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Bolívia realoca brasileiros com ajuda do Brasil
Governo Lula financia com R$ 20 milhões retirada de agricultores brasileiros de região fronteiriça para interior boliviano
Só quem aceita continuar na Bolívia recebe indenização; brasileiros que preferem voltar ao Acre não ganham nada por terra que possuíam
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A SANTA ROSA DEL
ABUNÁ (BOLÍVIA)
"Tô comendo deitado", responde o colono acreano Antonio dos Santos sobre a espera
iniciada desde o mês passado,
quando foi notificado de que terá de deixar até dezembro a terra onde mora há cinco anos. Ele
é uma das centenas de brasileiros que, por um acordo bilateral, serão obrigados a se mudar
da zona de fronteira boliviana,
onde estão ilegalmente. Só não
sabem para onde.
O prazo curto contrasta com
a lentidão do processo de retirada. Mais de três anos após o
governo Evo Morales anunciar
a saída dos brasileiros da zona
de 50 km a partir da linha fronteiriça, conforme determina a
Constituição boliviana, não há
sequer um levantamento conclusivo de quantas famílias teriam de deixar a área -as estimativas variam de 400 a 1.000.
A tensão entre os brasileiros
provocada pela saída iminente
aumentou ainda mais com a recente chegada à região de centenas de colonos bolivianos
com um forte discurso nacionalista. O clima na região preocupa
o Itamaraty e será um dos temas da visita do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva à Bolívia, amanhã.
Nas última semanas, centenas de famílias brasileiras na
região, algumas morando ali há
décadas, vêm recebendo visitas
de representantes da OIM (Organização Internacional para
as Migrações), entidade com
atuação em vários países no tema e sede regional em Buenos
Aires, que ganhou um repasse
de R$ 20 milhões do governo
brasileiro para assentar brasileiros em território boliviano
fora da zona de fronteira.
Nas visitas, os funcionários
da OIM informam os termos do
acordo assinado entre os dois
países em outubro do ano passado: os brasileiros terão de sair
até o final deste ano, não receberão indenização pelas benfeitorias e só receberão ajuda se
quiserem ser deslocados para o
interior boliviano do pouco desenvolvido departamento (Estado) de Pando, opção que quase ninguém aceita por ficar longe da melhor infraestrutura do
lado brasileiro.
"Veio aqui um meio brasileiro [funcionário argentino que
falava português] e me explicou
que o Lula deu um dinheiro para ir para outro lugar da Bolívia,
mas é difícil deixar o que tenho
aqui", diz Santos, 28, que desistiu de plantar milho e mandioca em sua área sem título enquanto espera uma definição.
Como quase todos os brasileiros da região, Santos não tem
documentos bolivianos, é analfabeto e vive numa precária casa de madeira sem luz. Além da
agricultura em pequena escala,
ele faz extração de seringa e de
castanha.
A realocação dentro da própria Bolívia foi a solução encontrada pelo governo Lula para evitar que centenas de brasileiros atravessem a fronteira
para o Acre, o que na prática seria interpretado como uma expulsão por Morales.
Por outro lado, não há ajuda
prevista se os colonos quiserem
voltar ao país natal, como a
maioria prefere, já que os recursos são somente para assentamentos na Bolívia.
Na medida provisória 354, de
janeiro de 2007, que pediu ao
Congresso a aprovação dos R$
20 milhões, o governo diz que a
repatriação dos brasileiros implicaria "pressão adicional sobre os programas de reassentamento agrário e sobre os serviços sociais nos Estados do Acre,
de Rondônia e do Amazonas".
"Os brasileiros que quiserem
se mudar para a própria Bolívia
devem ter a preferência", disse
à Folha o embaixador Eduardo
Gradilone, chefe do Departamento das Comunidades Brasileiras no Exterior. "Como já
havia filas nos programas de
reforma agrária no Acre, seria
muito difícil absorvê-los e dar-lhes privilégios que os brasileiros não têm."
Gradilone afirmou que a
OIM fará um cadastramento
definitivo dos brasileiros que
precisarão ser removidos e que
"tudo indica" que o prazo de
dezembro terá de ser prorrogado, já que as áreas de reassentamentos nem sequer foram
compradas ainda.
Demora boliviana
O principal atraso está na regularização dos brasileiros.
Desde 2006, quando Brasil e
Bolívia assinaram um acordo
anual, renovado duas vezes, para realizar o processo de regularização de imigrantes, apenas
oito brasileiros foram legalizados pela Bolívia.
Já o Brasil, no mesmo período, regularizou 48 mil bolivianos sob o marco do convênio, a
maioria morando na cidade de
São Paulo.
Gradilone explicou que o
Brasil está ajudando a regularização por meio de visitas de
consulados itinerantes e que
centenas de brasileiros da região devem ser regularizados
em breve.
Apesar dos atrasos, o diretor
nacional de terras do Ministério de Desenvolvimento Rural,
Cliver Rocha, disse "ter esperanças" de que a transferência
de brasileiros seja concluída até
dezembro.
Rocha enfatizou várias vezes
que nenhum brasileiro será expulso da Bolívia e que a saída
será negociada.
Sobre o atraso na regularização, afirmou que essa é uma
área da Chancelaria e que o trabalho não está sendo feito de
forma coordenada entre os dois
ministérios.
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