São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 2001

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TRANSIÇÃO AMERICANA

Sob clima frio e chuva fina, novo presidente promete avançar "nas convicções com civilidade"

Bush toma posse prometendo "nação unida"

Associated Press
George W. Bush observa um ferro de marcar gado com seu nome que lhe foi presenteado, durante baile anteontem em Washington


MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Ao tomar posse ontem na Presidência dos EUA sob um clima frio e uma chuva fina, George W. Bush, primeiro político a ser eleito no país com menos votos que seu principal adversário desde 1888, prometeu "trabalhar para construir uma nação unida" e "liderar o país com "compaixão e caráter".
Segundo filho de um ex-presidente a chegar à Casa Branca, Bush prometeu avançar suas convicções "com civilidade", numa sugestão de que irá conduzir sua agenda de forma não-agressiva, e apelou aos norte-americanos para que assumam suas responsabilidades cívicas sem esperar por ações do Estado.
Bill Clinton, que desocupou ontem a Casa Branca junto a seu vice, Al Gore, acompanhou a cerimônia a poucos metros de Bush e o cumprimentou depois do discurso. Gore foi o candidato democrata derrotado por Bush nas eleições de novembro passado no Colégio Eleitoral, embora tenha recebido cerca de 500 mil votos a mais que o republicano.
Bush lembrou Gore no discurso, registrando a forma "digna" com a qual o ex-vice-presidente encerrou a disputa pós-eleitoral, a qual consumiu oito semanas com batalhas legais e acusações. Foi sua única referência ao episódio que, segundo alguns, irá macular seu mandato.

Protestos
Alguns manifestantes foram presos ao tentar bloquear a via por onde a comitiva de Bush passaria. Cerca de 300 manifestantes entraram em confronto com a polícia. Os confrontos, porém, não chegaram a atrapalhar a cerimônia de posse.
As manifestações foram promovidas por entidades ambientais, antiglobalização, contrárias à pena de morte e por grupos que acusam Bush de ter "roubado a Presidência" e que prometiam levar até 50 mil pessoas à capital norte-americana.
Pela primeira vez na história das posses presidenciais, pontos de controle policiais funcionaram ao longo da avenida Pensilvânia, no trecho entre o Congresso e a Casa Branca. Todos os espectadores tiveram de passar por detetores de metal e suas bolsas e malas foram revistadas.
A polícia havia se preparado para o maior número de manifestantes desde 1973, no início do segundo mandato do ex-presidente Richard Nixon, quando 60 mil pessoas pediram nas ruas o fim da Guerra do Vietnã.

Café na Casa Branca
Antes da posse, Bush e sua mulher, Laura, junto ao vice-presidente eleito, Dick Cheney, e sua mulher, Lynne, tomaram café na Casa Branca com os casais Clinton-Hillary e Gore-Tipper.
Apesar do tempo frio (3C), os organizadores mantiveram a realização da cerimônia do lado de fora do Congresso e confirmaram a tradicional parada a céu aberto pela avenida Pensilvânia, que conduz os presidentes eleitos do Capitólio à Casa Branca.
Bush é o segundo filho de um presidente norte-americano a chegar à Casa Branca. O primeiro foi John Quincy Adams, em 1825, 25 anos depois do governo de seu pai, John Adams (1797-1801). Bush assume o poder apenas oito anos depois de seu pai.
No século passado, muito doente, Adams pai não pôde ir à posse do filho. Diferentemente, o ex-presidente George Bush (1989-1993) não só ficou a alguns metros do filho no momento da posse como também seguiu o novo presidente norte-americano, numa limusine separada, a quase todos os compromissos e eventos na manhã de ontem, entre eles a missa privada na igreja de St. Johns.
A participação intensa do ex-presidente Bush nos eventos de posse deram ao momento um clima de "restauração monárquica". Em 1992, Bush pai foi impedido de obter um segundo mandato ao ser derrotado pelo jovem Bill Clinton, filho de pais de classe média e ex-governador de um Estado pequeno (Arkansas).
Clinton e o ex-presidente Bush se cumprimentaram cordialmente no Capitólio.
As festividades de posse foram financiadas por grandes empresas do setor privado dos EUA. Por cerca de US$ 40 milhões, algumas das maiores corporações norte-americanas compraram os melhores lugares nos eventos.
Com quase US$ 300 milhões recebidos durante a campanha, Bush foi o candidato a arrecadar o maior volume de doações eleitorais em toda a história da democracia.

Acordo
A posse de Bush ocorre um dia depois de Clinton ter anunciado um acordo, em seu último dia cheio como presidente dos EUA, que vai livrá-lo de processos relacionados ao escândalo sexual com a ex-estagiária da Casa Branca Monica Lewinsky.
Clinton admitiu ter "violado conscientemente" a lei ao mentir sob juramento, há três anos, sobre sua relação com Lewinsky, durante a ação de assédio sexual movida por Paula Jones, ex-funcionária pública de Arkansas. Essa ação era sobre um fato que teria ocorrido quando Clinton era governador do Arkansas.
Linda Tripp, a mulher que revelou o caso de Clinton com Monica Lewinsky, foi demitida ontem de seu cargo no Departamento de Defesa. Seus advogados acusaram o presidente de preparar um ato de vingança ao demiti-la. Eles prometem processar Clinton.
Duas horas antes de deixar o cargo, Clinton concedeu mais de cem perdões a pessoas condenadas criminalmente no passado, devolvendo a elas os benefícios da primariedade.
Entre os perdoados estão o próprio irmão mais novo de Clinton, Roger, condenado nos anos 80 por consumo e tráfico de drogas, Susan McDougal, ex-sócio do presidente e personagem das investigações de "Whitewater" -escândalo financeiro no Estado de Arkansas que envolveu a família Clinton-, e Patty Hearst, herdeira de um império das comunicações condenada por roubo depois de ter aderido a um grupo que a havia sequestrado.
Antes de deixar Washington, a caminho de Nova York, onde passará a morar em parte do ano, Clinton fez um rápido discurso, reafirmando que não deixará a vida pública.
"Saí da Casa Branca, mas ainda estou aqui", afirmou o ex-presidente, antes de embarcar na base aérea de Andrews. O ex-presidente, então, desejou boa sorte a Bush e ao país. "Deus os abençoe a todos", encerrou o discurso.


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