São Paulo, domingo, 20 de junho de 2004

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RELIGIÃO

Em nova fase, cantora adere a "cabala" e combina piedade e blasfêmia

Madonna vira "Esther" e incensa o "judaísmo pop"

Albert Ferreira - 16.jun.2004/Reuters
Madonna se contorce durante show no Madison Square Garden


JOSEPH BERGER
DO "NEW YORK TIMES"

Por um lado, ela usa uma estrela de Davi, diz que freqüenta a sinagoga, se apresenta no palco com uma versão do acessório para orações conhecido como "tefilin" e com letras hebraicas que aparecem e desaparecem numa tela, e, por último, já fez saber que não fará shows no shabat. O Madison Square Garden ficará no escuro na noite de sexta e no sábado.
Por outro lado, Madonna, 45, não é judia. E seu nome é o menor dos problemas, embora ela pareça estar cuidando também dessa questão. A cantora teria assumido o nome hebraico de Esther. Mas Liz Rosenberg, sua porta-voz, negou que ela estivesse abandonando o nome Madonna. ""Se alguém a chamasse de Esther, ela não se voltaria para trás."
Em vista, portanto, dessa aparente contradição -e deixando a dialética talmúdica de lado-, o que se pode pensar sobre Madonna e seu fascínio recente pelo judaísmo, coisa que vem sendo evidenciada em seu show atual, ""Re-Invention World Tour"?
Madonna é apenas a mais recente em uma longa linhagem de astros e estrelas que já se deixaram seduzir pelo judaísmo. Para a cantora, católica de origem, o fascínio se deve principalmente à atração que ela sente por algo que chama de cabala, mas que muitos vêem como pouco mais do que uma compilação de idéias ""new age" sobre a cabala genuína.
A cabala é o nome dado às obras arcanas de misticismo judaico que foram redigidas na Idade Média e reunidas na Espanha no século 13. Seu conteúdo teórico é visto como sendo profundo, embora esotérico, mas suas aplicações práticas beiram o mágico.
É claro que a apropriação feita por Madonna transforma o judaísmo, e a cabala, em uma grande mistureba. Diz-se na cabala que as letras judaicas possuem um poder enorme, tanto assim que alguns escritores acreditam que Deus tenha criado o universo a partir da energia contida nas palavras e que as palavras contenham os segredos da criação.
Segundo um de seus conselheiros cabalistas, Michael Berg, as letras hebraicas que Madonna expõe -lamed, álefe e vav, grosso modo equivalentes a L, A e V- formam um dos 72 nomes de Deus. Mas um judeu praticante jamais exibiria um dos nomes de Deus em um show de rock nem imprimiria as letras como tatuagens, como Madonna faz.
Para alguns judeus, a cabala é algo reservado a estudiosos do sexo masculino, com mais de 40 anos, que já dominem plenamente o Talmud e a Torá. O Kabbalah Centre, uma organização com 50 filiais cujas crenças Madonna subscreve, prega que seus ensinamentos devem estar à disposição de todos. ""Se essa sabedoria é poderosa, por que o Criador não quereria que todos tivessem acesso a ela?", perguntou Berg.
Mas Arthur Green, professor de pensamento judaico na Universidade Brandeis, ponderou: ""Essa cabala pop contemporânea é superficial, uma vez que não requer conhecimento hebraico real".
Mesmo assim, o flerte de Madonna com elementos judaicos pode conter lados positivos para o judaísmo. Samuel Heilman, que ocupa a cadeira Proshansky de sociologia e estudos judaicos na Universidade City, em Nova York, diz que o entusiasmo de Madonna constitui mais um sinal de que os judeus se converteram em um tempero convencional no grande cozido americano, apesar de representarem apenas 2% da população do país.
Rodger Kamenetz, professor de religião na Universidade Louisiana State, disse que Madonna faz brincadeiras artisticamente provocantes com rituais judaicos quando exibe tatuagens hebraicas ou usa o tefilin. ""É algo repleto de piedade e também de blasfêmia -uma grande combinação."


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