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Espanha livre optou por silêncio sobre mortos da ditadura
Netos de vítimas da guerra civil abrem valas coletivas para reconstituir histórias escamoteadas na transição democrática
Franco só contou os mortos do "terror vermelho" e receio de revanchismo alimentou esquecimento; arquivos foram queimados
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O primeiro processo de busca por desaparecidos da Guerra
Civil Espanhola [1936-1939] foi
iniciado pelo próprio franquismo. Assim que o conflito terminou, o ditador Francisco Franco abriu uma investigação judicial minuciosa, à qual foi dada o
nome de Causa Geral. Foi documentado, de vilarejo em vilarejo, o que acontecera às vítimas da repressão republicana,
o chamado "terror vermelho".
Da investigação, resultaram
1.500 arquivos, guardados até
hoje. "Franco localizou as vítimas, procurou os culpados e os
castigou. Tudo foi feito de maneira oficial; Franco não queria
que a memória das vítimas [dos
republicanos] se perdesse", diz
o historiador Francisco Espinosa. Na época, foi divulgado o
total de 85.940 mortos -hoje
se sabe que o número foi inchado; a cifra estimada é de 38.563.
Por essa razão, é fácil contabilizar as vítimas da repressão
republicana, embora seja possível que ainda restem valas por
encontrar. Difícil é localizar as
vítimas do franquismo.
Por um
lado, porque caíram no esquecimento forçado durante a longa ditadura; por outro, porque
com a chegada da democracia,
em 1978, o país optou pelo esquecimento voluntário.
"Nos primeiros anos da democracia, foi positivo que não
nos lançássemos numa guerra
civil uns contra os outros. O
problema é que se fecharam as
portas à investigação", diz Espinosa. O ministro Martín Villa
permitiu a queima de documentos cruciais, como os Arquivos Regionais da Falange
Espanhola, braço político do
franquismo.
Para o então governador de Barcelona, os arquivos "fediam a passado".
Mesmo assim, a democracia
impulsionou uma onda de buscas por desaparecidos. Em
muitos povoados, abriram valas com pás e picaretas. Houve
sepultamentos em massa, com
o povoado inteiro carregando
os mortos sobre os ombros.
Mas, em 1981, o golpe militar
frustrado do tenente-coronel
Tejero Molina encerrou bruscamente esse movimento.
Paz e silêncio
Apenas no final dos anos
1990, quando a geração dos netos da guerra civil já vivia na democracia, foi dado o empurrão
final. Emilio Silva, presidente
da Associação para a Recuperação da Memória Histórica
(ARMH), tornou-se pioneiro
do novo movimento quando,
em 2000, foi ao povoado de seu
avô, um dos desaparecidos, decidido a escrever um livro sobre
sua vida. Surpreendeu-se
quando alguém disse que sabia
onde seu avô estava sepultado.
"Eu queria apenas exumar
meu avô e enterrá-lo, mas começaram a vir pessoas pedindo
ajuda", conta. Assim foi criada a
ARMH, formada por voluntários que dedicam férias e finais
de semana a ajudar as famílias
dos desaparecidos. A entidade
já abriu 115 valas comuns e
identificou 1.269 corpos. Falta
encontrar os restos mortais reclamados por 5.000 famílias.
Desde 2000 foram criadas
pelo menos 157 associações de
apoio aos familiares de desaparecidos.
"Romperam-se o medo
e o vínculo artificial entre paz e
silêncio", diz Mirta Nunez, historiadora e presidente de uma
dessas associações, a Amesde.
Os historiadores ainda denunciam a dificuldade de acesso a documentos, como os arquivos militares. Mas, em 30
anos de buscas, foi possível
conseguir informações sobre
130 mil pessoas. O número daquelas sobre as quais ainda pode ser possível descobrir algo é
uma incógnita.(MM)
Tradução de CLARA ALLAIN
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