São Paulo, sábado, 21 de fevereiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PROLIFERAÇÃO

Intermediário da transação do país com cientista paquistanês diz que o negócio foi pago em dinheiro vivo

Irã deu US$ 3 mi a contrabandista por peça nuclear

DA REDAÇÃO

O cientista Abdul Qadeer Kahn, o "pai" da bomba atômica paquistanesa, vendeu ao Irã, em meados dos anos 90, peças para a montagem de uma centrífuga, pelas quais recebeu US$ 3 milhões, em cédulas transportadas dentro de duas malas.
A informação foi dada ontem em Kuala Lumpur pela polícia da Malásia, com base no interrogatório de um intermediário da rede de traficantes de material nuclear.
Segundo a polícia, Buhary Syed Abu Tahir disse ainda, ao ser interrogado, que Khan forneceu à Líbia uma quantidade não revelada de urânio altamente enriquecido, o que está na origem do processo que pode levar à produção de bombas atômicas.
Tahir, cidadão do Sri Lanka e residente na Malásia, foi acusado pelos EUA de estar no centro dessa rede clandestina de comércio.
Ainda segundo a polícia, ele revelou que, a pedido de Khan, enviou ao Irã dois contêineres, entre 1994 e 1995, com componentes de centrífugas previamente utilizadas pelo Paquistão em seu programa nuclear.
Centrífugas são equipamentos que separam urânio enriquecido a partir do urânio natural. Dependendo do grau do enriquecimento, o projeto pode ser desviado para finalidades militares.
Segundo a versão divulgada, os US$ 3 milhões para as peças da centrífuga contrabandeada para o Irã foram trazidos por um iraniano de identidade não revelada. O portador do dinheiro foi hospedado num apartamento em Dubai reservado a pessoas que faziam escala nos Emirados Árabes Unidos para tratar de negócios com o paquistanês Abdul Khan.
O intermediário também disse que, em 2001, combustível nuclear foi transportado do Paquistão à Líbia em vôo especial. O governo paquistanês não comentou.
Ainda ontem, em Viena, a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), ligada à ONU e responsável pelo controle de instalações atômicas, disse que a Líbia chegou a obter uma pequena quantidade de plutônio, insuficiente, no entanto, para produzir um artefato nuclear.
O combustível foi obtido a partir de equipamentos comprados no mercado paralelo, disseram diplomatas da AIEA. A Líbia renunciou, no ano passado, a seu programa de armas de destruição em massa e tem recebido a assistência da AIEA para o desmantelamento de suas instalações construídas na clandestinidade.
O caso do Irã, no entanto, é mais complicado, porque o país reafirma insistentemente, contra todas as evidências, que seu programa nuclear se destina apenas à produção de eletricidade.
Além do Irã e da Líbia, Khan admitiu ter comercializado com a Coréia do Norte, outro país que está na mira dos Estados Unidos e da AIEA pela possível dimensão militar de seu programa atômico.
No caso da Malásia, a polícia local disse ontem que, além de peças de centrífugas já usadas, também foram negociados com o Irã equipamentos novos pelo intermediário de Khan. Com projeto paquistanês, a centrífuga fornecida àquele país tinha seus componentes produzidos na Malásia pela Scope, empresa que pertence a Kahaluddin Abdullah, filho do premiê da Malásia, Abdullah Ahmad Badawi, e a dois sócios seus.
A empresa admitiu ter recebido a encomenda, mas disse ter sido informada de que os tubos se destinavam a instalações industriais de petróleo e gás.
A AIEA já havia descoberto nesta semana, numa base da Aeronáutica iraniana, centrífugas de última geração. A descoberta foi negada pelo porta-voz da Chancelaria iraniana, Hamid Reza Assefi. "Não é verdade", disse ele.


Com agências internacionais


Texto Anterior: Conservadores votam e tentam mostrar força
Próximo Texto: Guerra sem limites: Supremo julgará poderes antiterror de Bush
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.