São Paulo, sexta-feira, 21 de agosto de 2009

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Principal opositor vê fraude em benefício de presidente

Abdullah diz à Folha, porém, ter compromisso com estabilidade, a despeito do resultado

Ex-chanceler de Karzai descarta dividir o poder com atual mandatário e abre as portas para o diálogo com alas moderadas do Taleban


DO ENVIADO AO AFEGANISTÃO

O principal desafiante do presidente Hamid Karzai, Abdullah Abdullah, afirmou ontem que "houve grandes fraudes" na região sul do Afeganistão, mas disse que manterá uma "atitude responsável" independentemente do resultado da eleição. O oftalmologista Abdullah, 48, concedeu entrevista exclusiva à Folha logo após almoçar na casa de sua família, a sudoeste do centro de Cabul. Vestindo jeans, sapatos pretos, camisa branca listrada de azul e um paletó azul-marinho, falou pausadamente em inglês.
"Meu compromisso é com a estabilidade", respondeu ao ser questionado se a retórica utilizada na campanha, ameaçando indiretamente incitar protestos de rua caso considerasse a eleição roubada, era para valer. Antigo conselheiro do herói mujahid Ahmad Shah Massoud, assassinado pela Al Qaeda dois dias antes do 11 de Setembro, Abdullah fez uma campanha considerada surpreendente por diplomatas ocidentais e da ONU -que inicialmente previam um "passeio" de Karzai, a quem o agora rival serviu como ministro das Relações Exteriores.
Segundo as duas últimas pesquisas feitas por americanos no país, Abdullah tinha cerca de 25% das intenções de voto e podia empurrar a disputa para o segundo turno. Abdullah falou por 15 minutos à Folha sob uma tenda com dois tetos no quintal da casa da família, ainda com o indicador pintado pela tinta eleitoral -diferentemente de seus assessores, que haviam removido a marca com um produto químico iraniano.
Havia segurança do lado de fora, mas não era ostensiva. A seu redor, correligionários com Blackberries ligados a extensões de tomadas e laptops, e a movimentação típica de comitês de campanha: telefonemas, discussões, planilhas entre pilhas de garrafas de água e potes com amêndoas. (IGOR GIELOW)

 

FOLHA - Agora são 14h, o pleito acaba às 16h. Com o sr. vê a eleição até aqui?
ABDULLAH ABDULLAH
- Houve problemas de segurança, como todos sabem. Mas o mais grave foram as fraudes. Na região sul, na grande Candahar, houve fraudes em larga escala, segundo meu time de observadores. Houve pessoas paradas por policiais a caminho das urnas em áreas em que certamente as urnas serão preenchidas com votos falsificados em favor de Karzai.

FOLHA - O que mais aconteceu?
ABDULLAH
- Durante toda a campanha, fomos limitados. No meu comício final em Cabul, prenderam os pilotos do meu helicóptero. Aí tive de ir de carro a meu compromisso seguinte, mas consegui chegar.

FOLHA - Na campanha, o sr. disse que o povo "não poderia deixar" haver resultado manipulado. O que isso significa, há um limite para a manipulação antes de convocar protestos de rua?
ABDULLAH
- É algo muito difícil de dizer neste momento. Mas quero deixar claro que minha atitude será de responsabilidade, independentemente do resultado da eleição. Meu compromisso é com a estabilidade.

FOLHA - Em caso de haver segundo turno contra Karzai, o sr. irá conversar com ele sobre a segurança do pleito?
ABDULLAH
- Sobre isso sim. E mais nada. Nunca houve conversas sobre divisão de poder, de jeito nenhum. Não houve, e não aceito isso.

FOLHA - Se o sr. for eleito, como fica a questão de integrar o Taleban ao processo político?
ABDULLAH
- A reconciliação nacional é uma questão central em nosso país. São muitos anos de guerra, pessoas lutaram de todos os lados.

FOLHA - Isso inclui o Taleban?
ABDULLAH
- Não estamos falando das pessoas que matam gente, que não têm alma. Essa gente tem de ser isolada. Mas certamente o espectro é maior, e a porta estará aberta.

FOLHA - Como avalia a transparência e as condições da campanha?
ABDULLAH
- Posso falar da minha campanha, que considero um marco na história do Afeganistão. Pessoas de todas as etnias participaram, falamos nos quatro cantos do país. Enquanto isso, Karzai usou recursos do Estado e se cercou das pessoas mais questionáveis para fazer sua campanha. Mandou um avião do governo a Istambul [para trazer de volta o senhor da guerra uzbeque Abdul Rashid Dostum, em troca do apoio de sua etnia].

FOLHA - O que acontecerá com Dostum se o sr. for eleito?
ABDULLAH
- Essa é uma pergunta muito específica. Digamos que agora ele é hóspede do sr. Karzai (risos).

FOLHA - E a presença estrangeira, como ficaria no seu governo?
ABDULLAH
- Ela é necessária hoje, não há dúvidas. Temos que reforçar nossas Forças Armadas para termos condições de dispensar a ajuda externa no futuro próximo.

FOLHA - Analistas e adversários afirmam que sua candidatura é bancada pelo Irã. O que o sr. tem a dizer sobre isso?
ABDULLAH
- Isso é totalmente sem sentido. Meu apoio é amplo, da sociedade afegã. A campanha será lembrada na história da democracia afegã, se a democracia afegã sobreviver. Ultrapassamos aquela sabedoria convencional de que tudo aqui se decide com padrões tribais.

FOLHA - O sr. foi chanceler de Karzai. O que mudou?
ABDULLAH
- Ele perdeu a chance de fazer um governo para todos. Agora, espero poder mudar isso. De qualquer forma, nós já ganhamos com tudo o que a campanha nos mostrou.


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