São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 2008

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EUA admitem multipolaridade pela primeira vez

Novo documento da inteligência norte-americana prevê mundo com "vários atores" em 2025, inclusive não-estatais

Organizações terroristas como a Al Qaeda perderão força antes do previsto, diz relatório do Conselho de Inteligência Nacional

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

A dois meses do fim e meia década depois de a "intelligentsia" mundial apontar a tendência, o governo de George W. Bush admitiu pela primeira vez em documento oficial que o mundo caminha para se tornar "multipolar" -ou seja, os EUA continuarão uma potência econômica e militar sem igual, mas perderão poder relativo.
"Um sistema global multipolar está surgindo com a ascensão de China, Índia e outros", afirma texto divulgado ontem pelo Conselho de Inteligência Nacional (NIC, na sigla em inglês). "O poder relativo de atores não-estatais -empresas, tribos, organizações religiosas e mesmo criminosas- também vai aumentar."
Os EUA, conclui o texto, "permanecerão o país mais poderoso, mas serão menos dominantes." O reconhecimento está no relatório "Tendências Globais 2025 - Um Mundo Transformado". Com 120 páginas, é o quarto exercício não-sigiloso sobre tendências mundiais futuras que a associação de agências de inteligência prepara para o governo norte-americano em duas décadas.
O NIC acredita que todo o sistema internacional construído no pós-Segunda Guerra passará por uma "revolução". "Novas forças como Brasil, Rússia, Índia e China não só terão uma cadeira na mesa internacional de decisões como vão trazer novas exigências e novas regras do jogo" para ela.
Entre outras coisas, o relatório prevê que continue a transferência de riqueza sem precedentes do Oeste para o Leste e o crescimento econômico atual, com a ascensão à classe consumidora de 1,5 bilhão de pessoas, o que aumentará a ameaça de escassez de recursos naturais como energia, alimento e água.
Ainda diz que o potencial para conflitos crescerá. Mas afirma que a Al Qaeda está em declínio e deve perder força antes do que calculavam os analistas -a organização alienou parte de sua base de apoio entre muçulmanos ao matar indiscriminadamente e não lidar diretamente com problemas como a pobreza e o desemprego.

Debate
O conceito contemporâneo de multipolaridade vem sendo debatido pela esquerda do pensamento mundial há alguns anos. Nele, há vários, e não só um pólo de poder -os EUA. Também não há mais lugar para a bipolaridade da Guerra Fria, quando o mundo se dividia sob a influência dos EUA e da então União Soviética, nem para uma versão atual dessa, com a China no segundo papel.
Nos últimos anos, o conceito foi abraçado por nomes do establishment norte-americano como Richard Haass, do prestigioso Council on Foreign Relations, e o escritor Fareed Zakaria. Agora, chegou a vez de a inteligência norte-americana colocar a chancela oficial. Inédita no relatório anterior, a palavra "multipolar" surge em 34 referências no atual texto.
Já o Brasil, diz o texto, "vai se tornar a potência regional líder, mas seus esforços de promover a integração sul-americana serão realizados apenas parcialmente", diz o texto, que dedica um capítulo inteiro ao país, de tom geralmente elogioso, em que se destacam as descobertas recentes de petróleo.
Em um dos textos "do futuro" -o recurso é usado algumas vezes no relatório-, o chanceler brasileiro de 2021 escreve uma carta para o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. Nele, diz que o Brasil está mediando um conflito entre EUA, China e Índia iniciado no golfo de Omã por conta de acesso a petróleo e gás natural. E sugere o Rio como palco de negociações, citando o Carnaval.


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