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VIZINHO EM CRISE
Geração que nunca viu a Colômbia em paz é maioria entre os recrutas; maior parte do salário dos menores vai para os pais
Farc treinam adolescentes para a guerra
THOMAS TRAUMANN
ENVIADO ESPECIAL À COLÔMBIA
São 4h25 e ainda está escuro na
selva amazônica quando começa
o dia dos guerrilheiros das Farc
(Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Um apito, que
depois será usado nos jogos de
vôlei, é o despertador dos 30 garotos e garotas com idade entre 14 e
19 anos que estão no acampamento a 500 m do quartel-general das
Farc, em um vilarejo de San Vicente del Caguán (sudoeste da
Colômbia). Todos, incluindo o
comandante, nasceram depois da
criação das Farc, em 1964. São de
uma geração que nunca viu a Colômbia sem guerra.
Os guerrilheiros-adolescentes
se levantam com o rifle carregado,
pendurado no ombro e destravado -pronto para atirar. É um
procedimento obrigatório.
Um dos maiores movimentos
guerrilheiros do planeta, as Farc
controlam mais de um terço do
território da Colômbia. Para o
conflito com o governo, que deve
se iniciar nas próximas semanas,
pretendem aumentar a sua tropa
de 15 mil para 20 mil. Quase todos
os novos recrutas serão adolescentes. O confronto com o Exército vai ocorrer na fronteira com o
Equador, território controlado
pelas Farc. É lá que o governo vai
começar as operações do "Plano
Colômbia", projeto apoiado pelos
EUA para combater o tráfico.
A proximidade com o quartel-general permite aos jovens recrutas das Farc confortos impossíveis
aos demais acampamentos guerrilheiros, como o banho de ducha
e um gerador para o aparelho de
TV de 14 polegadas. Na selva, os
banhos são coletivos.
Menos de cinco minutos depois
do apito de despertar, os recrutas
estão em formação de sentido na
clareira que fica à margem do
acampamento. Com o mesmo
uniforme de camuflagem com
que dormiram e usando botas de
borracha, fazem exercícios de
alongamento e começam a correr.
No total, passam cinco horas do
dia correndo e fazendo ginástica.
Segundo o "Manual de Exercícios Guerrilheiros", o recruta não
deve ir a combate com menos de
seis meses de treinamento. Embora o regime no local seja militar, o clima entre recrutas lembra
o de uma aula de educação física.
O clima de camaradagem é incentivado."Já fui salvo por camaradas que, na hora, trocaram o
pente do fuzil mais rápido do que
eu", contou Sandoval, 16. Irmão
de guerrilheiro, Sandoval deixou
os pais aos 13 anos para se juntar
aos rebeldes. "As Farc são o braço
armado contra a miséria."
No seu caso é a pura verdade. Os
seus pais estão desempregados e
sobrevivem com o que recebem
do salário dos filhos guerrilheiros.
Com uma taxa de desemprego
de 20,4%, a Colômbia não oferece
oportunidades para os jovens pobres da zona rural, a base das
Farc. Um guerrilheiro ganha inicialmente cerca de R$ 400 mensais -mais de duas vezes o salário mínimo. No caso dos menores
de idade, as Farc repassam a
maior parte do salário aos pais.
Sem ter passado do primeiro
grau, Sandoval acha que é melhor
com um rifle na mão do que
aprendendo aritmética na escola.
"Acerto o que você quiser a 400
metros de distância", gabou-se.
"O principal é aprender a ter
calma, saber obedecer ao comando na hora de atacar. Daí a gente
pega o inimigo de surpresa e sai
vivo", explicou José Carlos, 19.
Cada guerrilheiro carrega no
mínimo cinco armas: um fuzil
com capacidade mínima de vinte
tiros, uma pistola automática
com seis tiros, faca e duas granadas. A granada é a arma favorita
dos novatos por permitir ataques
sem confronto direto. "Você destrava e conta: um, dois. Daí você
joga e se abaixa. Ao contar seis, ela
explode", ensinou Alberto, 18.
Nas Farc vigora um espírito de
igualitarismo. Com a exceção da
cúpula, todos os guerrilheiros lavam suas roupas, montam as barracas e treinam diariamente. Dormem sobre tábuas ou no chão.
A dieta é repetitiva. Pela manhã,
depois dos primeiros exercícios,
os rebeldes tomam café doce com
panqueca de trigo. Antes das 7h,
tomam uma sopa de repolho com
ovo. No almoço, feijão com carne
de charque -prato que pode ser
repetido no jantar ou substituído
por macarrão com molho de tomate. Não há verduras e, para sobremesa, há bananas ou laranjas.
Estimativas do Exército apontam que as Farc gastam quase
US$ 150 milhões por ano para
manter sua estrutura. O dinheiro
vem dos sequestros e "impostos"
cobrados dos produtores de coca.
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