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São Paulo, domingo, 20 de julho de 2003

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CHINA

Lei anti-subversão e problemas econômicos alimentam descontentamento popular com a administração pró-Pequim

Hong Kong vive pior crise desde devolução

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Buscando dissipar a mais grave crise política da história recente de Hong Kong, o chefe da administração local pró-Pequim, Tung Chee-hwa, prometeu, na última quinta-feira, dar ouvidos aos anseios da população. Contudo seu governo continua enfraquecido, de acordo com especialistas consultados pela Folha.
Ontem Tung esteve em Pequim para explicar às autoridades chinesas a instabilidade política das últimas semanas, em Hong Kong.
E recebeu apoio tanto do presidente Hu Jintao quanto do premiê Wen Jiabao. "O governo de Tung Chee-hwa certamente é capaz de guiar o povo de Hong Kong até a superação de suas dificuldades atuais", disse Wen.
Por enquanto, segundo analistas, Tung manterá seu posto. Todavia, uma vez aprovada a controversa lei anti-subversão que desencadeou maciços protestos populares (vista como uma restrição às liberdades civis), boas são as chances de seu ciclo ter fim.
"Substituir Tung agora seria um precedente perigoso para Pequim, que, por meio do ex-presidente Jiang Zemin, deu forte apoio a ele no passado. Não creio que Hu Jintao [atual presidente] e Wen Jiabao [premiê] queiram entrar em choque com Jiang, que permanece muito influente nos bastidores", analisou Sonny Lo, autor de "Governing Hong Kong: Legitimacy, Communication and Political Decay" (governando Hong Kong: legitimidade, comunicação e decadência política).
"A renúncia de dois ministros em Hong Kong, na última quarta-feira, foi boa para a cena política da ilha e deu uma ótima oportunidade ao governo de melhorar sua imagem. Pequim não deverá descartar Tung antes que a lei de segurança nacional seja aprovada, o que deverá ocorrer ainda em 2003", avaliou o cientista político.
Com efeito, a resignação da controversa ministra da Segurança, Regina Ip, que estava por trás da lei anti-subversão, e a do ministro das Finanças, Antony Leung, atenuaram um pouco a pressão sofrida pela administração. No entanto elas não garantem que a situação venha a acalmar-se a médio e longo prazos.
A lista dos motivos do descontentamento da população de Hong Kong é longa. Cronologicamente, ela teve início com a crise financeira de 1997 -ano em que o Reino Unido devolveu a ilha à China-, visto que ela deu um duro golpe no setor imobiliário. Este constituía uma das bases do até então portentoso mercado financeiro de Hong Kong.
Desde então, a economia local não conseguiu recuperar sua exuberância, e a ilha tornou-se cada vez mais dependente economicamente da China continental. Para agravar esse quadro, as autoridades locais admitiram que o desemprego atingiu o nível recorde de 8,3% no final de junho.
Além disso, a falta de tato da administração para lidar com o surto de Sars (síndrome respiratória aguda grave) provocou, segundo Lo, um "aumento da sensação de fragilidade das pessoas". Assim, os protestos contra a lei anti-subversão são apenas a ponta do iceberg no que se refere ao descontentamento da população local.
"Os protestos não são contra o poder central chinês. Eles refletem a erupção da insatisfação popular com a atuação do governo desde 1997, não uma tentativa organizada de pôr fim ao sistema político. A morosidade econômica é crucial nesse caso, já que a população de Hong Kong não está acostumada com esses problemas", indicou Peter Cheung, doutor em ciência política e professor na Universidade de Hong Kong.
"Se Tung tiver talento político e cumprir sua promessa de submeter o artigo 23 [a lei anti-subversão] da Lei Básica da ilha à aprovação popular, a ira da população deverá ser abrandada a curto prazo. Contudo é inegável que os habitantes de Hong Kong esperam que, a médio e longo prazos, o novo ministro das Finanças [que ainda não foi indicado] apresente planos concretos para reduzir o desemprego", afirmou Lo.
A evolução da crise política atual em Hong Kong deverá definir o modo como Pequim tratará de suas duas regiões administrativas especiais -Macau é a outra- no futuro. Isso poderá ser determinante para as aspirações chinesas de estender sua política de "um país, dois sistemas" a Taiwan, que, para o governo chinês, é hoje uma "Província rebelde".
"Pequim surpreendeu-se com a dimensão dos protestos e decidiu apontar um novo chefe para seu escritório de representação em Hong Kong. Com isso, quer acompanhar mais de perto a evolução da situação política na ilha. Nada é certo por ora, mas posso dizer que o governo central talvez não exclua a possibilidade de manter as liberdades atuais de Hong Kong", apontou Cheung.
Ademais, se pretende persuadir Taiwan a aderir ao sistema aplicado a Macau e a Hong Kong, o governo chinês tem de evitar medidas drásticas. "Taiwan já se opõe à "anexação". Se Pequim não mostrar moderação agora, ficará ainda mais difícil convencer os taiwaneses no futuro", indicou Lo.

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