São Paulo, terça-feira, 20 de julho de 2004

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IRAQUE SOB TUTELA

Viagem de repórter pelo sul do país mostra que governo interino não controla quase nada além da capital

Ataque com carro-bomba mata 9 e fere 60 em Bagdá

Said Khan/France Presse
Cratera aberta por uma nova explosão de carro-bomba em Bagdá; atentado visou uma delegacia


ROBERT FISK
DO "INDEPENDENT", EM NAJAF

Parecia o Afeganistão. Delegacias vazias, postos de controle abandonados e, às vezes, na estrada ao sul de Bagdá, um caminhão americano de combustível queimado ou um carro de polícia iraquiano avariado.
Na capital, o dia foi o mesmo de sempre. Um terrorista suicida matou ontem nove iraquianos e feriu outros 60 quando explodiu um caminhão-tanque ao lado de uma delegacia, e um funcionário do Ministério da Defesa foi assassinado na porta de sua casa. Fazendo jus ao espírito "Alice no País das Maravilhas" do novo governo iraquiano, 43 novos embaixadores foram nomeados. Mas quem eles representam? O Iraque? Ou apenas Bagdá?
Autoridades iraquianas e diplomatas ocidentais aconselham jornalistas a evitar sair da capital. Agora eu entendo a razão. Minha jornada pessoal pela rodovia 8 mostrou que o governo iraquiano nomeado pelos EUA controla muito pouco ao sul de Bagdá.
Só vi policiais iraquianos na cidade sunita de Mahmudiya, onde um carro-bomba explodiu na semana passada. Eles estavam em uma caravana de 11 picapes alquebradas, apontando fuzis para os passantes, entrando na contramão, gritando com os motoristas para que abrissem caminho sob a mira de bala. Não era uma patrulha americana amedrontada, era a própria força policial iraquiana.
Em Iskanderia, vi dois pistoleiros ao lado da rua. Não sei por que eles estavam ali, pois a polícia já tinha esvaziado seu posto ali perto.
Sim, isso é um reflexo vergonhoso de nossa invasão do Iraque. Mas é, sobretudo, uma tragédia para os iraquianos. Eles enfrentaram o repulsivo Saddam Hussein, as vergonhosas sanções da ONU e a nossa invasão. Agora têm de enfrentar essa anarquia que chamamos de liberdade.
Depois de Hilla, encontrei policiais e um punhado de novos soldados iraquianos. Em Kufa, eles insistiram em me acompanhar de carro até a cidade sagrada de Najaf. Mas, a quilômetros do centro da cidade, deram meia-volta dizendo que, sob o cessar-fogo negociado com o clérigo xiita Moqtada al Sadr, não podiam avançar.
Não me surpreendi. As forças americanas estão hoje sob tantos ataques diários que não podem nem se mover pela rodovia 8 ou para oeste de Bagdá, em direção a Fallujah e a Ramadi, sob a luz do dia. Por todo o país, seus helicópteros não conseguem voar a mais de cem metros de altura -a uma altura tão baixa, os insurgentes não conseguem atingir as aeronaves com foguetes quando elas avançam com rapidez. E, além de um tanque solitário em uma ponte em Bagdá, vi apenas mais um veículo militar americano -um Humvee patrulhando uma das ruas de Najaf que Al Sadr autorizou os americanos a patrulhar.
Que a resistência controla centenas de quilômetros quadrados em torno de Bagdá não é surpresa. O recém-empossado governo iraquiano, nomeado pelos EUA, não tem policiais nem soldados para retomar o território. Eles podem anunciar leis marciais e criar uma agência de informações, mas não têm nem o contingente nem a capacidade para transformar essas instituições em algo além de propaganda para jornalistas estrangeiros e uma população que precisa avidamente de segurança.
Favorece o governo de Iyad Allawi que a insurreição xiita seja apenas uma sombra da sunita. Mas as provas que obtive em minha viagem -de cidades sunitas que há tempos se opõem à ocupação até cidades sagradas xiitas onde milícias controlam os templos e cada quadra em torno deles- sugerem que Allawi governa uma capital sem um país.


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