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Principal opositor vê fraude em benefício de presidente
Abdullah diz à Folha, porém, ter compromisso com estabilidade, a despeito do resultado
Ex-chanceler de Karzai descarta dividir o poder com atual mandatário e abre as portas para o diálogo com alas moderadas do Taleban
DO ENVIADO AO AFEGANISTÃO
O principal desafiante do
presidente Hamid Karzai, Abdullah Abdullah, afirmou ontem que "houve grandes fraudes" na região sul do Afeganistão, mas disse que manterá
uma "atitude responsável" independentemente do resultado da eleição.
O oftalmologista Abdullah,
48, concedeu entrevista exclusiva à Folha logo após almoçar
na casa de sua família, a sudoeste do centro de Cabul. Vestindo jeans, sapatos pretos, camisa branca listrada de azul e
um paletó azul-marinho, falou
pausadamente em inglês.
"Meu compromisso é com a
estabilidade", respondeu ao ser
questionado se a retórica utilizada na campanha, ameaçando
indiretamente incitar protestos de rua caso considerasse a
eleição roubada, era para valer.
Antigo conselheiro do herói
mujahid Ahmad Shah Massoud, assassinado pela Al Qaeda dois dias antes do 11 de Setembro, Abdullah fez uma
campanha considerada surpreendente por diplomatas
ocidentais e da ONU -que inicialmente previam um "passeio" de Karzai, a quem o agora
rival serviu como ministro das
Relações Exteriores.
Segundo as duas últimas pesquisas feitas por americanos no
país, Abdullah tinha cerca de
25% das intenções de voto e
podia empurrar a disputa para
o segundo turno.
Abdullah falou por 15 minutos à Folha sob uma tenda com
dois tetos no quintal da casa da
família, ainda com o indicador
pintado pela tinta eleitoral
-diferentemente de seus assessores, que haviam removido
a marca com um produto químico iraniano.
Havia segurança do lado de
fora, mas não era ostensiva. A
seu redor, correligionários com
Blackberries ligados a extensões de tomadas e laptops, e a
movimentação típica de comitês de campanha: telefonemas,
discussões, planilhas entre pilhas de garrafas de água e potes
com amêndoas.
(IGOR GIELOW)
FOLHA - Agora são 14h, o pleito
acaba às 16h. Com o sr. vê a eleição
até aqui?
ABDULLAH ABDULLAH - Houve
problemas de segurança, como
todos sabem. Mas o mais grave
foram as fraudes. Na região sul,
na grande Candahar, houve
fraudes em larga escala, segundo meu time de observadores.
Houve pessoas paradas por
policiais a caminho das urnas
em áreas em que certamente as
urnas serão preenchidas com
votos falsificados em favor de
Karzai.
FOLHA - O que mais aconteceu?
ABDULLAH - Durante toda a
campanha, fomos limitados.
No meu comício final em Cabul, prenderam os pilotos do
meu helicóptero. Aí tive de ir de
carro a meu compromisso seguinte, mas consegui chegar.
FOLHA - Na campanha, o sr. disse
que o povo "não poderia deixar" haver resultado manipulado. O que isso significa, há um limite para a manipulação antes de convocar protestos de rua?
ABDULLAH - É algo muito difícil
de dizer neste momento. Mas
quero deixar claro que minha
atitude será de responsabilidade, independentemente do resultado da eleição. Meu compromisso é com a estabilidade.
FOLHA - Em caso de haver segundo
turno contra Karzai, o sr. irá conversar com ele sobre a segurança do
pleito?
ABDULLAH - Sobre isso sim. E
mais nada. Nunca houve conversas sobre divisão de poder,
de jeito nenhum. Não houve, e
não aceito isso.
FOLHA - Se o sr. for eleito, como fica a questão de integrar o Taleban
ao processo político?
ABDULLAH - A reconciliação nacional é uma questão central
em nosso país. São muitos anos
de guerra, pessoas lutaram de
todos os lados.
FOLHA - Isso inclui o Taleban?
ABDULLAH - Não estamos falando das pessoas que matam gente, que não têm alma. Essa gente tem de ser isolada. Mas certamente o espectro é maior, e a
porta estará aberta.
FOLHA - Como avalia a transparência e as condições da campanha?
ABDULLAH - Posso falar da minha campanha, que considero
um marco na história do Afeganistão. Pessoas de todas as etnias participaram, falamos nos
quatro cantos do país.
Enquanto isso, Karzai usou
recursos do Estado e se cercou
das pessoas mais questionáveis
para fazer sua campanha. Mandou um avião do governo a Istambul [para trazer de volta o
senhor da guerra uzbeque Abdul Rashid Dostum, em troca
do apoio de sua etnia].
FOLHA - O que acontecerá com
Dostum se o sr. for eleito? ABDULLAH - Essa é uma pergunta muito específica. Digamos
que agora ele é hóspede do sr.
Karzai (risos).
FOLHA - E a presença estrangeira,
como ficaria no seu governo?
ABDULLAH - Ela é necessária hoje, não há dúvidas. Temos que
reforçar nossas Forças Armadas para termos condições de
dispensar a ajuda externa no
futuro próximo.
FOLHA - Analistas e adversários
afirmam que sua candidatura é bancada pelo Irã. O que o sr. tem a dizer
sobre isso?
ABDULLAH - Isso é totalmente
sem sentido. Meu apoio é amplo, da sociedade afegã. A campanha será lembrada na história da democracia afegã, se a democracia afegã sobreviver. Ultrapassamos aquela sabedoria
convencional de que tudo aqui
se decide com padrões tribais.
FOLHA - O sr. foi chanceler de Karzai. O que mudou?
ABDULLAH - Ele perdeu a chance de fazer um governo para todos. Agora, espero poder mudar isso. De qualquer forma,
nós já ganhamos com tudo o
que a campanha nos mostrou.
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