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OPINIÃO
O tropeço do Brasil no Irã
ANDRES OPPENHEIMER
DO "MIAMI HERALD"
A AUTOPROCLAMADA
vitória diplomática do
Brasil no Irã no início
da semana levou comentaristas
a afirmar que o país teria se
convertido num novo protagonista da diplomacia mundial.
Mas é provável que tenham
se enganado, ou, no mínimo, falado antes da hora.
Em vez disso, o anúncio feito
na segunda pelo presidente
Luiz Inácio Lula da Silva de que
Brasil e Turquia tinham mediado um acordo com o Irã para
resolver a crise internacional
em torno do programa nuclear
iraniano pode ficar na história
como caso típico de megalomania diplomática.
O anúncio pode também levantar perguntas crescentes
sobre o porquê de Lula estar
tentando resolver sozinho os
maiores problemas do mundo
-como o programa nuclear iraniano ou, semanas antes, o conflito israelo-palestino- ao
mesmo tempo em que praticamente não move uma palha para tentar mediar disputas que
estão muito mais perto de casa,
na própria América Latina.
Após firmar o acordo entre
os três países durante sua visita
ao Irã, Lula, enlevado, ergueu
suas mãos com o homem-forte
iraniano Mahmoud Ahmadinejad e o primeiro-ministro turco
Recep Tayyip Erdogan e proclamou que o acordo foi "uma
vitória da diplomacia".
Pelo pacto, o Irã concordou
em enviar 1.200 quilos de urânio pouco enriquecido à Turquia. Em troca, receberia mais
ou menos um ano mais tarde
120 quilos de urânio enriquecido da Rússia e da França.
O acordo é semelhante ao
proposto em outubro por EUA,
Rússia, China e Europa, que o
Irã chegou a sinalizar que aceitaria para depois recuar.
Defensores do esforço de
mediação brasileiro-turco observam que o Irã fez concessões
importantes no novo acordo:
até agora, Teerã vinha rejeitando a ideia de armazenar seu
urânio no exterior e exigia que
qualquer troca fosse feita de
maneira simultânea.
Sanções
Contudo, horas apenas depois de Lula ter declarado vitória, a secretária de Estado dos
EUA, Hillary Clinton, anunciou
que o governo Obama tinha fechado um acordo com Rússia,
China, França e Reino Unido
para impor sanções ao Irã.
Em outras palavras, as potências mundiais viram o trato
feito pelo Irã com o Brasil e a
Turquia como mais uma tentativa de Teerã de ganhar tempo
enquanto continua a construir
armas nucleares em segredo.
Especialistas em proliferação nuclear dizem que o pacto
Brasil-Turquia-Irã para reativar o plano de outubro foi falho
porque as circunstâncias mudaram significativamente desde então: o Irã continuou a
enriquecer urânio a todo vapor
nos últimos sete meses.
Isso significa que o acordo
prevê a troca de uma porcentagem muito menor do estoque
de urânio iraniano do que previa o plano anterior.
"Não acho que tenha sido
uma vitória diplomática", diz
Sharon Squassoni, especialista
em proliferação nuclear do
Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington. "Foi, na verdade, uma
iniciativa preventiva da parte
do Irã para evitar novas sanções. Como tal, fracassou."
Vizinhos
Minha opinião: não há nada
de errado em uma potência
emergente como o Brasil tentar
resolver grandes crises internacionais, apesar de Lula ter
um histórico lamentável de
sempre partir para o resgate de
alguns dos ditadores mais implacáveis do mundo.
Eu gostaria muito de ver o
Brasil assumindo riscos para
apoiar a democracia e os direitos humanos.
Mas por que o Brasil não tenta mediar o conflito entre Venezuela e Colômbia em torno
das Farc? Ou a disputa prolongada entre Argentina e Uruguai
em torno de uma fábrica de celulose na fronteira entre os países? Ou a disputa territorial entre Chile e Peru? Ou o conflito
entre Equador e Colômbia suscitado pelo ataque de 2008
contra uma base da guerrilha
colombiana no Equador?
O Brasil provavelmente considera que as disputas latino-americanas não fazem jus a sua
estatura internacional. É possível que tema que exercer um
papel pacificador maior na região seja acompanhado de responsabilidades econômicas
que não deseja assumir.
Mas não é possível ser um
anão diplomático em sua própria região e tentar ser um gigante longe de casa. Se o Brasil
quiser ser um ator construtivo
nos assuntos internacionais,
poderia começar por comportar-se como tal em casa.
Tradução de CLARA ALLAIN
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