, Dary Lucía Nieto, diz
que a readaptação não depende
apenas do tempo mas também
de fatores como a personalidade e as condições do cativeiro
-ela lembra que recebeu um
paciente com apenas 21 dias de
cativeiro em pior situação do
que ex-reféns que ficaram nove
meses privados da liberdade.
Texto Anterior: Futuro de Fidel é incógnita em eleição Próximo Texto: Cativeiro: Pinchao diz ter visto brasileiro na guerrilha Índice
|