São Paulo, quarta-feira, 21 de abril de 2004

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UNIÃO EUROPÉIA

Medida põe em risco o futuro do premiê britânico e o da Carta; analistas e "eurodefensores" vêem "manobra política"

Blair sofre ataque após pedir plebiscito sobre Carta da UE

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

O premiê britânico, Tony Blair, prometeu ontem convocar um plebiscito sobre a futura Constituição européia, uma aposta política que poderá pôr em risco seu próprio futuro e o da Carta. A medida foi bastante criticada por altos funcionários da União Européia, por deputados europeus, pela imprensa alemã e pela francesa.
O premiê afirmou que os "eurocéticos" e os "eurodefensores" (que incluem seu governo), deverão ter a oportunidade de expor suas idéias. Todavia, segundo sua proposta, isso só deverá ocorrer após um debate parlamentar.
"Deixemos o povo ter a palavra final", declarou Blair no Parlamento. Anteriormente, ele dizia que a adoção da Constituição européia não alteraria as relações do Reino Unido com a UE e que, portanto, o plebiscito não era necessário. Com isso, o líder da oposição, o conservador Michael Howard -que é favorável à consulta popular-, aproveitou a chance para afirmar que "ninguém mais acreditará no premiê".
Crê-se que os líderes europeus cheguem a um consenso sobre a Constituição na cúpula de junho, pois o novo governo espanhol (do socialista José Luis Rodríguez Zapatero) e a Polônia, que bloqueavam as negociações, já indicaram que buscarão um acordo.
Blair não estabeleceu nenhuma data para a realização da votação, mas tudo indica que ela não ocorrerá antes da eleição legislativa britânica, que deverá ser realizada em maio de 2005. Assim, de acordo com analistas consultados pela Folha, a atitude de Blair parece ter como base razões domésticas.
"O premiê quer evitar que a próxima eleição geral britânica se torne um referendo sobre a Constituição da UE, o que poderia prejudicar seu Partido Trabalhista. Contudo sua aposta é arriscada. Se os britânicos se mostrarem contrários à Constituição, o futuro político de Blair e a Carta européia estarão ameaçados", analisou Michael Gallagher, professor na Universidade de Dublin.
"Afinal, mesmo que os trabalhistas vençam a eleição em 2005, Blair será compelido a deixar o seu posto se o "não" vencer o plebiscito e a passar o bastão a [Gordon] Brown [ministro das Finanças]. No caso europeu, o "não" poderia significar o colapso da Constituição, visto que, se um dos países não adotá-la, como a Carta poderá entrar em vigor?", acrescentou Gallagher. Em tese, os 25 atuais e futuros Estados-membros da UE têm de aprová-la.
A Dinamarca, a Irlanda e Luxemburgo já anunciaram a realização de um plebiscito. A Holanda, a Polônia e a Espanha provavelmente o façam. Isso faz aumentar a pressão sobre os líderes franceses, alemães e italianos, que não querem a consulta popular.
Não faltaram reações à intenção britânica. A revista alemã "Der Spiegel" classificou a decisão de Blair de um "verdadeiro golpe" no projeto europeu. Para Ingo Friedrich, vice-presidente do Parlamento Europeu, "o chefe de governo de um importante país europeu não deveria pôr em risco a Constituição por conta de cálculos políticos domésticos".
Segundo Michael Kreile, da Universidade Humboldt (Alemanha), Blair também põe em risco a influência britânica sobre o bloco. "Se o "não" prevalecer no plebiscito, Londres perderá boa parte de sua legitimidade e de sua força em futuras negociações", explicou.
A vitória no plebiscito não será fácil para Blair e para seus aliados pró-Europa. Pesquisa anteontem no tablóide "The Sun" mostrou que 53% dos britânicos são contrários à adoção da Constituição européia; só 16% são favoráveis.
Para Gallagher, Blair, que "tem grande talento político, talvez pretenda mergulhar na campanha pró-Constituição para desviar a atenção do eleitorado da Guerra do Iraque", tema que poderia minar a estreita vantagem que tem sobre os conservadores.


Com agências internacionais

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