São Paulo, domingo, 21 de maio de 2006

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"Pós-guerra no Iraque foi planejado de modo irreal"

Para autor de novo livro sobre o conflito, sucessão de erros levou ao caos atual

Falhas americanas foram da insuficiência de efetivos às previsões enganosas da CIA, preocupada com as armas que Saddam não possuía


JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O Iraque é um tema quase obsessivo na recente produção bibliográfica americana. Os grandes jornais têm resenhado algo em torno de 20 livros recentemente publicados. Um dos mais instigantes é "Cobra-2, Inside Story of the Invasion and Occupation of Iraq" (Cobra-2, relato interno da invasão e da ocupação do Iraque), uma brochura de 600 páginas escrita em conjunto pelo general da reserva Bernard Trainor e pelo jornalista Michael Gordon, especialista em questões militares no "New York Times". Por meio de uma profusão de documentos e entrevistas, eles afirmam que o Iraque verdadeiro não era o idealizado pelo secretário da Defesa, Donald Rumsfeld. Cometeram-se graves erros de estratégia -como a própria definição sobre quais as forças inimigas mais perigosas, que foram os paramilitares fedayin e não a Guarda Republicana. Em entrevista à Folha, Gordon diz que a sucessão de erros foi da insuficiência de efetivos até as previsões equivocadas da CIA, preocupada com as armas de destruição em massa que Saddam Hussein não possuía.

 

FOLHA - Por que a estratégia de formar forças terrestres menores, mais ágeis, não funcionou?
MICHAEL GORDON -
Essa estratégia funcionou até a queda de Bagdá. Os EUA tinham um contingente suficiente para derrotar a Guarda Republicana [unidade regular de elite de Saddam Hussein], se apoderar da capital e derrubar a ditadura. Mas os americanos não tinham as forças necessárias para em seguida controlar o país.

FOLHA - O secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, desconhecia o papel dos "fedayin" [grupos paramilitares] de Saddam?
GORDON -
O secretário Rumsfeld e o general Tommy Franks [comandante americano da invasão] acreditavam que o principal alvo seria a Guarda Republicana, o que era verdade na Guerra do Golfo, e ignoraram o potencial de resistência representado pelos fedayin e por outras forças paramilitares.

FOLHA - Foi um erro de estratégia militar ou um erro dos serviços de inteligência?
GORDON -
Donald Rumsfeld e seus adjuntos mantiveram uma relação de paixão muito forte com os planos que eles próprios elaboraram de início. Com isso, demoraram para compreender que precisavam modificar a estratégia. Paralelamente, ocorreu também uma deficiência da inteligência.

FOLHA - A seu ver, naquele momento, os fedayin eram a única raiz da insurgência?
GORDON -
Já naquele momento eles representavam apenas um dos componentes da insurgência, que é formada por forças bastante heterogêneas. Mas os americanos ignoraram desde o início a importância dos fedayin, e esse erro de análise impediu que o comando militar percebesse que a guerra não terminaria após a queda de Bagdá.

FOLHA - De onde surgiu a idéia de que os soldados americanos seriam saudados como libertadores?
GORDON -
As forças americanas chegaram a ser recebidas como libertadoras em muitas regiões, sobretudo entre os xiitas, que totalizam 60% da população e estavam alijados do poder. O que o governo americano demorou para entender é que essa reação não se generalizou e que ela não se prolongaria nos bolsões xiitas por um período mais longo.

FOLHA - A CIA não errou de foco ao privilegiar as armas de destruição em massa, que finalmente a ditadura de Saddam não possuía?
GORDON -
Ela errou. Não havia quantidade suficiente de agentes da CIA no Iraque. Por outro lado, a CIA teve o mérito de ter sido a primeira a notar o potencial de conflito de xiitas contra sunitas.

FOLHA - Sumariamente, o que não estava previsto?
GORDON -
Era evidente que ocorreria alguma forma de reação à presença americana. A minoria sunita ocupava o topo da pirâmide e perderia esse privilégio. Os americanos, por uma questão demográfica, transferiram mais poder à maioria xiita. De qualquer modo a resistência poderia ter sido neutralizada caso os americanos tivessem mais combatentes. E houve, por fim, a decisão desastrada de acabar com o Exército iraquiano, tomada por Paul Bremer, o governador americano no Iraque, com o apoio de Donald Rumsfeld.

FOLHA - Houve um planejamento equivocado do pós-Guerra ou não houve planejamento nenhum?
GORDON -
Havia planos, mas planos irreais, porque eram baseados numa visão excessivamente otimista sobre a maneira pela qual os iraquianos reagiriam à presença estrangeira.

FOLHA - Em caso de intervenção americana no Irã, as coisas serão diferentes?
GORDON -
Não há planos para uma invasão militar no Irã.


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