São Paulo, terça-feira, 20 de novembro de 2007

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ARTIGO

Uma cúpula sobre escombros e incertezas

ROGER COHEN
DO "NEW YORK TIMES"

Eu gostaria de depositar esperança na conferência, ou reunião, ou diálogo, sobre a paz no Oriente Médio que será realizado em Annapolis. A batalha que os movimentos nacionais sionista e palestino travam pela mesma terra há 59 anos não fez bem a ninguém.
Eu gostaria de sentir esperança, embora não tenha sido estabelecida uma data firme, não se saiba quem participará do encontro, ele esteja acontecendo seis anos mais tarde do que deveria, e Israel tenha decidido atrair turistas para o seu 60º aniversário, em 2008, com a foto de um "caubói" israelense em uma fazenda nas colinas do Golã, o que dificilmente pareceria alardear disposição de trocar terras pela paz.
Não quero desesperar, ainda que o premiê Ehud Olmert, de Israel, esteja sob investigação criminal, o presidente Bush pareça desamparado e o único homem capaz de fazer com que os dois outros líderes pareçam fortes seja o presidente palestino Mahmoud Abbas, que só controla a Cisjordânia.
A desesperança deve ser evitada ainda que a atual estratégia de "Cisjordânia primeiro" esteja sendo proposta apenas dois anos depois de a prioridade ter sido concedida a uma abordagem de "Gaza primeiro".
Recuso-me a permitir que os recentes combates em Gaza entre o Fatah, de Abbas, e o Hamas me façam perder o ânimo, mesmo quando Mahmoud Zahar, um dos líderes do Hamas, me diz que "sem a unificação da Cisjordânia e Gaza, Abbas não pode falar pelos palestinos em Annapolis".
O Hamas não pode ser ignorado para sempre. Mas me consolo pensando que a reunião de Annapolis não gira em torno de um acordo de paz, mas sim de estabelecer a estrutura de um processo de negociação e de angariar apoio regional.

Palestina esfacelada
Talvez os sauditas, sob pesada pressão dos EUA, decidam comparecer. Talvez os sírios decidam ignorar os anúncios de caubóis no Golã e compareçam, mas duvido. Talvez o medo do Irã faça com que os países sunitas árabes demonstrem apoio público a Israel. Talvez.
O que importa são os dois povos. Mas até mesmo os princípios básicos são problemáticos. Uma das demandas centrais de Olmert e de sua chanceler, Tzipi Livni, é que os palestinos reconheçam Israel abertamente como "Estado judaico". Mas Saeb Erekat, um negociador palestino moderado, já disse que "os palestinos jamais reconhecerão a identidade judaica de Israel".
Livni quer que o caráter judaico de Israel seja estipulado claramente, ainda que o país abrigue uma imensa minoria árabe, como pagamento pelo reconhecimento da Palestina e como seguro contra um retorno maciço de palestinos exilados. Ela está certa em desejá-lo, mas errada ao pressionar pelo reconhecimento imediato desse princípio.
Por que os palestinos deveriam oferecer alguma coisa quando a Cisjordânia é um lugar vergonhoso que oferece um curso prático de colonialismo e assentamentos israelenses que continuam a crescer sem qualquer controle? A Palestina nascente está esfacelada e invisível por trás de um reconfortante muro de segurança.
Enquanto o governo Bush fingia não ver, israelenses e palestinos se perderam mutuamente de vista. Talvez, em última análise, a única maneira de evitar o desespero seja pensar que ao menos Annapolis os forçará a assumir o compromisso de verem uns aos outros.
Todas as "questões de status final" -Jerusalém, fronteiras, assentamentos, água e segurança- terão de ser deixadas para mais tarde. Annapolis parece no máximo um espetáculo para as câmeras. Mas mesmo um espetáculo como esse vale algo no momento que vivemos.


Tradução de PAULO MIGLIACCI

NA INTERNET - Leia a íntegra do artigo em www.folha.com.br/073233


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