São Paulo, domingo, 20 de abril de 2008

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Luta pelos camponeses lançou Lugo na política

Ainda bispo, candidato oposicionista dizia em San Pedro que seria presidente

Construção de estrada em departamento pobre do país deu ao religioso projeção como líder, mas há quem critique seus feitos locais

DO ENVIADO ESPECIAL A SAN PEDRO (PARAGUAI)

O asfalto ainda não chegou totalmente a San Pedro, a capital do departamento paraguaio de mesmo nome, a 350 km de Assunção, onde o presidenciável Fernando Lugo atuou 11 anos como bispo, de 1994 a 2005, antes de largar a batina para se dedicar à política.
Nos quilômetros finais de uma jornada de quase cinco horas de carro desde a capital, homens e máquinas trabalham para cobrir o barro que domina a paisagem rural.
Foi essa estrada inconclusa que ajudou a pavimentar a carreira política de Lugo na região de San Pedro, o maior e um dos mais pobres departamentos (Estados) do Paraguai, palco de conflitos agrários e onde garupas armados com espingarda circulam em motocicletas.
Em 2001, o então líder da diocese encabeçou uma passeata até a cidade de Santa Rosa, onde o asfalto estacionara, a fim de pressionar o governo a estendê-lo até San Pedro. O grupo bloqueou por três dias a rodovia. Lugo acabaria processado pelo Estado, mas pouco depois saiu a verba para a nova estrada, no que seria a primeira vitória política do bispo.
Mesmo com essa pequena melhoria, o povoado de San Pedro, 13 mil habitantes, é um lugar desolador. Tem uma rua principal, precariamente pavimentada, várias transversais, todas de areia, e uma pracinha central, em torno da qual estão a Prefeitura, a igreja e a sede da diocese, onde mora o bispo.

Aspiração política
Logo ao chegar para assumir o posto, em 1994, Lugo deu pistas de seus planos. Numa entrevista a uma rádio local, questionado sobre quanto tempo esperava ficar na diocese, ele afirmou que seria por um período curto e acrescentou, brincando, que sairia dali pra ser presidente da República. Os moradores acharam que era um chiste.
O projeto mais ousado de Lugo como bispo, e que o fez colidir com a cúpula da igreja paraguaia, foi a tentativa de instalar um seminário em San Pedro. Ele dizia que não havia dinheiro para mandar aspirantes a sacerdote da região a Assunção, base do único seminário nacional. Instalou os seminaristas numa granja comunitária, com animais e horta, com o plano de que fosse auto-sustentável.
"Ele queria criar um lugar onde os sacerdotes pudessem conviver com a realidade, em oposição aos seminários convencionais, guiados pela doutrina e muito fechados em si", explica o jornalista Cristino Peralta, correspondente do jornal "ABC Color" em San Pedro e ex-seminarista, que se aproximou de Lugo no período e publicou em primeira mão as renúncias do bispo, primeiro à diocese, depois ao sacerdócio.
A granja-seminário durou cerca de dois anos e foi desativada por falta de recursos, principalmente humanos -não havia professores suficientes. "Foi um golpe duro para ele, um baque", lembra Peralta.
O atual bispo de San Pedro, Adalberto Martínez, critica a experiência. "A situação do seminário foi lamentável. Não formou ninguém, e, quando ele renunciou [à diocese, no fim de 2004], tivemos que reenviar os seminaristas para outros lugares", diz ele, que é também secretário-geral da Conferência Episcopal Paraguaia. "Quando cheguei, dei-me conta de que a pastoral social tinha de se articular, e não havia ações concretas para fortalecer os pobres."
Entre os moradores, há quem apóie Lugo com entusiasmo, como Peralta e a líder comunitária Loña Morena, 57. "Sou colorada desde os 14 anos, mas vou votar nele porque vi sua preocupação com a pobreza e a falta de justiça", diz ela.
E há os que o condenam, caso do sindicalista Silvio Sanabria, líder da associação de agricultores Oñondiuepa. Segundo ele, Lugo boicotou membros da entidade (negando-se a batizar seus filhos, por exemplo) porque o grupo se negou a protestar contra o governador departamental -acusado de corrupção, o político deixaria o cargo.
Quando o Vaticano aceitou a renúncia de Lugo à diocese, em janeiro de 2005, a posição do sacerdote já desagradava os setores mais conservadores da igreja. Ele passou um período em retiro espiritual, depois virou diretor de um colégio católico e intensificou os contatos com movimentos políticos.
Em 2006, se deu a ruptura definitiva. Em março, Lugo comandou uma grande manifestação contra o projeto de reeleição do presidente Nicanor Duarte. Em 18 de dezembro, enviou ao Vaticano seu carta de renúncia ao sacerdócio. A resposta foi uma ameaça de suspensão. Não adiantou. No dia 25, anunciou publicamente sua decisão, afirmando: "O país será minha catedral". (FÁBIO VICTOR)

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