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ENTREVISTA DA 2ª- ROBERT DREW / DOCUMENTARISTA
Obama mexe com as mesmas paixões que John Kennedy
Para o diretor do elucidativo "Primárias", corrida presidencial dos EUA perdeu espontaneidade, mas já tem seu protagonista
ELÁ SE FORAM 48 anos desde que o cineasta
Robert Drew, sua equipe e sua câmera passaram cinco dias na cola dos rivais democratas John Kennedy e Hubert Humphrey
na primária presidencial do Estado americano de
Wisconsin e inauguraram o "cinema direto", que revolucionou a linguagem do documentário. "Primárias", a obra resultante, é um marco do cinema de não-ficção ao captar cenas de seu entorno sem fazer entrevistas, buscando interferência mínima no ambiente.
DANIEL BERGAMASCO
DE NOVA YORK
No filme, John Kennedy, que
acabaria eleito presidente dos
Estados Unidos, é recebido como popstar pelos eleitores, em
cenas em que, segundo Drew,
hoje com 84 anos, têm se repetido nas prévias deste ano com
outro pré-candidato democrata, Barack Obama.
Para o cineasta, a rival do senador dentro do partido, Hillary Clinton, "é inteligente e
tem apelo à razão", mas não é
um personagem tão interessante para um documentário
por não provocar "as paixões
que Obama provoca".
O diretor, que esteve no Brasil em 2006 para uma retrospectiva de sua obra no festival
"É Tudo Verdade", diz que viu
no país o documentário "Entreatos", de João Moreira Salles e que o considera o melhor
filme já feito ao estilo de "Primárias" -graças também a seu
protagonista, o presidente Lula, a quem diz admirar: "Percebi que o homem que vi naquele
filme poderia mover pessoas".
A seguir, os principais trechos
da entrevista de Drew à Folha.
FOLHA - Em "Primárias", Kennedy
causa furor no público, enquanto
Humphrey puxa reação mais amena. Há paralelos entre eles e os personagens da campanha de 2008?
ROBERT DREW - Sim, com Barack
Obama, que desperta o mesmo
tipo de paixão de Kennedy. É
maravilhoso comparar. Obama
é muito mais como Kennedy do
que qualquer outro candidato
na história. Ele tem a mesma
habilidade de alcançar as pessoas emocionalmente que Kennedy tinha. Os dois sabem como usar sentimentos. Fazia
muito, muito tempo que não tínhamos um presidente capaz
de usar palavras e sentimento
ao mesmo tempo [risos]. Veja,
algumas pessoas se surpreendem em como o Bush consegue
andar e mascar chiclete ao
mesmo tempo [risos].
FOLHA - Mas Bill Clinton, por
exemplo, foi considerado um presidente carismático.
DREW - Eu acho que Bill Clinton também era um mestre na
campanha, mas ele não provocava a mesma febre. Usava palavras e sentimentos, OK, foi
um presidente eficiente, mas
não é a mesma coisa.
FOLHA - Se o senhor fosse refazer
"Primárias" em 2008, quais candidatos escolheria registrar?
DREW - Se eu fosse fazer um filme agora, ia querer fazer um filme comparativo entre dois personagens. E um deles seria certamente Obama. O outro seria
o [virtual] candidato republicano, John McCain. E aí você tem
um verdadeiro contraste. O homem de uma vida de guerra e o
homem de uma vida de paz. E
seria um filme muito legal.
FOLHA - E Hillary?
DREW - Bem... Hillary Clinton... ela não provoca as paixões
que Obama provoca. Mas ela é
inteligente e tem apelo à razão.
Ambos seriam um tremendo
avanço em relação a George
Bush. Hillary Clinton fala com
conhecimento e razão. E o
George Bush é justamente o
contrário disso. Mas perceba,
eu não estou revelando meu voto, estou falando da força deles
como personagens.
FOLHA - Entre os vários paralelos
entre Kennedy e Obama, o seu filme
mostra como o primeiro também
enfatizava a mensagem de esperança na campanha. O que é diferente
no uso dessa palavra hoje?
DREW - Humm... Não sei. Ambos estão falando para gente de
verdade, para pessoas que precisam de algo, e dar a elas esperança não é caro. É barato e
muito eficiente. Nos dois casos.
Quando você ouve McCain falando, você já pensa em guerra,
em algo negativo.
FOLHA - Mas McCain parece ser
forte, segundo as pesquisas, para
enfrentar os democratas na eleição
presidencial em novembro.
DREW - Bom, eu gosto do
McCain, acho ele um tremendo
especialista. Eu fui piloto na Segunda Guerra, e ele foi um piloto de guerra. Ambos fomos
atingidos por tiros, tivemos experiências similares, apesar de
eu nunca ter sido torturado.
Gosto de McCain. Mas quando
ouço o que ele diz, o que ele
apoia, ele é um personagem bélico, e a última coisa de que precisamos é de um personagem
bélico na Presidência.
FOLHA - Outro paralelo: fala-se do
medo de que assassinem Obama,
como aconteceu com Kennedy.
DREW - Bom, eu acho que o
mundo é um lugar perigoso e
que Obama deveria escolher
um bom vice-presidente [risos]. Foi uma piada. Porque ele
talvez possa ser assassinado. O
mundo é perigoso. Qualquer
presidente deve ter normalmente uns 30% de chance de
ser morto. Ele, sendo negro,
tem uns 50%.
FOLHA - "Primárias" é esclarecedor
em como a campanha presidencial
americana é às vezes um trabalho
de formiga, do candidato à Presidência do país mais poderoso do
mundo tendo de fazer campanha
para uma dezena de pessoas de cada vez em um Estado estratégico. O
que mudou entre 1960 e 2008?
DREW - A grande mudança é o
jeito como os candidatos se comunicam com a imprensa.
Quando fiz "Primárias", eu tinha a única câmera lá. E agora,
na mesma situação, você tem
50 câmeras e 50 microfones e
ônibus lotados pela imprensa.
Conseqüentemente o que o
candidato diz hoje em dia é para a mídia, para fora, não para
as pessoas que estão ali. É uma
grande diferença. Eles só dizem
o que os assessores dizem que
venderá suas candidaturas.
FOLHA - Os repórteres de hoje
usam bem as câmeras?
DREW - Penso que eles têm um
problema que nós não tínhamos. Nós registrávamos o que
realmente acontecia nos bastidores da campanha. Agora as
câmeras estão confinadas a certos lugares e todos filmam a
mesma coisa. Eu odiaria ser um
câmera hoje em dia, sem poder
filmar algo além do que é apresentado pronto pelo candidato.
É tudo coreografado. Quando
filmamos "Primárias", as coisas
eram espontâneas.
FOLHA - O senhor acompanha a
eleição pela TV?
DREW - Vejo pela CNN, os debates, esse tipo de coisa. Eles
fazem o que podem. O que podem é limitado, porque são
muitos. E também é limitado
porque não acho que pensar tenha sido muito prioritário para
os repórteres, então, no final
das contas, muitos deles acabam dizendo a mesma coisa.
FOLHA - Há dois anos o senhor esteve no Brasil e disse que faria um
documentário sobre a vida da ministra Marina da Silva. O que aconteceu
com o projeto?
DREW - Eu queria muito fazer
esse filme sobre ela e a Amazônia ao mesmo tempo. Quando
voltei, vi que não teria o dinheiro necessário. Fiquei decepcionado, ainda gostaria de fazer. O
que me impressiona no Brasil é
o país ter a floresta mais importante do mundo e, apesar disso,
ninguém ser capaz de proteger
a Amazônia, de combater as
forças que a destroem. Para
mim, é uma história interessante. Mas como está a Marina
Silva? Continua no ministério?
FOLHA - Continua.
DREW - E o [presidente Luiz
Inácio Lula] da Silva? Como está a popularidade dele?
FOLHA - A aprovação é recorde.
DREW - Maravilhoso! Maravilhoso! Olha, tenho de lhe dizer
que, quando eu estava no Brasil, vi o filme que fizeram sobre
ele ["Entreatos"], que é mais ou
menos no esquema em que eu
fiz o meu. É um filme fantástico, o melhor já feito no mundo
nesse esquema. E Silva [Lula]
se mostra um personagem tão
quente, maravilhoso e espontâneo que vi que ele seria muito
bem-sucedido. Não sei nada sobre política no Brasil. Eu só sei
que percebi que o homem que
vi naquele filme podia comover
pessoas. Eu o admiro muito.
FOLHA - Como o senhor vê os documentários politizados mais recentes, como os de Michael Moore?
DREW - O coração de Michael
Moore está no lugar correto,
mas ele está jogando com o público, então não o considero um
repórter. Quando ele faz um filme, injeta certo senso de humor e certo senso de abrangência [de público] que o demove
de ser repórter. Ele se torna um
intérprete. Ele é bom, só não o
chamem de repórter ou documentarista. Ele faz algo diferente, faz entretenimento baseado em suas opiniões.
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