São Paulo, segunda-feira, 21 de novembro de 2005

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MEMÓRIA

Tribunal que julgou os criminosos nazistas antecipou Corte de Haia

Nuremberg completa 60 anos

TONY PATERSON
DO "INDEPENDENT", EM BERLIM

Antigos promotores das forças aliadas e testemunhas retornaram ao tribunal de Nuremberg, onde os líderes do regime nazista, de Adolf Hitler, foram submetidos a julgamento, para marcar o 60º aniversário dos julgamentos históricos que estabeleceram o precedente mundial de submeter criminosos de guerra à Justiça.
Whitney Harris, um dos principais promotores americanos nos julgamentos de Nuremberg, em que 19 líderes nazistas foram condenados por crimes contra a humanidade, juntou-se a ex-advogados aliados e repórteres alemães do tribunal que participaram dos procedimentos históricos, que começaram em 20/ 11/45.
Harris, hoje na casa dos 80 anos, admitiu que, antes dos julgamentos começarem, ele e seus colegas tinham pouca idéia da enormidade dos crimes. "Não tinha a menor idéia da escala do genocídio que ocorrera na Alemanha. Quando iniciamos nossas investigações, não dispúnhamos de muitas evidências sólidas", explicou.
Várias evidências-chave sobre o Holocausto foram obtidas no tribunal por meio do interrogatório -conduzido por Harris- do comandante do campo de Auschwitz, Rudolf Hess, que admitiu ter transformado o campo de concentração em um centro de extermínio de judeus e ciganos.

Fenômeno transcendente
Durante os julgamentos, o tribunal ouviu testemunhos nauseantes de vítimas do Holocausto e assistiu a uma série de documentários dilacerantes que mostraram pilhas de cadáveres emaciados e os sobreviventes cadavéricos encontrados nos campos quando as forças aliadas os libertaram, em 1945.
Harris disse ontem que levou 20 anos para superar suas memórias. "Mesmo hoje, esse acontecimento ainda me afeta profundamente. Mas todos esses crimes medonhos não constituem fenômeno exclusivamente alemão", acrescentou.
O primeiro dia do julgamento foi ocupado pela leitura do documento de 24 mil palavras de indiciamento de vários líderes nazistas, incluindo o ex-chefe da Força Aérea alemã Hermann Goering, o vice de Hitler, Rudolf Hess, e o ministro do Exterior, Joachim von Ribbentrop.
Goering, que cometeu suicídio em sua cela pouco antes de sua execução programada, foi um dos 12 líderes nazistas condenados à morte. Três líderes nazistas foram absolvidos. Os restantes, entre eles Rudolf Hess e Albert Speer, o arquiteto de Hitler, foram sentenciados a longas penas de prisão. Hess cometeu suicídio em 1986 na prisão de Spandau, em Berlim.
Apesar do papel exercido pelos julgamentos de Nuremberg na criação de um precedente internacional para a abertura de processos legais contra criminosos de guerra, evidências recentes indicam que, na Alemanha, décadas após a guerra, suas conclusões foram vistas em grande medida como exemplos de "justiça dos vencedores".
Uma sondagem secreta conduzida pelo Departamento de Estado dos EUA e divulgada há três anos constatou que, até a década de 70, a maioria dos alemães não via como justos os julgamentos de Nuremberg.
Ontem a mídia alemã foi unânime em elogiar os julgamentos. "Sem Nuremberg, a Corte Internacional de Justiça em Haia e os julgamentos de pessoas como Slobodan Milosevic e Saddam Hussein teriam sido impensáveis", escreveu o jornal berlinense "Der Tagesspiegel".


Tradução de Clara Allain


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