São Paulo, domingo, 20 de dezembro de 1998

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IRAQUE
EUA e Reino Unido tentam enfraquecer pilares do regime, mas sabem que derrubar líder iraquiano é política de longo prazo
Saddam deve manter poder por alguns anos

ANDREW MARSHALL
do "The Independent", em Washington


Não se pode dizer que Tony Blair e Bill Clinton não estejam entoando o mesmo hino no que tange a Saddam Hussein.
Quando saiu de Downing Street na noite de quarta-feira, Blair disse: "Nossos objetivos com a ação militar são claros: degradar a capacidade dele de construir e usar armas de destruição em massa e diminuir a ameaça que ele representa para os seus vizinhos".
"Nossa missão é clara: degradar sua capacidade de desenvolver e usar armas de destruição em massa ou de ameaçar seus vizinhos", afirmou o presidente norte-americano, minutos mais tarde.
O lado militar da equação pode estar claro, mas a estratégia política é pouco transparente, e de forma deliberada.
Os Estados Unidos e o Reino Unido esperam que os ataques aéreos solapem Saddam e abram caminho para que as forças armadas iraquianas o derrubem.
Mas ambos sabem que isso é uma aposta e que, a longo prazo, poderão ser obrigados a conviver com o atual regime iraquiano.
Nesse sentido, os ataques aéreos são, ao mesmo tempo, o último suspiro de uma política desgastada de tentar conter Saddam por meio dos inspetores de desarmamento da ONU (Unscom) e a primeira cartada de uma nova estratégia.
A velha política dependia de quatro elementos: inspeções de desarmamento, sanções econômicas, uma aliança de países comprometidos com a contenção do regime e a ameaça de uso da força militar.
As inspeções de desarmamento são coisa do passado. De fato, a missão da Unscom estava encerrada, para efeitos práticos, há mais de um ano. "Há algum tempo a Unscom vinha sendo ineficiente", disse Sandy Berger, assessor de segurança nacional de Bill Clinton.
Assim, a razão mais óbvia para os ataques é destruir todos os alvos conhecidos de uma vez por todas, sabendo que há pouco mais a fazer agora, dentro do Iraque, para impedir que Saddam desenvolva armas de destruição em massa.
Obviamente, esse curso de ação não pode ser repetido, especialmente porque as informações de que o Ocidente dispõe se tornam cada vez menos úteis.
O que fazer em seguida? "Seguiremos uma estratégia de longo prazo de contenção do Iraque, e trabalharemos rumo ao dia em que o país terá um governo digno de seu povo", disse Clinton.
A segunda parte vem primeiro: substituir Saddam. Mas os esforços clandestinos da Agência Central de Inteligência (CIA) e do Serviço Secreto de Inteligência para derrubar o líder iraquiano vêm sendo cômicos e desastrosos.
É provável que os EUA e o Reino Unido acreditem que, ao alvejar unidades da Guarda Republicana e do Serviço Especial de Segurança, sustentáculos do regime, eles possam criar uma oportunidade para que setores das Forças Armadas iraquianas derrubem Saddam.
"O fato é que enquanto Saddam continuar no poder, ele ameaça o bem-estar de seu povo, a paz da região e a segurança do mundo", afirma Clinton.
"A melhor maneira de pôr fim à ameaça de uma vez por todas é um novo governo iraquiano, um governo pronto para viver em paz com seus vizinhos", diz.
"Provocar mudanças em Bagdá custará tempo e esforço. Nós reforçaremos nosso envolvimento com toda a gama de forças oposicionistas no Iraque e trabalharemos com elas de forma prudente e eficaz."
A palavra-chave é tempo, sobre o qual nem Washington nem Londres têm influência.
Assim, o plano de longo prazo envolve necessariamente conviver com Saddam por alguns anos. O programa da ONU de troca de petróleo por alimentos trará mais recursos ao regime, permitindo que as condições no país melhorem.
Em análise deste ano, Anthony Cordesman, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, refletiu sobre a questão de como "conviver com Saddam".
"Por mais que nos desagrade a tirania, o regime de Saddam é um dos mais eficientes governos autoritários dos tempos modernos. Ele pode não ser popular, mas é aceito e está no controle", escreveu Cordesman.
Força militar será claramente um elemento da estratégia de longo prazo. "Devemos estar preparados para usar a força outra vez", afirmou o presidente dos EUA.
"A ameaça constante de uso da força e, quando necessário, o uso da força de fato são as maneiras mais seguras de limitar o programa de armas de destruição em massa de Saddam, de dissuadi-lo da prática de agressões e de impedir uma nova guerra no golfo."
"Enquanto o Iraque continuar resistindo, trabalharemos com a comunidade internacional para manter e fazer efetivas as sanções econômicas", acrescentou.
Mas as sanções serão cada vez mais difíceis de sustentar. O Iraque, sem a Unscom, poderá começar a substituir seu material militar e a desenvolver armas de destruição em massa. A mensagem por trás dos ataques é, em parte, de que Saddam Hussein está lá e continuará lá por algum tempo.
É por isso que as ofensivas têm o objetivo de causar o máximo dano possível. Os ataques desta semana são o começo de uma estratégia para o futuro.
²


Tradução de Paulo Migliaci



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