São Paulo, quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

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Tremor é oportunidade para ambições de Brasília, diz analista

SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil deveria continuar sendo protagonista no Haiti e aproveitar as dificuldades da situação para se credenciar como um país capaz de ocupar uma vaga permanente do Conselho de Segurança da ONU, segundo Heni Ozi Cukier, cientista político e professor de Relações Internacionais da ESPM. Em entrevista à Folha por telefone, ele, no entanto, criticou o governo brasileiro pelas queixas contra os EUA.

 

FOLHA - Diante do aumento brutal das dificuldades no Haiti, o Brasil deveria pensar em se retirar?
HENI CUKIER
- O Brasil tem que continuar no Haiti, onde já vinha fazendo um bom trabalho. O governo brasileiro vai ter de entrar com mais tropas e mais recursos, e isso deve acontecer.

FOLHA - Mas o Brasil tem condições materiais e políticas de seguir no centro de uma crise tão grande?
CUKIER
- Um dos pilares da candidatura brasileira a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU é um maior envolvimento em questões internacionais. Quando se olha o que alguns dos outros candidatos a uma vaga permanente no CS têm a oferecer, percebe-se que o Brasil dispõe de poucos argumentos. O Japão é um dos maiores financiadores da ONU. Sua contribuição anual é maior que a de todos os membros permanentes do CS somados, com exceção dos EUA. A Índia tem um dos maiores contingentes militares do mundo. O Brasil tem pouca gente nos altos cargos na ONU. Um dos únicos morreu justamente no tremor. Então qual é o argumento brasileiro na busca por um assento permanente no CS? Resta a participação nessa missão da ONU no Haiti. Desde 2004 o país caribenho está no caminho do Brasil rumo ao assento permanente. A pergunta é: o Brasil tem porte? Está disposto a pagar o preço para ser visto como país de estatura? É uma situação complicada, mas é também uma oportunidade.

FOLHA - Que oportunidade?
CUKIER
- É uma boa oportunidade para o Exército brasileiro. O Brasil tem fama de ser pacífico, e sua condição geopolítica o torna um país seguro. Mas temos um grande território, e é preciso estar preparado para tudo. Quem quer ser potência não pode se ausentar de questões militares e internacionais. Falta o Brasil ser um "player" em segurança internacional. Já no plano diplomático, a situação atual está levando o Brasil a se envolver em discussões em vários níveis e a dialogar com muitos outros países.

FOLHA - O Brasil tem razão de se queixar de um suposto autoritarismo dos EUA na ajuda ao Haiti?
CUKIER
- As queixas brasileiras denotam um ranço ideológico. Os americanos estão lá com aval dos haitianos, que têm autonomia para firmar pactos bilaterais com quem quiserem. O Brasil exagera ao querer mostrar que é autônomo. Prova disso é a visita do [presidente iraniano Mahmoud] Ahmadinejad, na contramão dos esforços de EUA, Europa e ONU. Foi um tiro no pé.

FOLHA - A eleição presidencial deste ano não poderia inibir os esforços do governo brasileiro no Haiti por medo de críticas da oposição?
CUKIER
- A eleição não atrapalha. Quem vai ser contra a ampliação da ajuda ao Haiti diante de um cenário como esse? Politicamente, é melhor apoiar os esforços internacionais.


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