São Paulo, sexta-feira, 21 de outubro de 2011

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O FIM DO DITADOR

Déspota excêntrico dizia ser o 'rei dos reis da África'

Gaddafi ascendeu na onda anticolonialista e perpetuou ditadura singular

Mais errático do que os outros dois ditadores árabes derrubados, ele foi descartado por ocidentais e por árabes

CLAUDIA ANTUNES
DO RIO

Como os demais ditadores derrubados na onda de revoltas árabes, Muammar Gaddafi fez parte de uma geração de nacionalistas revolucionários que, ao se perpetuarem no poder, viraram monarcas autonomeados -governavam para uma corte de áulicos e pretendiam transmitir o poder aos filhos.
No entanto, quando comparado ao egípcio Hosni Mubarak e ao tunisiano Zine Ben Ali, o coronel líbio era mais excêntrico e mais errático.
Não conseguia manter alianças estáveis, o que explica ter sido, agora, o déspota em apuros mais facilmente descartado pelo Ocidente e por governantes árabes.
Depois de passar os anos 1990 como pária, acusado pela explosão de um avião sobre Lockerbie (Escócia) que deixou 270 mortos em 1988, Gaddafi havia recomposto na década passada as relações com americanos e europeus.
Ele abriu mão da bomba nuclear, franqueou o petróleo líbio a empresas ocidentais, e até conseguiu convencer a London School of Economics de que seu filho e herdeiro político, Saif, era um príncipe esclarecido.
Cortejado, julgava-se protegido. Declarou-se traído quando a Otan (aliança militar ocidental) e monarquias árabes deram cobertura para que os rebeldes líbios reforçassem seu exército improvisado e o encurralassem em Sirte, sua cidade natal.

GOLPE EM 1969
Morto aos 69 anos, Muammar Gaddafi tinha 27 quando liderou o golpe de jovens militares que derrubou o rei Idris, em 1969. O rei era um símbolo da unificação de três antigas províncias otomanas reconhecidas como um só país em 1951, após a saída dos colonizadores italianos.
Inspirado no também militar Gamal Abdel Nasser, que em 1952 liderara a revolução antimonárquica, de tintas socialistas, no Egito, Gaddafi fechou uma base dos EUA e nacionalizou o petróleo.
A exploração da riqueza fez aumentar o nível de vida dos líbios, cuja renda per capita chegou, em 1980, a US$ 12,7 mil (mais do que a do Brasil atual).
Porém, diferentemente de Egito ou Síria -dotados de Constituições republicanas suspensas por seguidos decretos de emergência -, ele estabeleceu um sistema político singular, a Jamahiriya, ou "república das massas".

LIVRO VERDE
Na Líbia sem Carta, Parlamento ou partidos, Gaddafi nunca teve cargo formal. A lei máxima era seu "Livro Verde", guia para uma democracia direta que, na prática, funcionava como uma rede de clãs leais ao líder e recompensados com empregos públicos e negócios.
À frente de um país pouco povoado (6,5 milhões de líbios) e relativamente rico, nos anos 1970 e 1980 Gaddafi financiou guerrilhas de esquerda e insurgentes vários na África, no Oriente Médio, na América Latina e até na Europa, incluindo o IRA (Exército Republicano Irlandês).
Daí a solidariedade que recebeu quando o presidente americano Ronald Reagan ordenou o bombardeio do seu quartel-general em Trípoli, em 1986, acusando-o de tramar o atentado a uma discoteca de Berlim que matou dois militares dos EUA.
O líbio tentou por anos promover a união árabe, mas sua liderança era rejeitada pelos demais dirigentes. Em 1998, voltou-se para a África subsaariana, e chegou a presidir a União Africana em 2009.
Brutal com opositores, Gaddafi foi especialmente implacável com os islamistas.
Nos anos 1970, executou em praça pública ativistas religiosos, nos 1990 esmagou uma insurgência islâmica no leste líbio e, neste século, colaborou com a "guerra ao terror", recebendo suspeitos sequestrados pela CIA.

EXOTISMO
Gaddafi se casou ao menos duas vezes e teve oito filhos, além de dois adotivos. Sua faceta mais exótica o transformou, com o tempo, numa figura folclórica.
Ele fez dos óculos escuros sua marca, vestia-se com túnicas bordadas, recebia os visitantes em tendas que remetiam à sua origem beduína, submetia-se a cirurgias plásticas e dava declarações grandiloquentes, intitulando-se "rei dos reis da África" e "guia para a era das massas".
Quando foi morto, com a mesma brutalidade com que governou, ainda insistia ter o "amor do povo".



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