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"Pós-guerra no Iraque foi planejado de modo irreal"
Para autor de novo livro sobre o conflito, sucessão de erros levou ao caos atual
Falhas americanas foram da insuficiência de efetivos às previsões enganosas da CIA, preocupada com as armas que Saddam não possuía
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
O Iraque é um tema quase
obsessivo na recente produção
bibliográfica americana. Os
grandes jornais têm resenhado
algo em torno de 20 livros recentemente publicados.
Um dos mais instigantes é
"Cobra-2, Inside Story of the
Invasion and Occupation of
Iraq" (Cobra-2, relato interno
da invasão e da ocupação do
Iraque), uma brochura de 600
páginas escrita em conjunto
pelo general da reserva Bernard Trainor e pelo jornalista
Michael Gordon, especialista
em questões militares no "New
York Times".
Por meio de uma profusão de
documentos e entrevistas, eles
afirmam que o Iraque verdadeiro não era o idealizado pelo
secretário da Defesa, Donald
Rumsfeld. Cometeram-se graves erros de estratégia -como a
própria definição sobre
quais as forças
inimigas mais
perigosas, que
foram os paramilitares fedayin e não a
Guarda Republicana.
Em entrevista à Folha,
Gordon diz
que a sucessão
de erros foi da
insuficiência
de efetivos até
as previsões
equivocadas
da CIA, preocupada com as
armas de destruição em
massa que Saddam Hussein
não possuía.
FOLHA - Por que a estratégia de
formar forças terrestres menores,
mais ágeis, não funcionou?
MICHAEL GORDON - Essa estratégia funcionou até a queda de
Bagdá. Os EUA tinham um contingente suficiente para derrotar a Guarda Republicana [unidade regular de elite de Saddam
Hussein], se apoderar da capital e derrubar a ditadura. Mas
os americanos não tinham as
forças necessárias para em seguida controlar o país.
FOLHA - O secretário da Defesa,
Donald Rumsfeld, desconhecia o papel dos "fedayin" [grupos paramilitares] de Saddam?
GORDON - O secretário Rumsfeld e o general Tommy Franks
[comandante americano da invasão] acreditavam que o principal alvo seria a Guarda Republicana, o que era verdade na
Guerra do Golfo, e ignoraram o
potencial de resistência representado pelos fedayin e por outras forças paramilitares.
FOLHA - Foi um erro de estratégia
militar ou um erro dos serviços de inteligência?
GORDON - Donald Rumsfeld e
seus adjuntos mantiveram
uma relação de paixão muito
forte com os planos que eles
próprios elaboraram de início.
Com isso, demoraram para
compreender que precisavam
modificar a estratégia. Paralelamente, ocorreu também uma
deficiência da inteligência.
FOLHA - A seu ver, naquele momento, os fedayin eram a única raiz
da insurgência?
GORDON - Já naquele momento eles representavam apenas
um dos componentes da insurgência, que é formada por forças bastante heterogêneas. Mas
os americanos ignoraram desde o início a importância dos fedayin, e esse erro de análise impediu que o comando militar
percebesse que a guerra não
terminaria após a queda de
Bagdá.
FOLHA - De onde surgiu a idéia de
que os soldados americanos seriam
saudados como libertadores?
GORDON - As forças americanas chegaram a ser recebidas
como libertadoras em muitas
regiões, sobretudo entre os xiitas, que totalizam 60% da população e estavam alijados do
poder. O que o governo americano demorou para entender é
que essa reação
não se generalizou e que ela não
se prolongaria
nos bolsões xiitas por um período mais longo.
FOLHA - A CIA não
errou de foco ao privilegiar as armas de
destruição em massa, que finalmente
a ditadura de Saddam não possuía?
GORDON - Ela errou. Não havia
quantidade suficiente de agentes
da CIA no Iraque. Por outro lado, a CIA teve o
mérito de ter sido a primeira a
notar o potencial de conflito de
xiitas contra sunitas.
FOLHA - Sumariamente, o que não
estava previsto?
GORDON - Era evidente que
ocorreria alguma forma de reação à presença americana. A
minoria sunita ocupava o topo
da pirâmide e perderia esse
privilégio. Os americanos, por
uma questão demográfica,
transferiram mais poder à
maioria xiita. De qualquer modo a resistência poderia ter sido neutralizada caso os americanos tivessem mais combatentes. E houve, por fim, a decisão desastrada de acabar com o
Exército iraquiano, tomada por
Paul Bremer, o governador
americano no Iraque, com o
apoio de Donald Rumsfeld.
FOLHA - Houve um planejamento
equivocado do pós-Guerra ou não
houve planejamento nenhum?
GORDON - Havia planos, mas
planos irreais, porque eram baseados numa visão excessivamente otimista sobre a maneira pela qual os iraquianos reagiriam à presença estrangeira.
FOLHA - Em caso de intervenção
americana no Irã, as coisas serão diferentes?
GORDON - Não há planos para
uma invasão militar no Irã.
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