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Nuremberg foi justo com nazistas, diz historiador
Os Aliados estavam tentados a executar os réus sem nenhum tipo de apelação. Deve-se ao julgamento o fato de isso não ter acontecido
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DO EDITOR-ADJUNTO DE MUNDO
Se dependesse de Winston
Churchill, os principais líderes
nazistas teriam sido todos fuzilados, sem muita discussão, no minuto seguinte à rendição alemã na
Segunda Guerra (1939-45). Mas,
como não cabia ao premie britânico decidir sozinho a sorte dos
derrotados, vingou a idéia do
chanceler soviético, Vyacheslav
Molotov, de instalar um tribunal
internacional -logo Molotov,
que integrava um governo cujo
ditador, Josef Stálin, chegou a sugerir a execução sumária de 50
mil nazistas (e Franklin Roosevelt, presidente americano, respondeu que 49 mil bastavam).
Como se nota, a situação dos
nazistas ao final da guerra não era
nada boa, para onde quer que se
olhasse. Assim, na opinião do historiador Robert Gellately, organizador do livro "As Entrevistas de
Nuremberg", o julgamento dos
chefes do Terceiro Reich, a despeito das imensas pressões decorrentes das atrocidades cometidas
na guerra, foi o mais justo possível
naquelas circunstâncias.
"Os Aliados estavam tentados a
executar os réus sem nenhum tipo de apelação. Deve-se ao julgamento o fato de isso não ter acontecido", disse Gellately à Folha.
Na entrevista, ele critica a demonização dos nazistas ("não foram "demônios" que cometeram
esses crimes indizíveis, mas seres
humanos") e diz que é justamente
sua humanidade que torna seus
crimes mais complexos. Leia a seguir a entrevista de Gellately, que
é especialista em Holocausto e
história alemã e russa na Universidade Estadual da Flórida.
(MG)
Folha - Em depoimento a Leon
Goldensohn, Hans Frank, ex-administrador nazista da Polônia, diz
que mesmo Hitler, ou particularmente ele, merecia ser ouvido no
tribunal. O que Hitler teria dito em
sua defesa se tivesse a chance?
Robert Gellately - Acho que certamente Hitler, como um anti-semita de corpo e alma, teria culpado os judeus por tudo, como ele
fez durante o Terceiro Reich. Ele
também culpava os judeus pelo
bolchevismo, pela Revolução
Russa e pelo comunismo no
mundo. Ele era um crente fervoroso da tese da "conspiração judaica internacional". Hitler talvez
tivesse tentado ressaltar os crimes
do comunismo e dizer que buscou salvar a Europa e o mundo do
comunismo e dos judeus. Ele jamais teria aprendido algo com
seus erros nem teria visto equívocos em sua "filosofia".
Folha - Na introdução do livro, o
sr. mostra que uma das principais
preocupações dos Aliados era que
o julgamento de Nuremberg fosse
o mais confiável possível. Nuremberg foi um julgamento justo?
Gellately - Acho que o julgamento foi tão justo quanto qualquer
um poderia esperar naquela época. Nem todos os acusados foram
considerados culpados e nem todos os considerados culpados foram sentenciados à morte. Não
foi um "julgamento-show". Um
"julgamento-show" era o que
acontecia na URSS dos anos 30.
Os acusados eram torturados e
iam para a corte para implorar
por perdão, mas a expectativa geral era que eles seriam executados
-e eles eram. Em Nuremberg,
ninguém foi torturado e, uma vez
que americanos e britânicos concordaram em realizar os julgamentos, eles também disseram
que seria possível a alguns dos
réus serem considerados inocentes -coisa inimaginável para os
juízes stalinistas.
Sempre é possível aperfeiçoar
um julgamento, e
o de Nuremberg
não é exceção. Dados o clima emocional da época e
o fato de que foram descobertos
os assassinatos em
massa e todas as
atrocidades sem
precedentes que
foram cometidas,
acho que temos de
concluir que o julgamento foi tão
bom quanto possível naquelas circunstâncias. Os Aliados estavam
tentados a executar os réus sem
nenhum tipo de apelação. Deve-se ao julgamento o fato de isso
não ter acontecido.
Folha - No livro, Hermann Goering, o número dois de Hitler, se irrita com as perguntas que Goldensohn lhe faz sobre sua infância. Ele
responde que não entende qual a
importância que sua infância pode
ter tido em sua vida adulta. O sr.
acha que o comportamento dos nazistas, ao menos dos líderes, pode
ser explicado, entre outras coisas,
por uma infância problemática?
Gellately - O que é interessante é
que não há uma explicação "fácil"
para o que os nazistas fizeram.
Um dos acusados [Rudolph Hess,
o número três na hierarquia nazista] não tinha condições de ser
julgado, mas o resto era normal e
são. Nem os principais acusados
nem aqueles que testemunharam
no tribunal parecem ter tido os
"óbvios" problemas de infância
ou com os pais. Muitos eram
bem-educados e inteligentes. Nenhum, dos que eu saiba, sofreu
maus-tratos ou foi espancado pelos pais. Quando os ouvimos contando suas próprias histórias, é
perturbador, exatamente porque
não há respostas "óbvias".
Folha - Falando do lado psicológico do Terceiro Reich, alguns críticos
reagiram raivosamente contra a
"humanização" de Hitler no polêmico filme alemão "A Queda!". O
sr. concorda com eles? Hitler deve
ser considerado um "monstro"?
Gellately - Eu sou contra a demonização, porque demônios
não são humanos. Não foram
"demônios" que cometeram esses
crimes indizíveis, mas seres humanos. Entendo que algumas
pessoas pensem de modo diferente e desejem relegar todos os nazistas a uma outra esfera, além da
humana, uma esfera de caráter
teológico. Eles parecem certos de
que precisamos nos manter chocados e envoltos em mistério sobre os desígnios
dos nazistas. Infelizmente, o choque passa muito
rapidamente, como podemos ver
com os neonazistas ao redor do
mundo. Eu acho
que é melhor buscar explicações
históricas e humanas para o que
aconteceu na Alemanha nazista. Isso é o que eu estou tentando fazer. Desmistificação é uma meta
educativa importante, na minha modesta opinião.
Folha - Goering, no livro, defende
as decisões militares de Hitler, a
despeito dos críticos, dentro da
Alemanha, que o culparam pela
derrota na URSS. Ele estava certo?
Gellately - Goering podia estar
correto, mas certamente as estratégias políticas e militares de Hitler eram ativamente apoiadas
por muitos, inclusive os velhos
conservadores do estafe militar
alemão. Eles pressionaram para
que o Exército fosse para Moscou,
no momento em que a oposição
deles a esse plano certamente teria tido um impacto nas decisões.
Algumas das alternativas que os
líderes militares alemães sugeriram teriam sido tão ruins ou até
piores -por exemplo, avançar
em linha reta para Moscou e ignorar Leningrado [no norte], assim
como o sul da Rússia. Isso teria
deixado as forças alemãs ainda
mais expostas ao contra-ataque.
O objetivo geral de tomar a
URSS como forma de tirar o Reino Unido da guerra, ao liquidar
seu último aliado no continente,
foi idéia de Hitler e acabou falhando pela simples razão de que à
Alemanha faltaram os recursos
necessários para realizar a "blitzkriege" [guerra-relâmpago] contra a vasta URSS.
Folha - Goering diz também que
não era anti-semita quando se tornou nazista e que estava mais interessado no que o partido de Hitler
estava oferecendo em termos políticos. A despeito do fato de que
Goering provavelmente estava
mentindo, qual foi a importância
do anti-semitismo na ascensão de
Hitler? A Alemanha era um país essencialmente anti-semita, como
diz Daniel Jonah Goldhagen, historiador de Harvard, em "Os Carrascos Voluntários de Hitler"?
Gellately - O anti-semitismo era
o alfa e o ômega do nacional-socialismo. Ponto. Historiadores
que desconsideram isso não estão
fazendo sua pesquisa como deviam. Por outro lado, nem todos
os alemães compartilhavam do
anti-semitismo de Hitler, razão
pela qual Goldhagen está errado.
Isso explica também por que os
nazistas agiram gradativamente
contra os judeus quando chegaram ao poder.
Folha - Muitas autoridades nazistas dizem no livro que um ministro
não sabia o que os outros estavam
fazendo. O sr. acredita nisso? É
realmente possível que um Estado
gigantesco como o Terceiro Reich
pudesse ser governado dessa maneira? Não soa como uma má desculpa, como a famosa "estávamos
apenas obedecendo a ordens"?
Gellately - Em qualquer sistema
político, a mão direita geralmente
não sabe o que a esquerda está fazendo. Neste caso específico, os
acusados sabiam muito mais do
que declararam saber. Isso serve
especialmente para Albert Speer
[arquiteto e depois ministro de
armamentos de Hitler], o homem
que admitiu, seletivamente, ser
"culpado", mas conveniente e desonestamente afirmou que não
sabia sobre o que estava acontecendo com os judeus.
Hitler criou o que eu chamo, em
meu livro "Backing Hitler: Consent and Coercion in Nazi Germany" [apoiando Hitler: consentimento e coerção na Alemanha
nazista], de uma ditadura consensual. Ele deu enorme liberdade
para que seus homens agissem.
Hitler queria assessores que fossem tão radicais quanto ele, mas
também queria que eles tomassem 95 em cada 100 decisões. Assim, o sistema nazista era ineficiente, mas era também dinâmico
e muito difícil de ser derrotado.
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