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Luta pelos camponeses lançou Lugo na política
Ainda bispo, candidato oposicionista dizia em San Pedro que seria presidente
Construção de estrada em departamento pobre do país deu ao religioso projeção como líder, mas há quem critique seus feitos locais
DO ENVIADO ESPECIAL A SAN PEDRO (PARAGUAI)
O asfalto ainda não chegou
totalmente a San Pedro, a capital do departamento paraguaio
de mesmo nome, a 350 km de
Assunção, onde o presidenciável Fernando Lugo atuou 11
anos como bispo, de 1994 a
2005, antes de largar a batina
para se dedicar à política.
Nos quilômetros finais de
uma jornada de quase cinco horas de carro desde a capital, homens e máquinas trabalham
para cobrir o barro que domina
a paisagem rural.
Foi essa estrada inconclusa
que ajudou a pavimentar a carreira política de Lugo na região
de San Pedro, o maior e um dos
mais pobres departamentos
(Estados) do Paraguai, palco de
conflitos agrários e onde garupas armados com espingarda
circulam em motocicletas.
Em 2001, o então líder da
diocese encabeçou uma passeata até a cidade de Santa Rosa, onde o asfalto estacionara, a
fim de pressionar o governo a
estendê-lo até San Pedro. O
grupo bloqueou por três dias a
rodovia. Lugo acabaria processado pelo Estado, mas pouco
depois saiu a verba para a nova
estrada, no que seria a primeira
vitória política do bispo.
Mesmo com essa pequena
melhoria, o povoado de San Pedro, 13 mil habitantes, é um lugar desolador. Tem uma rua
principal, precariamente pavimentada, várias transversais,
todas de areia, e uma pracinha
central, em torno da qual estão
a Prefeitura, a igreja e a sede da
diocese, onde mora o bispo.
Aspiração política
Logo ao chegar para assumir
o posto, em 1994, Lugo deu pistas de seus planos. Numa entrevista a uma rádio local, questionado sobre quanto tempo esperava ficar na diocese, ele afirmou que seria por um período
curto e acrescentou, brincando,
que sairia dali pra ser presidente da República. Os moradores
acharam que era um chiste.
O projeto mais ousado de Lugo como bispo, e que o fez colidir com a cúpula da igreja paraguaia, foi a tentativa de instalar
um seminário em San Pedro.
Ele dizia que não havia dinheiro para mandar aspirantes a sacerdote da região a Assunção,
base do único seminário nacional. Instalou os seminaristas
numa granja comunitária, com
animais e horta, com o plano de
que fosse auto-sustentável.
"Ele queria criar um lugar
onde os sacerdotes pudessem
conviver com a realidade, em
oposição aos seminários convencionais, guiados pela doutrina e muito fechados em si",
explica o jornalista Cristino Peralta, correspondente do jornal
"ABC Color" em San Pedro e
ex-seminarista, que se aproximou de Lugo no período e publicou em primeira mão as renúncias do bispo, primeiro à
diocese, depois ao sacerdócio.
A granja-seminário durou
cerca de dois anos e foi desativada por falta de recursos, principalmente humanos -não havia professores suficientes.
"Foi um golpe duro para ele,
um baque", lembra Peralta.
O atual bispo de San Pedro,
Adalberto Martínez, critica a
experiência. "A situação do seminário foi lamentável. Não
formou ninguém, e, quando ele
renunciou [à diocese, no fim de
2004], tivemos que reenviar os
seminaristas para outros lugares", diz ele, que é também secretário-geral da Conferência
Episcopal Paraguaia. "Quando
cheguei, dei-me conta de que a
pastoral social tinha de se articular, e não havia ações concretas para fortalecer os pobres."
Entre os moradores, há
quem apóie Lugo com entusiasmo, como Peralta e a líder
comunitária Loña Morena, 57.
"Sou colorada desde os 14 anos,
mas vou votar nele porque vi
sua preocupação com a pobreza e a falta de justiça", diz ela.
E há os que o condenam, caso
do sindicalista Silvio Sanabria,
líder da associação de agricultores Oñondiuepa. Segundo
ele, Lugo boicotou membros da
entidade (negando-se a batizar
seus filhos, por exemplo) porque o grupo se negou a protestar contra o governador departamental -acusado de corrupção, o político deixaria o cargo.
Quando o Vaticano aceitou a
renúncia de Lugo à diocese, em
janeiro de 2005, a posição do
sacerdote já desagradava os setores mais conservadores da
igreja. Ele passou um período
em retiro espiritual, depois virou diretor de um colégio católico e intensificou os contatos
com movimentos políticos.
Em 2006, se deu a ruptura
definitiva. Em março, Lugo comandou uma grande manifestação contra o projeto de reeleição do presidente Nicanor
Duarte. Em 18 de dezembro,
enviou ao Vaticano seu carta de
renúncia ao sacerdócio. A resposta foi uma ameaça de suspensão. Não adiantou. No dia
25, anunciou publicamente sua
decisão, afirmando: "O país será minha catedral".
(FÁBIO VICTOR)
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