São Paulo, segunda-feira, 20 de outubro de 2008

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SUCESSÃO NOS EUA/ FIM DE UMA ERA

"EUA retrocederam em todos os sentidos sob Bush"

Para general conservador, o Partido Republicano levou o país a um rumo radical e deve ficar "moribundo, se não morto", por uma década

Lawrence Wilkerson foi chefe-de-gabinete do secretário Colin Powell por três anos

ANDREA MURTA
DE NOVA YORK

Após três anos como chefe-de-gabinete do ex-secretário de Estado dos EUA Colin Powell, o coronel Lawrence Wilkerson, um republicano conservador, chegou à conclusão de que o governo de George W. Bush estava errado. Em quase tudo. Em 2005, Wilkerson, 63, não só abandonou postos públicos como se tornou um dos maiores críticos da administração e da Guerra do Iraque.
"Sob Bush, os EUA retrocederam mais do que em qualquer outra época na história, em todos os sentidos", afirma. "Ele e Dick Cheney são os mais incompetentes que já tivemos, e já houve muita gente incompetente no poder nos EUA." Para o general, o Partido Republicano está tomado por uma liderança "neojacobina" que está levando o país a um caminho radical. Ele favorece a retirada das tropas americanas do Iraque em até 30 meses e crê que "mesmo McCain será forçado a entender isso". Leia trechos de sua entrevista à Folha.

 

FOLHA - Como o sr. avalia oito anos de governo Bush em termos de suas conseqüências para a posição dos EUA no mundo?
LAWRENCE WILKERSON
- Os EUA retrocederam mais do que em qualquer outra época na história. George W. Bush e Richard [Dick] Cheney entrarão para a história como o presidente e o vice mais incompetentes que já tivemos. E olha que já tivemos muita gente incompetente no poder. Eles andaram para trás internacionalmente, nacionalmente, em quase todas as áreas possíveis. O único campo em que fizeram algo de bom foi que Bush apoiou em discursos e com dinheiro fundos contra o HIV e a Aids pelo planeta, mais do que outros presidentes. Mas é muito pouco para desculpar todo o mal que causaram.

FOLHA - O fim do governo Bush será o fim da doutrina Bush (de ataques preventivos)?
WILKERSON
- Sim. Certamente espero que ela seja rechaçada por completo. Nossa reputação está manchada e continuará assim por muito tempo, porque esse governo não só desafia a lei como declara leis como se fosse um rei francês dizendo "l'Etat, c'est moi" [o Estado sou eu, símbolo do absolutismo]. A república democrática que são os EUA não é radical, mas seus líderes sim. Eu gosto de chamá-los de "neojacobinos", em alusão ao grupo que poluiu a Revolução Francesa e levou à ascensão de Napoleão Bonaparte. Eu sou conservador, mas o governo americano é radical. Esse pessoal é messiânico em seu desejo de trazer liberdade e democracia para o mundo, mesmo à bala. Essa não é a política externa tradicional americana e é errada.

FOLHA - O sr. é republicano. Como vê a atuação de seu partido nesta eleição?
WILKERSON
- É terrível. O Partido Republicano vai ficar moribundo, se não morto, por uma década. Talvez nesse período ganhe a Casa Branca de novo, mas se isso ocorrer será por causa de algum candidato que, assim como John McCain, repudia valores neoconservadores fundamentais. Acho que Barack Obama vai ganhar a Presidência, e o Senado e a Câmara vão ter enormes maiorias democratas.

FOLHA - Quais seriam as prioridades para o próximo presidente?
WILKERSON
- No primeiro dia eu fecharia a prisão de Guantánamo e assinaria uma ordem executiva banindo a tortura por qualquer pessoa em qualquer lugar dos EUA. Aí começaria a abordar a crise econômica, que não acho que vai acabar durante a próxima década.

FOLHA - Um dos pontos de desacordo entre McCain e Obama é sobre o Iraque. O sr. favorece um prazo rápido de retirada?
WILKERSON
- Obama está provavelmente certo. Em 24 ou 30 meses, os americanos podem sair do Iraque e servir de juiz, ficando entre sunitas e curdos e etc. Podemos ter quase todos os nossos soldados fora do país nesse prazo. Não faz nenhum sentido estratégico manter a ocupação de um país árabe, e tenho certeza que o general [David] Petraeus [que assume o Comando Central dos EUA, responsável pelas forças no Oriente Médio, em 31 de outubro], vai chegar a essa conclusão, se é que não chegou ainda.

FOLHA - O foco da "guerra ao terror" deveria estar no Afeganistão, como Obama diz?
WILKERSON
- O foco deveria ser mudar a idéia de que isso é uma guerra. Como declarar guerra contra algo que não pode ser derrotado completamente? É tão estúpido quanto declarar guerra às drogas ou à pobreza. O Afeganistão é um problema que está presente há anos e anos, possivelmente desde Alexandre, o Grande, e no final sempre resolve seus problemas políticos, econômicos e etc. sozinho. A resposta não é militar, mas de liderança. E [o presidente] Hamid Karzai não é a liderança de que o país precisa. Há quatro revisões da estratégia americana no país em curso atualmente -por parte de Petraeus, do Pentágono, do Conselho Nacional de Segurança e do comando da Otan na Europa. Com sorte, vão chegar a essas conclusões.

FOLHA - O comandante militar britânico no país disse que a melhor solução pode ser um "ditador aceitável". O que o sr. acha disso?
WILKERSON
- Não discordo necessariamente. Certamente não é uma solução sustentável. Mas se houvesse uma liderança em Cabul que fizesse as coisas acontecerem... Poderia haver uma pessoa como Pervez Musharraf [ex-ditador do Paquistão] em um momento de crise. Mas depois, como tirar o ditador e trazer instituições, leis, uma sociedade civil, educação... todo tipo de coisa que vai consertar o Afeganistão ao longo prazo? É uma transição muito difícil de ser feita. Eu preferia ver uma solução sustentável.


Leia a íntegra da entrevista www.folha.com.br/082933


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