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Tremor é oportunidade para ambições de Brasília, diz analista
SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL
O Brasil deveria continuar
sendo protagonista no Haiti e
aproveitar as dificuldades da situação para se credenciar como
um país capaz de ocupar uma
vaga permanente do Conselho
de Segurança da ONU, segundo
Heni Ozi Cukier, cientista político e professor de Relações Internacionais da ESPM.
Em entrevista à Folha por
telefone, ele, no entanto, criticou o governo brasileiro pelas
queixas contra os EUA.
FOLHA - Diante do aumento brutal
das dificuldades no Haiti, o Brasil deveria pensar em se retirar?
HENI CUKIER - O Brasil tem que
continuar no Haiti, onde já vinha fazendo um bom trabalho.
O governo brasileiro vai ter de
entrar com mais tropas e mais
recursos, e isso deve acontecer.
FOLHA - Mas o Brasil tem condições materiais e políticas de seguir
no centro de uma crise tão grande?
CUKIER - Um dos pilares da candidatura brasileira a um assento permanente no Conselho de
Segurança da ONU é um maior
envolvimento em questões internacionais.
Quando se olha o que alguns
dos outros candidatos a uma
vaga permanente no CS têm a
oferecer, percebe-se que o Brasil dispõe de poucos argumentos. O Japão é um dos maiores
financiadores da ONU. Sua
contribuição anual é maior que
a de todos os membros permanentes do CS somados, com exceção dos EUA. A Índia tem um
dos maiores contingentes militares do mundo. O Brasil tem
pouca gente nos altos cargos na
ONU. Um dos únicos morreu
justamente no tremor.
Então qual é o argumento
brasileiro na busca por um assento permanente no CS? Resta a participação nessa missão
da ONU no Haiti. Desde 2004 o
país caribenho está no caminho
do Brasil rumo ao assento permanente. A pergunta é: o Brasil
tem porte? Está disposto a pagar o preço para ser visto como
país de estatura? É uma situação complicada, mas é também
uma oportunidade.
FOLHA - Que oportunidade?
CUKIER - É uma boa oportunidade para o Exército brasileiro.
O Brasil tem fama de ser pacífico, e sua condição geopolítica o
torna um país seguro. Mas temos um grande território, e é
preciso estar preparado para
tudo. Quem quer ser potência
não pode se ausentar de questões militares e internacionais.
Falta o Brasil ser um "player"
em segurança internacional.
Já no plano diplomático, a situação atual está levando o Brasil a se envolver em discussões
em vários níveis e a dialogar
com muitos outros países.
FOLHA - O Brasil tem razão de se
queixar de um suposto autoritarismo dos EUA na ajuda ao Haiti?
CUKIER - As queixas brasileiras
denotam um ranço ideológico.
Os americanos estão lá com
aval dos haitianos, que têm autonomia para firmar pactos bilaterais com quem quiserem.
O Brasil exagera ao querer
mostrar que é autônomo. Prova
disso é a visita do [presidente
iraniano Mahmoud] Ahmadinejad, na contramão dos esforços de EUA, Europa e ONU. Foi
um tiro no pé.
FOLHA - A eleição presidencial deste ano não poderia inibir os esforços
do governo brasileiro no Haiti por
medo de críticas da oposição?
CUKIER - A eleição não atrapalha. Quem vai ser contra a ampliação da ajuda ao Haiti diante
de um cenário como esse? Politicamente, é melhor apoiar os
esforços internacionais.
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