São Paulo, domingo, 21 de agosto de 2011

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MISÉRIA AMERICANA

Bolsão de pobreza afunda na crise, mas não percebe

Nos EUA, Folha percorre a Appalachia, área com índice social aquém da média

A atual turbulência da economia parece invisível à parcela da população que já vive em trailers e sem esgoto

LUCIANA COELHO
ENVIADA ESPECIAL À APPALACHIA

Enquanto o resto dos EUA tenta bater a poeira da crise de 2008 sem saber se está ou não à beira da recaída, uma região do país mal distingue os efeitos de sucessivos baques, embora dados indiquem piora da economia.
Na Appalachia, a turbulência é só mais uma -mesmo que a população jovem esteja indo embora, a dependência de assistência estatal cresça e a incidência de depressão seja a maior do país.
O número de condados pobres foi de 78 a 96 desde 2008, quase 1/4 do total.
A região corre por 13 Estados ao longo dos montes Apalaches, de Nova York ao Mississippi. Quase a Bahia em tamanho, tem coração na Virgínia Ocidental, único Estado inteiro dentro desse pedaço dos EUA onde a economia depende do extrativismo e os índices sociais ficam aquém da média nacional.
Nos últimos dias, a Folha percorreu 1.300 km de sua fatia central, onde o carvão mineral responde pela renda de muitos, pela história, pela política e por drásticas mudanças sociais e ambientais.
Encontrou uma pobreza da qual não se fala nos EUA, maciçamente branca e majoritariamente rural, e cidades como Welch, no condado de McDowell, onde há aglomerados de gente vivendo em trailers e esgoto encanado só para 60% das moradias.
Ali, 40% da população vive sob a linha de pobreza -US$ 20 mil (R$ 31,9 mil)/ano por família. No país, 14% são pobres. "Em 2008, eu brincava, 'Ok, há uma recessão? Como vamos saber?'", diz a ambientalista Janet Keating, 62, que cresceu em Huntington, fronteira Virgínia Ocidental-Kentucky. "Nossa economia nunca foi vibrante, sobretudo por ser extrativista."
Dados mostram que problemas econômicos e sociais se agravaram, embora o desemprego pouco oscile em torno dos 9,1% nacionais.
"Na desaceleração, muita gente entrou em programas assistenciais", disse Marsha Dadisman, do Departamento de Saúde e Recursos Humanos da Virgínia Ocidental. "O programa de ajuda alimentar cresceu 25% no último ano."
Os novos dependentes são gente como Tracie e Mike Mills, pais de três rapazes. Ambos perderam o emprego em março. Ele achou outro trabalho, ela ainda não.
"Estamos saindo do buraco, mas dependemos do Medicaid [serviço médico público] e do vale-comida", diz Tracie, 36. "Não gosto, mas faço o quê? Já viu como adolescente come?"
Pesquisa do Gallup deste mês aponta a Appalachia como o bolsão depressivo dos EUA. Dos dez condados com maior parcela de diagnosticados, seis são apalaches.
Quem trabalha com a comunidade local questiona a pesquisa, telefônica. Carter Seaton, diretora de marketing da ONG assistencialista Goodwill, não detectou sensação de piora após 2008.
Experts listam razões que explicam tais números -o êxodo em algumas cidades, problemas de saúde advindos da exploração carvoeira em outras- e dizem que a falta de horizonte as exacerba.
"Há fatores ligados a outras doenças que coincidem com os sintomas", afirma o psicólogo Martin Amerikaner, que leciona na universidade local, a Marshall.
"Mas há fatores psicossociais. Quando as pessoas pensam que não têm futuro, que não vão ter um emprego decente, entram num ciclo e não buscam mais estímulos."
A região sofre a perda de população e impostos -no censo, McDowell encolheu 19% de 2000 para 2010.
Stephanie McSpirit, socióloga da Universidade do Leste do Kentucky, lamenta que alunos deixem a região diante da economia restrita. "Muitos querem voltar à cidade natal. Mas não há emprego."


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