São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2008

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Espanha livre optou por silêncio sobre mortos da ditadura

Netos de vítimas da guerra civil abrem valas coletivas para reconstituir histórias escamoteadas na transição democrática

Franco só contou os mortos do "terror vermelho" e receio de revanchismo alimentou esquecimento; arquivos foram queimados

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O primeiro processo de busca por desaparecidos da Guerra Civil Espanhola [1936-1939] foi iniciado pelo próprio franquismo. Assim que o conflito terminou, o ditador Francisco Franco abriu uma investigação judicial minuciosa, à qual foi dada o nome de Causa Geral. Foi documentado, de vilarejo em vilarejo, o que acontecera às vítimas da repressão republicana, o chamado "terror vermelho".
Da investigação, resultaram 1.500 arquivos, guardados até hoje. "Franco localizou as vítimas, procurou os culpados e os castigou. Tudo foi feito de maneira oficial; Franco não queria que a memória das vítimas [dos republicanos] se perdesse", diz o historiador Francisco Espinosa. Na época, foi divulgado o total de 85.940 mortos -hoje se sabe que o número foi inchado; a cifra estimada é de 38.563. Por essa razão, é fácil contabilizar as vítimas da repressão republicana, embora seja possível que ainda restem valas por encontrar. Difícil é localizar as vítimas do franquismo.
Por um lado, porque caíram no esquecimento forçado durante a longa ditadura; por outro, porque com a chegada da democracia, em 1978, o país optou pelo esquecimento voluntário. "Nos primeiros anos da democracia, foi positivo que não nos lançássemos numa guerra civil uns contra os outros. O problema é que se fecharam as portas à investigação", diz Espinosa. O ministro Martín Villa permitiu a queima de documentos cruciais, como os Arquivos Regionais da Falange Espanhola, braço político do franquismo.
Para o então governador de Barcelona, os arquivos "fediam a passado". Mesmo assim, a democracia impulsionou uma onda de buscas por desaparecidos. Em muitos povoados, abriram valas com pás e picaretas. Houve sepultamentos em massa, com o povoado inteiro carregando os mortos sobre os ombros. Mas, em 1981, o golpe militar frustrado do tenente-coronel Tejero Molina encerrou bruscamente esse movimento.

Paz e silêncio
Apenas no final dos anos 1990, quando a geração dos netos da guerra civil já vivia na democracia, foi dado o empurrão final. Emilio Silva, presidente da Associação para a Recuperação da Memória Histórica (ARMH), tornou-se pioneiro do novo movimento quando, em 2000, foi ao povoado de seu avô, um dos desaparecidos, decidido a escrever um livro sobre sua vida. Surpreendeu-se quando alguém disse que sabia onde seu avô estava sepultado.
"Eu queria apenas exumar meu avô e enterrá-lo, mas começaram a vir pessoas pedindo ajuda", conta. Assim foi criada a ARMH, formada por voluntários que dedicam férias e finais de semana a ajudar as famílias dos desaparecidos. A entidade já abriu 115 valas comuns e identificou 1.269 corpos. Falta encontrar os restos mortais reclamados por 5.000 famílias. Desde 2000 foram criadas pelo menos 157 associações de apoio aos familiares de desaparecidos.
"Romperam-se o medo e o vínculo artificial entre paz e silêncio", diz Mirta Nunez, historiadora e presidente de uma dessas associações, a Amesde. Os historiadores ainda denunciam a dificuldade de acesso a documentos, como os arquivos militares. Mas, em 30 anos de buscas, foi possível conseguir informações sobre 130 mil pessoas. O número daquelas sobre as quais ainda pode ser possível descobrir algo é uma incógnita.(MM)

Tradução de CLARA ALLAIN


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