|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Para analista, acordo com as Farc é improvável
JOÃO FELLET
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
As negociações do governo
colombiano com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias
da Colômbia) pela libertação de
45 reféns ocultam uma disputa
política em que nenhum dos lados pretende ceder. Nessas
condições, torna-se improvável
um acordo que leve à soltura
dos seqüestrados. Essa é a avaliação do analista colombiano e
ex-guerrilheiro Otty Patiño.
Hoje membro da ONG Observatório para a Paz, Patiño
atuou no grupo guerrilheiro esquerdista M-19, que entregou
as armas em 1990, após negociação com o governo.
Leia a seguir trechos de sua
entrevista concedida à Folha,
por e-mail.
FOLHA - A decisão de Uribe de criar
uma "zona de encontro" indica uma
reviravolta nas negociações do governo com as Farc?
OTTY PATIÑO - Não. [A decisão]
Significa concordar com uma
mínima desmilitarização, ou
seja, para além dos limites de
municípios, opção que já havia
sido apresentada por Uribe em
um acordo com os "países amigos" [França, Espanha e Suíça].
As Farc disseram não a essa
proposta, já que não se discutiu
com eles. O governo as comunicou publicamente e, com isso,
matou sua possibilidade.
As Farc não querem discutir
publicamente a proposta, mas
não se negam a um acordo sobre uma possível desmilitarização. Porém, é óbvio que o interesse das Farc sobre a desmilitarização é político, e por isso
duvido que aceitem uma desmilitarização que não envolva
ao menos um município.
FOLHA - Alguns familiares de reféns dizem que as propostas de Uribe, feitas sem consultar as Farc, não
vão obter êxito. Eles acham que o
presidente apenas simula querer fazer a troca humanitária, já que acredita que obterá a libertação com
uma ação militar. O sr. concorda?
PATIÑO - Não necessariamente
Uribe quer a libertação dos seqüestrados mediante uma ação
militar. O que Uribe não quer é
que o processo de libertação
apareça como um triunfo das
Farc. Por isso, os procedimentos resultam tão -ou mais-
importantes que o resultado, a
libertação.
FOLHA - Como ex-guerrilheiro, o
que o sr. acha da estratégia das Farc
nas negociações?
PATIÑO - A cultura política e
militar das Farc sempre me pareceu espantosa. É uma guerra
de resistência ad infinitum, em
que não assumem nenhuma
responsabilidade política nem
militar nem moral por seus
atos. Dentro dessa concepção,
não há chance de uma negociação para uma paz definitiva.
FOLHA - Em 2002, o sr. disse que a
falta de objetivos claros entre as Farc
e o governo era uma razão para que
ambos não se entendessem. As negociações sobre a troca humanitária
não poderiam destravar as relações
para que as Farc cheguem a um fim,
como o M-19?
PATIÑO - O que atualmente domina as relações governo-Farc
são as relações de uma guerra
que só terminaria com a vitória.
Hoje, o nome da vitória das
Farc se chama desmilitarização. O nome da vitória de Uribe
se chama acordo sem desmilitarização. Nem o governo nem
as Farc têm um esquema que
permita antecipar um processo
similar ao do M-19, de paz sem
vencedores nem vencidos.
FOLHA - O que o sr. pensa da decisão de Uribe de dar dinheiro aos rebeldes que desertem e libertem reféns? E dos programas do governo
para a desmobilização de rebeldes?
PATIÑO - É uma medida de
guerra, que pode ser eficaz se os
níveis de decomposição das
Farc fizerem com que seus
combatentes se tornem permeáveis à barganha. Suponho
que as Farc tomaram medidas
para que isso não ocorra.
E quanto aos programas para
a desmobilização individual
dos guerrilheiros, são a continuação e ampliação de um programa iniciado pelo presidente
[César] Gaviria [1990-1994].
Seus resultados e suas conquistas são questionáveis em
termos militares e políticos,
mas serviram para validar o
processo de desmobilização
dos grupos paramilitares.
FOLHA - As provas de vida dos reféns apreendidas recentemente pela polícia colombiana indicam que
Chávez foi um bom mediador [o
presidente venezuelano foi afastado por Uribe das negociações em
novembro após contatar diretamente um militar colombiano]?
PATIÑO - Acho que as Farc
iriam flexibilizar sua posição
em troca do reconhecimento
internacional como guerrilha
política que se estava dando de
fato no processo de facilitação
de Chávez. Ou seja, algo tinham
que "dar" a Chávez, além das
provas de sobrevivência. Assim, o processo de paz se articularia com um processo internacional de uma nova ordem
geopolítica, no qual ganhavam
Chávez, as Farc e Uribe, se se
desvinculasse dos EUA.
FOLHA - Por que Uribe diz que não
vai aceitar outros mediadores?
PATIÑO - O que Uribe não vai
aceitar é um novo esquema que
internacionalize o processo de
negociação em uma dimensão
que ele, Uribe, não possa manejar, que não lhe convenha.
FOLHA - O que fazer para chegar a
um acordo entre as Farc e Bogotá?
PATIÑO - O governo perdeu
chances de começar a fazer um
acordo aproveitando os golpes
militares que infringiu às Farc.
Na atual situação, em que há
uma grande iniciativa militar e
resultados bons para o governo,
[Uribe] poderia ser mais generoso e abrir o processo. Mas há
como uma fratura entre a estratégia militar do governo e a
sua estratégia política. E isso
dificulta construir o acordo.
Texto Anterior: Emmanuel, 3, nasceu no cativeiro Próximo Texto: Frase Índice
|