São Paulo, segunda-feira, 21 de abril de 2008

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ENTREVISTA DA 2ª- ROBERT DREW / DOCUMENTARISTA

Obama mexe com as mesmas paixões que John Kennedy

Para o diretor do elucidativo "Primárias", corrida presidencial dos EUA perdeu espontaneidade, mas já tem seu protagonista

ELÁ SE FORAM 48 anos desde que o cineasta Robert Drew, sua equipe e sua câmera passaram cinco dias na cola dos rivais democratas John Kennedy e Hubert Humphrey na primária presidencial do Estado americano de Wisconsin e inauguraram o "cinema direto", que revolucionou a linguagem do documentário. "Primárias", a obra resultante, é um marco do cinema de não-ficção ao captar cenas de seu entorno sem fazer entrevistas, buscando interferência mínima no ambiente.

DANIEL BERGAMASCO
DE NOVA YORK

No filme, John Kennedy, que acabaria eleito presidente dos Estados Unidos, é recebido como popstar pelos eleitores, em cenas em que, segundo Drew, hoje com 84 anos, têm se repetido nas prévias deste ano com outro pré-candidato democrata, Barack Obama.
Para o cineasta, a rival do senador dentro do partido, Hillary Clinton, "é inteligente e tem apelo à razão", mas não é um personagem tão interessante para um documentário por não provocar "as paixões que Obama provoca".
O diretor, que esteve no Brasil em 2006 para uma retrospectiva de sua obra no festival "É Tudo Verdade", diz que viu no país o documentário "Entreatos", de João Moreira Salles e que o considera o melhor filme já feito ao estilo de "Primárias" -graças também a seu protagonista, o presidente Lula, a quem diz admirar: "Percebi que o homem que vi naquele filme poderia mover pessoas".
A seguir, os principais trechos da entrevista de Drew à Folha.

 

FOLHA - Em "Primárias", Kennedy causa furor no público, enquanto Humphrey puxa reação mais amena. Há paralelos entre eles e os personagens da campanha de 2008?
ROBERT DREW -
Sim, com Barack Obama, que desperta o mesmo tipo de paixão de Kennedy. É maravilhoso comparar. Obama é muito mais como Kennedy do que qualquer outro candidato na história. Ele tem a mesma habilidade de alcançar as pessoas emocionalmente que Kennedy tinha. Os dois sabem como usar sentimentos. Fazia muito, muito tempo que não tínhamos um presidente capaz de usar palavras e sentimento ao mesmo tempo [risos]. Veja, algumas pessoas se surpreendem em como o Bush consegue andar e mascar chiclete ao mesmo tempo [risos].

FOLHA - Mas Bill Clinton, por exemplo, foi considerado um presidente carismático.
DREW -
Eu acho que Bill Clinton também era um mestre na campanha, mas ele não provocava a mesma febre. Usava palavras e sentimentos, OK, foi um presidente eficiente, mas não é a mesma coisa.

FOLHA - Se o senhor fosse refazer "Primárias" em 2008, quais candidatos escolheria registrar?
DREW -
Se eu fosse fazer um filme agora, ia querer fazer um filme comparativo entre dois personagens. E um deles seria certamente Obama. O outro seria o [virtual] candidato republicano, John McCain. E aí você tem um verdadeiro contraste. O homem de uma vida de guerra e o homem de uma vida de paz. E seria um filme muito legal.

FOLHA - E Hillary?
DREW -
Bem... Hillary Clinton... ela não provoca as paixões que Obama provoca. Mas ela é inteligente e tem apelo à razão. Ambos seriam um tremendo avanço em relação a George Bush. Hillary Clinton fala com conhecimento e razão. E o George Bush é justamente o contrário disso. Mas perceba, eu não estou revelando meu voto, estou falando da força deles como personagens.

FOLHA - Entre os vários paralelos entre Kennedy e Obama, o seu filme mostra como o primeiro também enfatizava a mensagem de esperança na campanha. O que é diferente no uso dessa palavra hoje?
DREW -
Humm... Não sei. Ambos estão falando para gente de verdade, para pessoas que precisam de algo, e dar a elas esperança não é caro. É barato e muito eficiente. Nos dois casos. Quando você ouve McCain falando, você já pensa em guerra, em algo negativo.

FOLHA - Mas McCain parece ser forte, segundo as pesquisas, para enfrentar os democratas na eleição presidencial em novembro.
DREW -
Bom, eu gosto do McCain, acho ele um tremendo especialista. Eu fui piloto na Segunda Guerra, e ele foi um piloto de guerra. Ambos fomos atingidos por tiros, tivemos experiências similares, apesar de eu nunca ter sido torturado. Gosto de McCain. Mas quando ouço o que ele diz, o que ele apoia, ele é um personagem bélico, e a última coisa de que precisamos é de um personagem bélico na Presidência.

FOLHA - Outro paralelo: fala-se do medo de que assassinem Obama, como aconteceu com Kennedy.
DREW -
Bom, eu acho que o mundo é um lugar perigoso e que Obama deveria escolher um bom vice-presidente [risos]. Foi uma piada. Porque ele talvez possa ser assassinado. O mundo é perigoso. Qualquer presidente deve ter normalmente uns 30% de chance de ser morto. Ele, sendo negro, tem uns 50%.

FOLHA - "Primárias" é esclarecedor em como a campanha presidencial americana é às vezes um trabalho de formiga, do candidato à Presidência do país mais poderoso do mundo tendo de fazer campanha para uma dezena de pessoas de cada vez em um Estado estratégico. O que mudou entre 1960 e 2008?
DREW -
A grande mudança é o jeito como os candidatos se comunicam com a imprensa. Quando fiz "Primárias", eu tinha a única câmera lá. E agora, na mesma situação, você tem 50 câmeras e 50 microfones e ônibus lotados pela imprensa. Conseqüentemente o que o candidato diz hoje em dia é para a mídia, para fora, não para as pessoas que estão ali. É uma grande diferença. Eles só dizem o que os assessores dizem que venderá suas candidaturas.

FOLHA - Os repórteres de hoje usam bem as câmeras?
DREW -
Penso que eles têm um problema que nós não tínhamos. Nós registrávamos o que realmente acontecia nos bastidores da campanha. Agora as câmeras estão confinadas a certos lugares e todos filmam a mesma coisa. Eu odiaria ser um câmera hoje em dia, sem poder filmar algo além do que é apresentado pronto pelo candidato. É tudo coreografado. Quando filmamos "Primárias", as coisas eram espontâneas.

FOLHA - O senhor acompanha a eleição pela TV?
DREW -
Vejo pela CNN, os debates, esse tipo de coisa. Eles fazem o que podem. O que podem é limitado, porque são muitos. E também é limitado porque não acho que pensar tenha sido muito prioritário para os repórteres, então, no final das contas, muitos deles acabam dizendo a mesma coisa.

FOLHA - Há dois anos o senhor esteve no Brasil e disse que faria um documentário sobre a vida da ministra Marina da Silva. O que aconteceu com o projeto?
DREW -
Eu queria muito fazer esse filme sobre ela e a Amazônia ao mesmo tempo. Quando voltei, vi que não teria o dinheiro necessário. Fiquei decepcionado, ainda gostaria de fazer. O que me impressiona no Brasil é o país ter a floresta mais importante do mundo e, apesar disso, ninguém ser capaz de proteger a Amazônia, de combater as forças que a destroem. Para mim, é uma história interessante. Mas como está a Marina Silva? Continua no ministério?

FOLHA - Continua.
DREW -
E o [presidente Luiz Inácio Lula] da Silva? Como está a popularidade dele?

FOLHA - A aprovação é recorde.
DREW -
Maravilhoso! Maravilhoso! Olha, tenho de lhe dizer que, quando eu estava no Brasil, vi o filme que fizeram sobre ele ["Entreatos"], que é mais ou menos no esquema em que eu fiz o meu. É um filme fantástico, o melhor já feito no mundo nesse esquema. E Silva [Lula] se mostra um personagem tão quente, maravilhoso e espontâneo que vi que ele seria muito bem-sucedido. Não sei nada sobre política no Brasil. Eu só sei que percebi que o homem que vi naquele filme podia comover pessoas. Eu o admiro muito.

FOLHA - Como o senhor vê os documentários politizados mais recentes, como os de Michael Moore?
DREW -
O coração de Michael Moore está no lugar correto, mas ele está jogando com o público, então não o considero um repórter. Quando ele faz um filme, injeta certo senso de humor e certo senso de abrangência [de público] que o demove de ser repórter. Ele se torna um intérprete. Ele é bom, só não o chamem de repórter ou documentarista. Ele faz algo diferente, faz entretenimento baseado em suas opiniões.


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